por Fernando Brito, Tijolaço -
Se me fosse dado escolher um antônimo para ódio, escolheria a palavra compaixão, tão frequentemente confundida com “piedade”.
É apenas, no dizer simples de Paulo de Tarso (Romanos, 12:15), a capacidade de alegrar-se com os que se alegram; chorem com os que choram”.
No dizer dos dicionários, a capacidade de compreender do estado emocional de outra pessoa, e deixar que ele produza efeitos em si mesmo.
Até o implacável inspetor Javert, de Os Miseráveis, é capaz de senti-la e deixa Jean Valjean salvar um jovem revolucionário e ver a filha pela última vez.
Nem Victor Hugo foi capaz de imaginar um agente do Estado tão desprovido de sentimentos quanto os que se revelaram entre os procuradores da Lava Jato nos deboches ao luto de Lula com a perda da mulher, do irmão e do neto.
Chamei-os de monstros, porque a compaixão é privilégio da natureza humana, ou quase isso, pois já vi até cães de orelhas murchas quando nos percebem tristes.
A carta pública de Eugênio Aragão, subprocurador geral da República e ex-ministro da Justiça, publicada pelo GGN, traduz, mais que o sentimento de um procurador com aquilo que se transformou o Ministério Público, o sentimento da geração que buscou o fim do autoritarismo, da ditadura, do estado policial, quase 50 anos atrás.
Dói no coração lê-la, mas é a dor que nos provoca e faz agir para tentar, ao menos tentar, deter esta máquina de ódio em que se transformou o Ministério Público, a quem Aragão pranteia como a um filho que perdeu-se na vida.
Carta pública aos ex-colegas da Lava-Jato
Eugênio Aragão, procurador aposentado, no GGN
Sim. Ex-colegas, porque, a despeito
de a Constituição me conferir a vitaliciedade no cargo de membro do
Ministério Público Federal, nada há, hoje, que me identifique com vocês,
a não ser uma ilusão passada de que a instituição a que pertenci podia
fazer uma diferença transformadora na precária democracia brasileira.
Superada a ilusão diante das péssimas práticas de seus membros, nego-os
como colegas.
Já há semanas venho sentindo náuseas
ao ler suas mensagens, trocadas pelo aplicativo Telegram e agora
reveladas pelo sítio The Intercept Brasil, num serviço de inestimável
valor para nossa sociedade deformada pela polarização que vocês
provocaram. Na verdade, já sabia que esse era o tom de suas maquinações,
porque já os conheço bem, uns trogloditas que espasmam arrogância e
megalomania pela rede interna da casa. Quando aí estava, tentei discutir
com vocês, mostrar erros em que estavam incidindo no discurso pequeno e
pretensioso que pululava pelos computadores de serviço. Fui rejeitado
por isso, porque Narciso rejeita tudo que não é espelho. E me recusava a
me espelhar em vocês, fedelhos incorrigíveis.
A mim vocês não convencem com seu
pobre refrão de que “não reconhecem a autenticidade de mensagens obtidas
por meio criminoso”. Por muito menos, vocês “reconheceram” diálogo da
Presidenta legitimamente eleita Dilma Rousseff com o Ex-Presidente Lula,
interceptado e divulgado de forma criminosa. Seu guru, hoje ministro da
justiça de um desqualificado, ainda teve o desplante de dizer que era
irrelevante a forma como fora obtido acesso ao diálogo, pois relevaria
mais o seu conteúdo. Tomem! Isso serve que nem uma luva nas mãos
ignóbeis de vocês. Quem faz coisa errada e não se emenda acaba por ser
atropelado pelo próprio erro.
Subiu-lhes à cabeça. Perderam toda
capacidade de discernir entre o certo e o errado, entre o público e o
privado, tamanha a prepotência que os cega. Não têm qualquer
autocrítica. Nem diante do desnudamento de sua vilania, são capazes de
um gesto de satisfação, de um pedido de desculpas e do reconhecimento do
erro. Covardes, escondem-se na formalidade que negaram àqueles que
elegeram para seus inimigos.
Esquecem-se que o celular de serviço
não se presta a garantir privacidade ao agente público que o usa.
