"A Veja
publicou que uma embaixadora argentina tinha milhões de dólares no
Felton Bank. O banco desmentiu essa informação. Será que a Veja vai se
retratar?
Marcelo Justo, Carta Maior
A truculenta história inventada pela Veja e
reproduzida pelo Clarín se desfez em mil pedaços. O banco CNB confirmou
que nem a embaixadora Nilda Garré, representante da Argentina na OEA,
nem o filho Cristina, Máximo Kirchner, tiveram contas no banco ou em seu
antecessor, o Felton Bank de Dellaware, paraíso fiscal estadunidense.
Numa carta para Garré, publicada este sábado pelo periódico argentino
Pagina 12, a vice-presidenta do banco, Cassandra Guy, indicou que “não
existe nenhum registro de uma conta em seu nome no CNB ou no Felton”.
No
dia 30 de março, a revista brasileira Veja e o Grupo Clarín
publicaram que Garré e Máximo Kirchner eram co-titulares de uma conta no
Felton Bank, aberta em 2005, que tinha um saldo de 41 milhões de
dólares. Segundo as notas de ambas as publicações, cheias de
condicionais, o dinheiro “vinha” do Irã, que “teria” pagado essa
quantia para que aArgentina levantasse o pedido de
detenção dos iranianos acusados pelo atentado contra a AMIA (Associação
Mutual Israelita), em 1994, que deixou 85 mortos. Numa tentativa de
dar mais consistência à denúncia, apareceu um número de conta:
00049852398325985.
A grande
repercussão da denúncia, que foi replicada através dos meios do Grupo
Clarín (a Globo da Argentina) depois alcançou difusão internacional, não
foram suficientes para tapar a fragilidade dos dados. O jornalista
da Veja, Leonardo Coutinho, citava como fonte a
um “especialista internacional em finanças” que não tinha nome e
reconhecia não haver verificado a notícia de “forma independente”.
Mais estranho ainda, o Felton
Bank, absorvido em 2011 pelo CNB, era um banco pequeno com um total
de depósitos de 71,8 milhões de dólares. Parecia altamente
improvável que uma única conta desse banco tivesse 41,7 milhões, ou
seja, a metade dos fundos totais. Mais que isso, bastava consultar
a informação oficial do FDIC (Federal Deposit Inssurance Corporation),
organização estatal que regula os depósitos, era possível ver que a
existência de uma conta como a que foi descrita na reportagem.
A FDIC
só cobre depósitos de no máximo 250 mil dólares. Em seu
relatório oficial, o organismo aponta que 91% do que foi depositado
no Felton constava entre as operações que avaliaram. Com um cálculo
matemático simples, observa-se que somente uns 6 milhões de dólares
ficaram de fora dessa avaliação, por pertencer a contas com maior
montante, ainda assim, não havia espaço para uma conta de 41 milhões.
Como havia dito Máximo Kirchner, na semana passada, a informação não só
era falsa, senão ridícula. “É tudo uma grande mentira, cuidadosamente
planejada e dirigida. Nunca, nunca, nunca tive uma conta no exterior.”,
disse Máximo Kirchner.
A
suposta co-titular da conta, Nilda Garré, solicitou ao banco CNB
– por fax, e depois pela via legal – que emitisse um
certificado sobre se ela havia tido algum tipo de conta, seja como
titular, co-titular, assinante em nome de alguma empresa. A resposta
completa do banco, assinada por sua vice-presidenta e auditora, não dá
margem a dúvidas: “estimada senhora Garré, com relação ao
seu pedido, estivemos revisando nossas contas e não há registro algum de
uma conta em seu nome, nem no CNB nem no Felton
Bank”, confirma Cassandra Guy.
A denúncia
da sociedade Veja-Clarín buscava atar ao mesmo tempo um suposto esquema
de corrupção milionária com a morte do promotor Alberto Nisman, que
comoveu a Argentina em janeiro, com figura de Hugo Chávez e com o Irã.
Veja citou testemunhos supostos ex-agentes do governo venezuelano
que maior contorno à denúncia, falando de uma relação íntima entre
Garré e o ex-presidente Chávez que daria vergonha a 50 Tons de Cinza, e cujos êxtases “podiam ser ouvidos de longe”.
As
datas levantadas por Veja e Clarín são tão incongruentes quanto a conta
do Banco Felton e as referências eróticas. A hipótese era
que o Irã havia pago, em 2005, uma quantidade multimilionária por
um memorando assinado em janeiro de 2013, um caso único de suborno com
oito anos de antecipação. Entre uma data e outra, tanto o ex-presidente
Néstor Kirchner quanto a atual mandatária Cristina Kirchner
denunciaram várias vezes o Irã na Assembleia Geral das Nações Unidas,
por não colaborar com a Justiça argentina no Caso AMIA. Em 2007, foram
realizados os pedidos de alerta vermelho contra os funcionários de
Teerã. Nada disso foi levado em conta.
Até
o momento, nem Veja nem Clarín tiveram a
dignidade de publicar um desmentido. Não é do feitio de nenhuma delas.
Quando a revista brasileira publicou a primeira denúncia contra Garré, a
funcionária argentina reivindicou seu direito de resposta e enviou uma
resposta contundente, que a revista não publicou. Clarín sim publicou
o desmentido, mas num canto inferior de uma página, em espaço quase
invisível.
Nada
disso importa, porque, como em toda a campanha de
desinformação, o objetivo de ambas as publicações foi alcançado.
Veja e Clarín semearam suspeitas sobre o governo de Kirchner e se
serviram mutuamente como fonte informativa. Em suas notas, Clarín cita a
Veja, que cita o Clarín, que cita a Veja, num círculo vicioso que não
respeita a verdade e tampouco a ética. A denúncia foi publicada pelo Tea
Party dos Estados Unidos e pelos fundos abutres desse país, como parte
de sua longa batalha legal contra a Argentina. E tampouco se deve
esperar que estas organizações publiquem desmentidos, supondo que lhe
interessa resguardar o conceito de verdade e o bom nome dos denunciados."
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