por Fernando Brito, Tijolaço -
Fora dos hospício das redes sociais, é difícil achar qualquer um que se aventure a defender o comportamento de Jair Bolsonaro em sua visita aos EUA que, para felicidade do país, vai chegando ao fim. Inócua comercialmente, de “terceira categoria” pela econômica recepção oferecida por Donald Trump e desclassificante pelo nível das atititudes do presidente, desde a estréia cercada de alucinados conspitadores até o espetáculo ridículo de levar o filho para a Casa Branca.
Hennedy Alencar resule, em texto publicado em seu blog, a imagem que fica de quem se ofereceu para além dos limites do decoro.
Bolsonaro exibe “complexo de
vira-latas” em visita aos EUA
Kennedy Alencar
O “complexo de vira-latas”, conceito
criado por Nelson Rodrigues, é perfeito para descrever a visita aos
Estados Unidos do presidente Jair Bolsonaro e sua comitiva.
Nelson Rodrigues entendia o “complexo
de vira-latas” como a “inferioridade em que o brasileiro se coloca,
voluntariamente, em face do resto do mundo”. Ele cunhou a expressão
inspirado na derrota do Brasil para o Uruguai na Copa de 1950 e a
utilizou em muitas situações depois.
A viagem de Bolsonaro e ministros aos
Estados Unidos é “rodrigueana”. É uma manifestação do brasileiro e o
seu “complexo de vira-latas”. Por exemplo: a dispensa de vistos para
turistas americanos é uma vitória do deputado federal Eduardo Bolsonaro
(PSL-SP) contra todo o corpo técnico do Itamaraty.
O filho do presidente, que se
comporta como chanceler do B e um príncipe político, obteve de um
ministro submisso uma decisão que contraria o princípio da reciprocidade
nas relações internacionais. Um país do tamanho e importância do Brasil
não pode ser comportar como um vira-lata diplomático.
O presidente editou ontem um decreto
que dispensará a partir de junho a exigência de visto para turistas
americanos, canadenses, japoneses e australianos. Não há contrapartida
para brasileiros, que continuarão a precisar de visto para esses países.
A medida é um presente de Bolsonaro
aos Estados Unidos e ao seu colega Donald Trump. Os governos FHC, Lula,
Dilma e Temer discutiram a dispensa do visto, defendida pela área de
turismo, mas nunca a implementaram levando em conta a opinião, correta,
do Ministério das Relações Exteriores.
Outro exemplo de submissão a
Washington foi a visita de Bolsonaro à CIA, a agência de espionagem
americana. Dificilmente, presidentes de nações soberanas frequentam um
local especializado em obter informações sobre governos e mandatários
estrangeiros. A CIA foi responsável por golpes de Estado e teve
envolvimento recente em casos de tortura. Opera fora dos EUA e atende
aos interesses nacionais americanos.
E inacreditável que Bolsonaro e o
ministro da Justiça, Sergio Moro, tenham feito essa visita, que
pretendiam manter em segredo. Ela foi “descoberta” porque Eduardo
Bolsonaro a anunciou no Twitter.
Obviamente, a interface da pasta de
Moro nos EUA é o Departamento de Justiça, não uma agência de espionagem.
Dois assuntos teriam sido discutidos, segundo a assessoria
presidencial, já que Moro não quis falar: crime organizado e
narcotráfico. Esses temas não costumam ser a prioridade da CIA, mas de
outras instituições dos EUA.
Essa passagem pela CIA é mais uma
evidência do despreparo e deslumbramento de integrantes do governo
brasileiro. Soa como paixão por coisas hollywoodianas.
A lamentável declaração de Eduardo
Bolsonaro sobre imigrantes brasileiros em situação de ilegalidade também
é prova do “complexo de vira-latas”. Ele considerou a ilegalidade uma
“vergonha”.
O filho do presidente estabeleceu
relação próxima com Steve Bannon, descartado até por Trump, e com o
escritor Olavo de Carvalho. Num jantar com Bannon e Carvalho, houve um
festival de besteiras. O presidente da República disse que o Brasil
caminhava para o socialismo, para o comunismo. É mentira. Também é grave
que um presidente tenha entendimento tão fora da realidade sobre o país
que governa.
Bolsonaro não coloca foco nas
questões de interesse nacional, como a reforma da Previdência. Está mais
preocupado em participar de um jantar com um escritor de
extrema-direita que ofendeu com palavrões o vice-presidente, Hamilton
Mourão, e militares que participam do governo.
Que sinal Bolsonaro transmite com
essa alfinetada nos militares? O sinal de um governo dividido, de baixo
nível intelectual e diplomático. Nelson Rodrigues é perfeito para a
atual situação. Um visionário, digamos assim.
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