por Ricardo Kotscho, Balaio do Kotscho -
¨Bolsonaro defende prisão de jornalistas que publicam mentiras” (Rádio CBN, do Grupo Globo, nesta sexta-feira).
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Quem ainda é capaz de dizer o que é verdade ou mentira no Brasil de Jair Bolsonaro, além dele?
No velho Estadão, onde eu trabalhava nos anos 70 do século passado, uma grande crise entre a direção e a redação só foi estourar quando a censura saiu do jornal.
Os jornalistas achavam que agora estavam livres para publicar tudo, mas não foi bem assim.
Um dos donos do jornal, Ruy Mesquita, dizia publicamente que a redação era coalhada de comunistas.
Saiu a censura prévia, mas começava a autocensura, para não prejudicar os negócios do grupo empresarial, cujos interesses não se limitavam à publicação de jornais.
Estas outras áreas dependiam de uma boa relação com o Banco Central e a Receita Federal.
Eu só conseguiria fazer uma reportagem sobre desmandos da Receita Federal nas fronteiras, muitos anos depois, na Folha, quando o jornal era dirigido por Octavio Frias de Oliveira.
“Você tem provas de tudo isso?”, ele me perguntou.
“Sim, eu respondi”, e seu Frias me mandou escrever a matéria, que foi publicada na íntegra.
A pressão dos governos naquela época, como agora, não se dava diretamente sobre os donos da mídia, mas sobre seus anunciantes, a principal fonte de renda dos veículos.
A queda no faturamento é o principal álibi apresentado pelos donos em tempos de crise para os constantes cortes nas redações, os tenebrosos “passaralhos”.
A escolha dos nomes para a degola deve atender, ao mesmo tempo, aos interesses das empresas e do governo, ainda que nada seja previamente combinado.
Mas é algo implícito, que os dois lados tocam de ouvido: corta-se primeiro a cabeça de quem pode vir a causar problemas por pensar pela sua própria cabeça.
Por um instinto de preservação, procuram evitar problemas futuros e se antecipam ao pedido vindo de cima.
Na verdade, pensando bem, já nem restam muitas cabeças para cortar, pois as redações estão cada vez mais mansas, obedecendo sem contestar à ordem constituída, ao contrário do que acontecia em outros tempos, nem tão distantes.
Quando um governo de extrema direita considera até Merval Pereira e William Waack como alvos a combater, o baixo clero da imprensa fica cada vez mais acoelhado.
Até notórios anti-petistas, que nada têm de vermelhos, estão dançando pela ousadia de fazer qualquer crítica ao governo.
Colunas são sumariamente cortadas e colaboradores dispensados ao sabor dos ventos e dos interesses dos grandes grupos empresariais que comandam a mídia nativa e não querem ter problemas com o governo.
Aos poucos, vamos voltando ao pensamento único para vender que a economia está melhorando, as reformas avançando e, em breve, todos seremos felizes, amigos para sempre.
Aqui e ali, não sei até quando, ainda se ouve alguma voz dissonante deste oba-oba do “agora vamos todos torcer para dar certo”.
Alguns poucos jornalistas, que eu admiro, ainda tentam bravamente denunciar a destruição do país, em todas as áreas, e a degradação das nossas instituições, sob um governo que se tornou motivo de chacota no mundo inteiro.
Não temos mais nenhum outro Mino Carta na nossa imprensa, o último chefe de redação capaz de desafiar, ao mesmo tempo, o governo militar e os seus patrões.
Grande Mino, um abraço!
Vida que segue
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