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Esperança e mudança exigem coragem diante do óbvio
"A
prioridade imediata é salvar a Petrobrás e o pré-sal, resgatar o
investimento em infraestrutura e aprovar a CPMF. Sem isso, nada feito.
A crise atual encurralou a sociedade brasileira em um corredor estreito
da história onde não é possível permanecer por muito tempo sem fazer
escolhas.
Escolhas cruciais; aquelas impostas à vida de uma
nação quando a luta pelo desenvolvimento escorrega em um funil no qual é
forçoso optar entre duas portas.
Nenhuma delas reserva uma travessia suave ao passo seguinte da história.
A
da direita, conduz ao mergulho imponderável em uma dura recessão
conduzida pela lógica dos chamados ajustes de mercado. Promete ser
fulminante; quanto mais sangrenta a purga –alardeia-se-- mais rápida a
regeneração.
Não é o que mostram as estatísticas de uma Europa
em carne viva, há cinco anos encovada na UTI ortodoxa, na qual se
pretende agora internar o Brasil.
A porta da esquerda leva a uma pinguela estreita.
Pavimenta-la
para ser uma avenida do crescimento justo exige reunir forças sociais
amplas para mobilizar um recomeço crível ordenado pela repactuação
política da sociedade.
A façanha demanda pilares de escoramento
alicerçados em negociações complexas de metas, prazos, concessões,
salvaguardas e conquistas estendidas no tempo.
Não é preciso resenhar a espiral descendente da economia para identificar a premência dessas escolhas.
Política é economia concentrada.
Os alarmes que ela dispara nesse momento no Brasil são suficientemente expressivos do limbo em que se encontra o país.
Forças
políticas tradicionais perderam a consistência, deixando de ser
referência para se tornarem referido no turbilhão da crise.
A
maldição crepuscular atinge indistintamente o espectro partidário
deixando a sociedade órfã de tutores capazes de estender as linhas de
passagem entre o presente e o futuro.
A perda de aderência entre
o sistema político e a sociedade reflete-se em um acervo de irrupções
que vão dos caçarolaços das elites, à buliçosa ocupação das ruas pela
extrema direita, passando pelo despejo de lama tóxica em redes sociais
soterradas em ódio e preconceito de classe.
Decidida a fazer justiça com as próprias manchetes a mídia agiganta-se nesse pântano.
O episódio ‘Lauro Jardim’ longe de ser excrescência reafirma a norma.
Lauro
é um festejado expoente do jornalismo que trocou o papel de informar
pelo de marcar a ferro as vítimas a serem abatidas. Reescreve-se assim a
simbiose do Brasil colônia entre o interesse da casa grande e a ação do
capitão do mato, ora protagonizado por um colunista, ora por um juiz,
amiúde pela simbiose desavergonhada entre ambos.
A paralisia das
estruturas partidárias, de onde não emergem mais ideias dignas de
engajamento, reforça a prostração na margem esquerda do rio.
O
déficit do que é essencial oferecer à nação, neste caso, é mitigado por
esforços unilaterais de movimentos e intelectuais que afrontam a gosma
conservadora e o vácuo progressista, desdobrando-se em propor soluções
aos grandes desafios nacionais.
O esboço recente das frentes
populares veio agregar a esses contrapontos a esperança de uma
articulação que dê maior transparência à polarização do conjunto. Mas
ainda é um futuro em fraldas.
Grosso modo, o embate no
liquidificador da crise se divide entre os que abdicaram do país para
servir aos mercados; e aqueles que apostam na força e no consentimento
desfrutado pelas grandes maiorias populares para viabilizar a construção
de uma democracia social tardia na principal nação latino-americana,
mas ainda sem clareza de como implementá-la.
Não por acaso, o
maior trunfo progressista decorre justamente da radicalização
conservadora que entregou definitivamente a questão social à esquerda.
O
documento recente lançado pelo PMDB, ironicamente denominado de ‘Ponte
para o futuro’ exprime essa baldeação regressiva das forças de
centro-direita.
O texto –que será objeto de um especial de Carta
Maior veiculado esta semana— é uma aplicada dissertação dos mitos e
dogmas neoliberais naquilo que a ideologia dos livres mercados têm de
mais simplista e linear.
