Falsa vítima |
A carta de Temer a Dilma é uma coisa que depõe contra ele mesmo, embora o alvo seja ela.
Algumas pessoas lembraram a carta de Getúlio aos brasileiros, antes de se matar, e aí você vê dois extremos. A carta de GV o engrandeceu para a posteridade, e a de Temer é um documento que mostra quanto minúsculo ele é.
Os grandes sábios da humanidade recomendaram, sempre, que diante da miséria humana você deve rir, e não chorar. Em seus Ensaios, Montaigne defendeu o riso magistralmente diante do choro em situações de canalhice e patifaria.
Por isso, riamos todos do gesto de Temer.
Ele diz que foi sempre tratado como um vice decorativo.
A questão é: por que ele aceitou ser vice depois de quatro anos alegadamente tratado como, bem, como um vice?
Fosse altivo, fosse digno, teria dito o que escreveu na carta na hora certa a Dilma. Quer dizer, antes de ser oficialmente designado companheiro de chapa de Dilma.
Ninguém o obrigou a ser vice pela segunda vez. Ele agiu voluntariamente. Da primeira vez, poderia alegar, depois de algum tempo, que não imaginava que Dilma fosse o que ele disse que é na carta.
Mas e na segunda?
Considere um casamento renovável. Você casa e depois tem a oportunidade de renovar ou não o casamento. Você renova. E logo depois aponta os defeitos incríveis que, se reais, deveriam ter feito você não renovar.
Mas não.
Temer alegremente se reuniu de novo a Dilma, e desembarca apropriadamente quando enxerga a possibilidade de ser presidente.
De volta a Getúlio, este atirou no próprio coração, em nome de uma causa – a do povo contra a plutocracia. GV adiou o golpe dos plutocratas por dez anos.
Com sua carta, Temer atirou no coração de Dilma – e da democracia.
A autovitimização de Temer passará para o museu das infâmias nacionais. Um político a vida toda inexpressivo vira enfim manchete pela vileza e não por ter revelado no crepúsculo da carreira uma grandeza que ninguém percebeu.
Onde isso vai dar?
Seria uma tragédia tudo terminar com o triunfo dos golpistas. Seria a vitória de Eduardo Cunha. É dele o rosto, é dele a alma dos conspiradores.
Eduardo Cunha não é manipulado por Aécio, FHC, Serra, Temer – ou quem seja. Ele manobra a todos eles, em busca da impunidade para sua corrupção descarada, compulsiva e continuada.
São dois os lados que se enfrentam, a carta de Temer deixou claro.
Um é o lado de Eduardo Cunha e cúmplices.
O outro é o lado não de Dilma — mas da democracia.
A democracia perdeu em 1954, perdeu em 1964. Nas duas vezes, com custos formidáveis para o povo. Sangue jorrou, e o câncer nacional — a desigualdade — se espalhou.
Não é possível que a democracia perca de novo em 2015. Porque perdemos todos nós."
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