Mino Carta, CartaCapital
Já tivemos um exército de ocupação, convocado pela casa-grande em 1964. O gendarme indispensável ao golpe, a favor dos senhores com a bênção, não somente metafórica, de Tio Sam. De mais de uma década para cá, somos forçados a colher fortes indícios de que contamos com uma polícia para cuidar dos interesses da minoria privilegiada.
Aquelas Forças Armadas derrubaram o governo. Esta polícia, ou pelo menos alguns de seus núcleos, conspira contra o governo. O tio do Norte está aparentemente mais distante, mas não desgosta de um satélite em lugar de um país independente.
A postura conservadora da caserna, em momentos diversos francamente reacionária, sempre arcou com um papel poderoso, quando não decisivo, na história do Brasil.
Hoje, graças também a um comando firme e responsável, mantém a atitude correta na moldura democrática, a despeito dos esforços da mídia nativa para oferecer eco a vozes discordantes de reduzido alcance. A defesa do status quo ficou para a Polícia Federal?
A PF não foi treinada para a guerra, dispõe, porém, de armas afiadas para conduzir outro gênero de conflito, similar àquele da água mansa que destrói pontes.
Um dos instrumentos usados para atingir seus objetivos com a expressão de quem não quer coisa alguma é o vazamento, a repentina revelação de fatos do seu exclusivo conhecimento, graças ao fornecimento de informações destinadas ao segredo e, no entanto, entregue de mão beijada e por baixo do pano a órgãos midiáticos qualificados para tanto, sem descaso quanto à pronta colaboração do Ministério Público.
Na manhã de terça 12 sou atingido pela manchete da Folha de S.Paulo: "Cerveró liga Lula a contrato investigado pela Lava Jato". O delator, diz o texto, declara ter sido premiado com um cargo público pelo então presidente da República por quitar "um empréstimo de 12 milhões de reais considerado fraudulento pela Lava Jato".
Logo abaixo, com título em corpo bem menor em duas colunas, o jornal informa que o mesmo Cerveró "cita Renan Calheiros". Finalmente, no mesmo corpo e extensão de texto, anuncia-se: "Delator fala em propina sob FHC".
Incrível: na mesma manhã, o Estadão me surpreende ao se referir apenas ao envolvimento do governo de Fernando Henrique. O jornalão, é evidente, não foi beneficiado pelo vazamento de todo o material disponível.
O Estadão redime-se aos olhos dos leitores no dia seguinte e na manchete declama: "Cerveró cita Dilma". E no editorial principal da página 3, sempre fatídico e intitulado "No reino da corrupção", alega a abissal diferença entre o envolvimento de Lula e de FHC.
Em relação a este "a informação é imprecisa, de ouvir dizer". No caso de Lula, a bandalheira é óbvia e desfraldada. Patéticos desempenhos do jornalismo à brasileira. Inúmeros leitores não percebem, carecem da sensibilidade do quartzo e do feldspato.
Nada surpreende neste enredo, próprio de um país medieval, indigno da contemporaneidade do mundo civilizado e democrático. O vazamento de informações sigilosas tornou-se comum há muito tempo nas nossas tristes latitudes, como diria Lévi-Strauss.
Mesmo assim, seria interessante descobrir as razões desta conspirata policial. Inútil, está claro, dissertar a respeito dos comportamentos da mídia. Dos seus donos, o mesmo pensador belga observava: "Eles não sabem como são típicos".
O cargo de diretor da PF é da exclusiva competência do Palácio do Planalto, que o subordina ao seu ministro da Justiça, no caso, José Eduardo Cardozo.
Foi ele quem indicou o delegado Leandro Daiello, aquele que em julho passado proclamou, a bem da primeira página do Estadão: "A Lava Jato prossegue, doa a quem doer". E a quem haveria de doer?
Nos bastidores da PF, Cardozo é apelidado de Rolando Lero, personagem inesquecível criado por Chico Anysio, o parlapatão desastrado que diz muito para não dizer coisa alguma.
Tendo a crer que Cardozo aplica seu lero-lero em cima da presidenta Dilma e consegue deixar tudo na mesma. De fato, o nosso ministro é tão incompetente no posto quanto vaidoso.
Achou, porém, em Daiello o parceiro ideal. O homem foi capaz de tonitruar ameaças, dentro da PF, contudo, carece de verdadeira liderança. A situação resulta, em primeiro lugar, dessas duas ausências.
Da conspirata em marcha, vislumbro de chofre três QGs, em recantos distintos. Número 1, escancarado, em Curitiba, onde três delegados dispõem da pronta conivência do Ministério Público e da vaidade provinciana do juiz Sergio Moro, tão inclinado a se exibir quando os graúdos lhe oferecem um troféu.
Os representantes locais da polícia não hesitaram, ainda durante a campanha eleitoral, em declinar suas preferências pelo tucanato, sem omitir referências grosseiras a Dilma, Lula e PT. De onde haveriam de sair os vazamentos se não desses explícitos opositores chamados a ocupar cargos públicos?
Há algo a se apontar no Paraná: a falta de liderança, também ali, de superintendente. Não é o que se dá em São Paulo, onde o chefão recém-empossado decidiu prender um filho do presidente Lula na mesma noite da festa de aniversário do pai, debaixo do olhar indiferente de Cardozo e Daiello. Diante de cenas como essa, o arco-da-velha desmilingue.
O novo superintendente substituía outro da mesma catadura, brindado por serviços prestados por uma das mais cobiçadas aditâncias, como se diz na linguagem policial, em embaixadas localizadas nos mais aprazíveis recantos, Paris, Roma etc.
As aditâncias fazem a felicidade de alguns, destacados delegados, espécie de prêmio à carreira. Tal seja, talvez, o sonho do superintendente em Belo Horizonte, que se distingue sinistramente por seus desmandos em relação ao governador Fernando Pimentel.
Passou por cima da lei e do decoro para torná-lo seu perseguido em nome de uma autoridade de que carece, como é fácil provar.
Até que ponto haveria um comprometimento político e ideológico entre esses policiais e os partidos da oposição? Vale imaginar que, egressos da chamada classe média, alimentem o descabido ódio de classe de quem acaba de sair do primeiro, ínfimo degrau, e atingiu um patamar levemente superior.
Donde, ojeriza irreversível em relação àqueles que nutrem preocupações sociais. Existem, também, claramente detectáveis, umas tantas rusgas, a soletrar a diferença salarial entre delegados e advogados da União, consagrada a favor destes pela presidenta.
É possível, entretanto, que quem vaza informações sigilosas não se dê conta das consequências? Os conspiradores atuam à vontade, com o beneplácito silencioso dos chefes.
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