Lá estão o totem fiscal de déficit
zero, ancorado exclusivamente em arrocho de gastos, sem menção a uma
justiça tributária que demande fatias da riqueza plutocrática, nem a
imposição de maior temperança aos rentistas da dívida pública.
O
assalto mal disfarçado à Constituição de 1988 ressoa nas entrelinhas da
demonização das vinculações constitucionais na esfera da saúde,
educação etc, ademais de fustigar a nunca absorvida vinculação das
aposentadorias ao reajuste do salário mínimo e delegar a questão da
produtividade a uma reforma trabalhista de intenções sabidas.
Nisso,
a ‘ponte’ do PMDB assemelha-se mais à operação do conquistador espanhol
Hernán Cortés, aquele que mandou queimar as caravelas depois de chegar
ao México, para não deixar qualquer rota de fuga a sua tripulação.
O novo documento queima as caravelas com o PMDB de Ulysses Guimarães.
É
uma ruptura que não deixa qualquer rota de fuga para recuperar, mesmo
parcialmente, a plataforma histórica do partido de 1982 –o ‘Esperança e
Mudança’.
Escrita pelos economistas Luiz Gonzaga Belluzzo, Maria
da Conceição Tavares, João Manoel Cardoso de Mello e Luciano Coutinho, o
‘Esperança e Mudança’ foi o programa da frente democrática e
progressista que afrontou a ditadura.
Não só.
Gerou a
matriz da Constituição Cidadã de 1988, nunca perdoada pelo
conservadorismo por ter prometido à sociedade mais do que o mercado está
disposto a conceder.
Hoje isso se traduz no martelete dos
economistas de banco, cuja sabedoria não se cansa de nos informar que o
Brasil não cabe no orçamento do Estado.
A solução, preconizam, é
esganar um pedaço da nação, mas respeitar a secular indisposição das
elites de compartilhar uma fatia da riqueza na formação dos fundos
públicos indispensáveis à universalização dos direitos civilizatórios e à
alavanca do investimento estatal.
A ‘ponte’ que alinha o PMDB ao neoliberalismo extremado veio reforçar essa dissociação histórica.
Seu
grito pró-mercado consagra a desobrigação da política econômico em
servir a um desenvolvimento que tenha a nação, seu mercado de massa, a
soberania e a justiça social como molas propulsoras do crescimento, não
apenas um remoto e incerto odara de mercados perfeitos.
Em 1982,
puxada pela luta popular contra a ditadura, a sigla que nasceu de uma
costela do regime –sendo a outra a Arena— assumiu-se como a expressão de
interesses sociais reprimidos e contrariados pelo regime –inclusive de
empresários do setor produtivo.
Uma inserção internacional
baseada então no superciclo do dinheiro barato fora atropelada pela alta
sideral dos juros norte-americanos, a partir de 1978.
As bases econômicas do regime militar desabaram.
A
derrocada despejou sobre a população crescentes sacrifícios, que
deflagrariam alguns dos mais marcantes movimentos de massa da história
brasileira.
Entre eles os grandes levantes operários no ABC paulista, bem como a campanha das Diretas Já.
O
conjunto não apenas isolou a ditadura em relação às camadas populares,
como radicalizou fricções dentro do próprio empresariado.
Urdiu-se assim uma frente de interesses que o programa do PMDB de 1982 exprimiu e catalisou.
O mundo que permitiu essa convergência não existe mais.
Capturados
pelo financiamento eleitoral e a chantagem de um capitalismo turbinado
pela livre mobilidade da riqueza financeira, os partidos passaram a
obedecer aos mercados, em vez de induzi-los e disciplina-los pela força e
o consentimento da sociedade.
‘Com um tom antiliberal e
nacionalista, o programa peemedebista (de 1982) foi provavelmente a
última grande manifestação do nacional-desenvolvimentismo entre nós’, lembra o excelente artigo de Gilberto Maringoni, na Carta Maior
Paradoxalmente
as diretrizes abandonadas pelos herdeiros de Ulysses sobreviveram,
porém, na ênfase social e na defesa do papel indutor do investimento
público para o desenvolvimento, marmorizados nos capítulos sociais e
econômicos da Constituição de 1988.
Fruto da Constituinte
presidida pelo próprio Ulysses, a Carta Cidadã incorporou a defesa de
políticas estatais de distribuição de renda, a elevação real do salário
mínimo, a queda dos juros, o aumento do crédito, o sistema único de
saúde, a política industrial, o fortalecimento das empresas estatais e a
ênfase em uma política externa independente.