Celulares de serviço são instrumentos de trabalho, para comunicação no
trabalho. Submete-se, seu uso, aos princípios da administração, entre
eles o da publicidade, que demanda transparência nas ações dos agentes
públicos. Conversas de cunho pessoal ali não devem ter lugar e, diante
do risco de intrusão, também não devem por eles trafegar mensagens
confidenciais. Se houver quebra de confidencialidade pela invasão do
celular, a culpa pelo dano ao serviço é do agente público que agiu com
pouco caso para com o interesse da administração e depositou sigilo
funcional na rede ou na nuvem virtual. Pode por isso ser
responsabilizado, seja na via da improbidade administrativa, seja na via
disciplinar, seja no âmbito penal por dolo eventual na violação do
sigilo funcional. Não há, portanto, que apontarem o dedo para os
jornalistas que tornaram público o que público devesse ser.
De qualquer sorte, tenho as mensagens
como autênticas, porque o estilo de vocês – ou a falta dele – é
inconfundível. Mesmo um ficcionista genial não conseguiria inventar
tamanha empáfia. Tem que ser membro do MPF concurseiro para chegar a
tanto! Umas menininhas e uns menininhos “remplis de soi-mêmes”,
filhinhas e filhinhos de papai que nunca souberam o que é sofrer
restrições de ordem material e discriminação no dia a dia. Sempre
tiveram sua bola levantada, a levar o ego junto. Pessimamente educados
por seus pais que não lhes puxaram as orelhas, vocês são uns monstrengos
incapazes de qualquer compaixão. A única forma de solidariedade que
conhecem é a de uma horda de malfeitores entre si, um encobrindo um ao
outro, condescendentes com os ilícitos que cada um pratica em suas
maquinações que ousam chamar de “causa”. Matilhas de hienas também
conhecem a solidariedade no reparto da carniça, mas, como vocês, não têm
empatia.
Digo isso com o asco que sinto de
vocês hoje. Sinto-me mal. Tenho vontade de vomitar. Ao ler as mensagens
trocadas entre si em momentos dramáticos da vida pessoal do
Ex-Presidente Lula, tenho a prova do que sempre suspeitei: de que tem um
quê de psicopatas nessa turma de jovens procuradores, uma deformação de
caráter decorrente, talvez, do inebriamento pelo sucesso. Quando
passaram no concurso, acharam que levaram o bilhete da sorte, que lhes
garantia poder, prestígio e dinheiro, sem qualquer contrapartida em
responsabilidade.
Sim, dinheiro! Alguns de vocês
venderam sua atuação pública em palestras privadas, em troca de quarenta
moedas de prata. Mas negaram ao Ex-Presidente Lula o direito de, já sem
vínculo com a administração, fazer palestras empresariais. As palestras
de vocês, a passarem o trator sobre a presunção de inocência, são
sagradas. Mas as de Lula, que dão conta de sua visão de Estado como ator
político que é, são profanas. E tudo fizeram na sorrelfa, enganando até
o corregedor e o CNMP.
Agora, a cerejinha do bolo. Chamam
Lula de “safado”, fazem troça de seu sofrimento, sugerem que a trágica
morte de Dona Mariza foi queima de arquivo… chamam o luto de “mimimi” e
negam o caráter humano àquele que tão odienta e doentiamente perseguem!
Só me resta perguntar: onde vocês aprenderam a ser nazistas? Pois tenho
certeza que o desprezo de vocês pelo padecimento alheio não é diferente
daqueles que empurravam multidões para as câmaras de gás sem qualquer
remorso, escorando-se no “dever para com o povo alemão”. Ao externarem
tamanha crueldade para com o Ex-Presidente Lula, vocês também invocarão o
dever para com o Brasil?
Declarem-se suspeitos em relação ao
alvo de seu ódio. Ainda é tempo de porem a mão na consciência, mostrarem
sincero remorso e arrependimento, porque aqui se faz e aqui se paga. A
mão à palmatória pode redimi-los, desde que o façam com a humildade que
até hoje não souberam cultivar e empreendam seu caminho a Canossa, para
pedirem perdão a quem ofenderam. Do contrário, a história não lhes
perdoará, por mais que os órgãos de controle, imbuídos de espírito de
corpo, os queiram proteger. A hora da verdade chegou e, nela, Lula se
revela como vítima da mais sórdida ação de perseguição política
empreendida pelo judiciário contra um líder popular na história de nosso
país. Mais cedo ou mais tarde ele estará solto e inocentado, já vocês…
Despeço-me aqui com uma dor pungente
no coração. Sangro na alma sempre que constato a monstruosidade em que
se transformou o Ministério Público Federal. E vocês são a toxina que
acometeu o órgão. São tudo que não queríamos ser quando lutamos, na
Constituinte, pelo fortalecimento institucional. Esse desvio de vocês é
nosso fracasso. Temos que dormir com isso.
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