Luciano Martins Costa, Observatório da Imprensa
De repente, não mais que de repente, Gilberto Kassab virou o inimigo público número 1 da imprensa."
"Gilberto Kassab, ex-prefeito de São Paulo, é a bola da vez nos jornais
de circulação nacional. Ele é acusado, em manchetes, de haver recebido
“uma verdadeira fortuna” da empresa encarregada de fazer a inspeção de
veículos motorizados no município.
Como acontece na maioria das acusações amplificadas pela imprensa, a
origem é a declaração de uma suposta testemunha. No caso presente, os
jornais nem se dão ao trabalho de identificar o denunciante: alguém
declarou que Kassab recebeu propina, e ponto final.
O ex-prefeito já passou por turbulências muito mais graves, sem que
tenha visto seu nome execrado em manchetes de jornais. Em 2012, o
Ministério Público denunciou – por formação de quadrilha, corrupção
ativa e concussão – o assistente de Kassab que era responsável pela
aprovação de obras na cidade. Hussain Aref Saab havia acumulado, nos
sete anos em que fora diretor do Departamento de Aprovação de
Edificações da Prefeitura, um patrimônio superior a R$ 50 milhões.
Kassab foi poupado no noticiário.
No início de 2013, Kassab teve que lidar com a revelação de que alguns
de seus auxiliares mais próximos estavam envolvidos em um esquema que
fraudava a arrecadação do Imposto sobre Serviços e se estendia ao
sistema de cálculo do Imposto Predial e Territorial Urbano. O caso ainda
frequenta esporadicamente o noticiário, assim como o esquema que
envolve ex-auxiliares do governador Geraldo Alckmin em fraudes e
superfaturamento na compra de equipamentos e serviços de manutenção para
o sistema do metrô e de trens metropolitanos. Mas a imprensa é
curiosamente seletiva: as notícias sobem ou descem na hierarquia de
valor dos jornais conforme uma lógica que desafia os cânones do
jornalismo.
Em nenhum dos episódios anteriores, que envolvem depoimentos oficiais,
documentos, planilhas e declarações de autoridades, o ex-prefeito fora
assim tão escrachadamente debulhado pela imprensa. Estranhamente, até,
ele era cuidadosamente preservado, mesmo quando as acusações chegavam
muito perto de seu gabinete.
O que teria mudado, repentinamente, no juízo que os editores dos
principais jornais de circulação nacional sempre fizeram de Gilberto
Kassab?
O novo inimigo da imprensa
Desde que se lançou na carreira política, como funcionário a serviço do
comércio de São Paulo, a atividade mais importante do engenheiro e
economista Gilberto Kassab fora um mandato apagado como deputado
federal, durante o qual cumpriu a missão de enterrar uma Comissão
Parlamentar de Inquérito que investigava a empresa Serasa.
Como prefeito, circulou discretamente no papel de satélite do PSDB até
criar asas e fundar seu próprio partido, o PSD. Desde 2012 ele vinha
ensaiando um voo mais ambicioso, e se aproximava do governo federal, mas
evitava mostrar suas cartas.
Na quarta-feira (15/1), o partido de Kassab formalizou sua integração à
aliança que controla o Executivo federal, oficializando a intenção de
ocupar um posto na próxima reforma ministerial. Paralelamente, Kassab
anunciava sua candidatura ao governo de São Paulo, tendo provavelmente
como vice o ex-presidente do Banco Central, Henrique Meirelles.
Na avaliação de alguns articulistas, seu ingresso na disputa aumentaria
as chances de um segundo turno em São Paulo, colocando em risco as
probabilidades de reeleição do atual governador, Geraldo Alckmin. A
equação da imprensa dá como certo que, havendo segundo turno, o PSD e
Kassab apoiariam o candidato do PT, em troca de maior participação no
governo federal (ver aqui).
Na sexta-feira (17/1), coincidentemente, aparecem na Folha de S.Paulo e no Estado de S.Paulo duas manchetes gêmeas que mostram a curiosa sintonia entre os editores dos dois jornais, supostamente concorrentes.
** “Kassab recebeu dinheiro da Controlar, acusa testemunha” – é a manchete do Estado.
** “Kassab obteve 'fortuna' da Controlar, diz testemunha” – grita a manchete da Folha.
O Globo também repete a notícia em seu site, após a denúncia ter sido veiculada no Jornal Nacional da TV Globo (ver aqui).
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