por Fernando Brito, Tijolaço -
Com chamada na capa, o Washington Post traz hoje reportagem de seu correspondente no Brasil, Terence McCoy, contando o que vive o jornalista Gleen Greenwald, sofrendo as ameaças “semioficiais” com que Sérgio Moro insufla os bolsonaristas.
Enquanto eles acham que podem calá-lo com meia dúzia de rojões e uma caixa de som em Paraty, o caso vergonhoso para o Brasil se espalha pelo mundo.
E Greenwald é claro: mesmo que o prendam, publicará todo o material das promiscuidades de Curitiba.
Glenn Greenwald já enfrentou dificuldades
para ser reporter antes. Mas não assim.
Terence McCoy, no The Washington Post
RIO DE JANEIRO – Glenn Greenwald
ficou nervoso. Ele tinha outra grande história em andamento, e a
atmosfera em torno de seu escritório em casa era frenética: cachorros
latindo, 27 câmeras de segurança filmando, grandes homens armados de
guarda.
Durante semanas, de uma casa
transformada em um bunker, Greenwald publicou alegações lançando dúvidas
sobre a imparcialidade da investigação de corrupção que levou à prisão
do ex-presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva e contribuiu para a
ascensão do presidente Jair Bolsonaro.
Em dois dias, ele publicaria outra
história alegando que o juiz que supervisionou o caso de Lula, Sérgio
Moro, herói nacional no Brasil por seu papel na corrupção, havia
conspirado com promotores para condená-lo.
“Este material vai sair”, disse ele. “Mesmo que eles me ponham na prisão.”
A perspectiva parecia real o
suficiente. Greenwald, o jornalista norte-americano polarizador que
ganhou proeminência relatando os programas de vigilância do governo dos
EUA expostos por Edward Snowden, havia prometido meses de histórias – um
constante vazamento de vazamentos que poderia pôr em perigo a agenda de
Bolsonaro. Alguns membros do Congresso pediram sua deportação. Outros o
acusaram de cometer um crime. Ameaças de morte estavam rolando.
Mais recentemente, a Polícia Federal,
comandada por Moro, hoje ministro da Justiça de Bolsonaro, começou a
investigar as finanças de Greenwald em uma investigação que os
defensores da imprensa vêem como uma tentativa de silenciá-lo.
As ameaças públicas contra Greenwald
representam um teste inicial para o Brasil sob Bolsonaro, o ex-oficial
militar de direita que ganhou a presidência no ano passado com apelos ao
nacionalismo, homofobia e nostalgia pela ditadura militar de duas
décadas do país.
Este governo tolerará denúncias
prejudiciais de um jornalista gay? Ou será que vai silenciá-lo,
confirmando os temores do potencial de autoritarismo de Bolsonaro?
“Há todas essas perguntas ocultas que
encontraram um veículo para expressão nesta história”, disse Greenwald.
“É mais do que apenas Sérgio Moro. É sobre o tipo de governo que vamos
ter.”
Greenwald mudou-se para o Rio em
2005, depois de conhecer o homem que se tornaria seu marido durante as
férias aqui. Na década seguinte, ao abordar questões americanas de
longe, ele construiu uma vida brasileira. Seu marido, David Miranda, é
um membro socialista do Congresso. Eles adotaram duas crianças
brasileiras e abriram um abrigo para cães. Eles agora vivem em uma casa
cavernosa, construída em torno de uma pedra gigante, em uma rua
arborizada em um condomínio fechado perto de uma montanha.
Suas reportagens e opiniões polêmicas
há muito tempo atraem fãs nos Estados Unidos – e também críticos,
alguns dos quais ele atacou ferozmente online: “You idiot” é o epíteto
favorito no Twitter.
A partir de 2016, no entanto, que ele
se tornou uma figura polarizadora também no Brasil. O impeachment da
presidente Dilma Rousseff, sucessora ungida de Lula, estava cortando o
país em linhas partidárias. Greenwald começou a escrever colunas em
português que criticavam os procedimentos. Eles encontraram uma
audiência enorme, convencendo-o de que havia espaço aqui para um site de
notícias investigativas.
O Intercept Brasil, lançado em agosto
de 2016 como um desdobramento da organização de notícias on-line
Greenwald co-fundada dois anos antes, juntou-se a uma indústria de mídia
que logo seria prejudicada por uma campanha política polarizada, a
prisão de Lula e a ascensão de Bolsonaro. O candidato de direita fez
ataques à grande mídia um pilar de sua campanha.