A rejeição desse
legado agora, ao mesmo tempo em que ilustra a natureza cada vez mais
estreita e excludente dos interesses dominantes, evidencia o gigantesco
desafio que tem pela frente as organizações e lideranças progressistas,
às quais caberá defende-lo e aprofundá-lo em meio à sangrenta luta pela
definição do passo seguinte do desenvolvimento brasileiro.
O mais difícil numa encruzilhada do destino histórico é não ignorar o óbvio.
Não
ignorar o óbvio hoje significa não desperdiçar o chão firme que ainda
resta para retomar o crescimento em bases que sustentem a luta pela
construção de uma democracia social no país.
O óbvio, que a
dissipação conservadora tenta deslocar do foco da crise, condensa-se em
um tripé básico de providências e agendas inadiáveis.
Não, elas não atendem de imediato às demandas justas e irrenunciáveis do Brasil pobre.
Mas
sem elas será impossível irradiar efeitos dinamizadores para reverter a
purga recessiva vendida à opinião pública como fatalidade.
São
linhas de passagem indispensáveis para fazer da pinguela estreita a
avenida rumo à construção de uma democracia social novamente
interrompida pelo caos conservador.
São elas, pela ordem.
1) Salvar a Petrobras -- trata-se de aliviar seu passivo sem abdicar da soberania no pré-sal, como quer o entreguismo saliente.
Uma
possibilidade concreta é recorrer ao Banco dos Brics para a
constituição de um funding de passagem que permita à estatal realizar
seu plano de investimento sem fatiar a cadeia de óleo e gás, e assim
gerar o excedente exportável que poderá aliviar a seu caixa a médio
prazo. O óbvio neste caso foi percebido pelos petroleiros, por exemplo,
em greve contra a venda de ativos da empresa.
2) Destravar o
investimento em infraestrutura reativando o patrimônio brasileiro
formado por empreiteiras enredadas na Lava-Jato --não ignorar o óbvio,
neste caso, significa abraçar e aperfeiçoar o ‘Plano de ação para o
salvamento do projeto nacional de infraestrutura’ idealizado pelos
advogados Walfrido Jorge Warde Júnior, Gilberto Bercovici e José
Francisco Siqueira Neto.
Trata-se de uma solução legal que
independente de labirintos legislativos, mas garante o ressarcimento à
Petrobras dos prejuízos causados pelas corporações envolvidas na Lava
Jato. O pagamento na forma de ações, negociáveis no mercado num segundo
momento, independe de processos legais que possam acionar seus
dirigentes e controladores. Mas garante o que efetivamente importa: o
resgate do investimento em infraestrutura essencial para tirar a
economia da espiral recessiva; a recuperação da condição legal dessas
empresas para voltarem a contratar e serem contratadas no mercado de
grandes obras e fornecimentos; sem prejuízo da punição de dirigentes que
praticaram delitos.
3) Finalmente, há o óbvio fiscal, ou seja, a
aprovação da CPMF pelo Congresso. Erra o ex-presidente Lula e setores
progressistas que minimizam a importância dessa medida emergencial. Dela
depende o alívio orçamentário imediato de 2016, capaz de retirar do
foco a agenda do arrocho sem fim, abraçada indistintamente pelo PMDB,
pelo PSDB de Serra, pela mídia e pela força-tarefa do mercado financeiro
e do rentismo.
Não enxergar o óbvio, muitas vezes, é uma forma
de acreditar em miragens que dispersam e descredenciam responsabilidades
indelegáveis.
Não existe solução redentora ou bala de prata
para uma crise de transição de desenvolvimento, quando a nação se
encontra travada por interesses e forças até aqui incapazes de construir
a hegemonia que libere o passo seguinte de sua história.
Para
se credenciar a essa tarefa, a frente progressista necessita, em
primeiro lugar, enxergar o óbvio. E ter a coragem de assumi-lo.
Isso
passa por se despir de limitações corporativas para ser capaz de
oferecer aos assalariados, à classe média democrática –e também ao
investimento produtivo-- âncoras irradiadoras de esperança e mudança,
que revertam a fragilização das expectativas no país, na democracia e no
desenvolvimento – como fez o movimento popular, e o PMDB de Ulysses
Guimarães, na crise de 1982."
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