“Bolsonaro usa Trump como modelo”,
disse Rosental Calmon Alves, diretor do Centro Knight para o Jornalismo
nas Américas da Universidade do Texas, em Austin. “Parte do trumpismo
está atacando a imprensa e tendo a imprensa como inimiga. Bolsonaro
tentou jogar pelo mesmo manual.
Os partidários de Bolsonaro
perseguiram e ameaçaram os verificadores de fatos, dizem os defensores
da imprensa . A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo contou
quase 62 casos de agressão física contra jornalistas em 2018 em um
contexto político.
“O fato de que tivemos que criar um
levantamento sistemático de instâncias – uma necessidade que não havia
sido percebida até então – mostra que a última campanha foi atípica”,
disse a gerente executiva da organização, Marina Iemini Atoji.
Quando Bolsonaro ganhou a eleição, o Repórteres Sem Fronteiras, em Paris, chamou-o de “Uma séria ameaça à liberdade de imprensa e à democracia no Brasil”.
Foi nesse contexto, diz Greenwald,
que uma pessoa – ele se recusou a dizer quem – entrou em contato para
oferecer informações que enviariam tremores através da ordem política.
Uma figura central no arquivo de
materiais que obteve foi Moro, uma das pessoas mais populares do Brasil,
visto por muitos como um defensor da probidade pública.
A primeira história do Intercept,
publicada no início de junho, desafiou essa narrativa. Alegou que Moro
havia trabalhado de forma inadequada com promotores federais para
prender Lula, o líder nas eleições presidenciais, limpando o caminho de
Bolsonaro para a presidência. Moro negou ter cometido erros.
O relatório gerou respostas que
refletiram as divisões do país. Embora a maioria tenha desaprovado suas
alegadas comunicações com os promotores durante a investigação “Lava
Jato”, as pesquisas mostraram que a maioria continua a apoiá-lo. E
Greenwald, que nunca escondeu seu desdém por Bolsonaro, viu-se diante de
uma acusação que ouviu antes : que ele é menos um jornalista do que um
ativista.
“Ele está muito claramente
posicionado no Brasil”, disse Oliver Stuenkel, professor assistente de
relações internacionais da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo. “Muitas
pessoas dizem que ele tem uma agenda e ele não é objetivo”.
Logo a história se tornou tanto sobre
Greenwald – sua sexualidade, seu casamento com um homem brasileiro, sua
condição de estrangeiro – quanto sobre as alegações que o Intercept
publicava.
Carlos Bolsonaro, o filho do
presidente, divulgou teorias de conspiração e insinuou chamar de
“menina” o marido de Greenwald . Uma petição online para a deportação do
jornalista acumulou quase 100.000 assinaturas. Mensagens homofóbicas
atravessaram as mídias sociais. Moro disse que o Intercept foi “aliado”
de “hackers criminosos”.
Na semana passada, o site
Antagonista, que tem uma reputação no Brasil como anti-Lula, informou
que a polícia federal estava investigando as finanças de Greenwald. As
autoridades recusaram-se a confirmar ou negar uma investigação.
“Nossa constituição é muito dura na
defesa da liberdade de expressão e imprensa”, disse Leandro Demori,
editor executivo da Intercept Brasil. “Mas as nossas instituições são
fortes o suficiente para proteger a constituição? Acho que não. Eu
realmente não sei. Estamos com medo.
Greenwald está inclinado a concordar.
Ele sofreu ameaças e denúncias após as revelações de Snowden. Mas isso
parece diferente, ele disse. É mais pessoal.
“Com Snowden, eu era apenas o
repórter”, disse Greenwald. “Neste caso, não há fonte identificável,
então eles me identificaram pessoalmente, como se eu fosse a pessoa que
pegou o material.
“Eu sou um bom alvo. Sou estrangeiro. Eu sou gay. Sou casado com um político socialista.”
Ele olhou para fora por um momento,
onde tudo era sol e folhagem. Ele diz que o Brasil ainda é “paraíso”.
Mas além das árvores havia muros de concreto, agora recém-fortificados
com espirais de arame farpado eletrificado. Atualmente, ele raramente se
aventura além de sua barreira, ele disse, por medo de assassinato.
Ainda assim, ele não tem planos de sair.
“Eu não vejo o Brasil como um lugar estrangeiro”, disse ele. “É a minha casa.”
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