Diplomacia de Dilma segue a doutrina Chico Buarque



"Eu gosto da diplomacia do Lula porque nem fala grosso com a Bolívia nem fala fino com os Estados Unidos", definiu nos tempos do governo anterior o compositor carioca; fã de Chico Buarque, presidente Dilma Rousseff pratica a seu modo essa doutrina; depois de tratar respeitosamente com Evo Morales sobre a fuga do senador Roger Molina, governo cobra explicações por escrito da administração Barack Obama sobre espionagem nas mensagens eletrônicas da presidente; País junta provas para fazer carga na ONU, exigindo legislação internacional dura; visita a Obama está mantida para que ela possa apontar "olhos nos olhos" a vilania da atitude americana; Chico enfrentou a ditadura com a inteligência; governo procura usar mesma arma frente ao Big Brother


Olhos nos olhos, a presidente Dilma Rousseff está praticando o tipo de doutrina diplomática que o consagrado Chico Buarque de Hollanda resumiu, brilhantemente, em apenas uma frase. "Eu gosto da diplomacia do Lula porque nem fala grosso com a Bolívia nem fala fino com os Estados Unidos", disse ele, nos tempos do governo anterior.

Ao seu próprio modo, Dilma está seguindo por este caminho. Enquanto o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, manifestava o "inconformismo" do governo brasileiro sobre uma violação "inconcebível e inaceitável" praticada pelos Estados Unidos - a espionagem sobre os e-mails da presidente, ministros e assessores -, os gestos objetivos das autoridades foram coerentes ao discurso. E o que é ainda mais forte, não foram precipitados.

Num momento estratégico para o País, quando se preparam os leilões para obras de infraestrutura e, portanto, conta-se com o interesse de investidores americanos, a presidente Dilma, ao contrário do que se veiculou, não cogitou cancelar a viagem aos EUA, marcada para outubro, com direito a jantar de gala na Casa Branca. Ela está procurado ser mais esperta do que promover uma retaliação pura e simples.

GRADUALISMO HISTÓRICO - Logo pela manhã desta segunda-feira 2, no melhor estilo gradualista do Itamaratý, o chanceler Luiz Alberto Figueiredo convocou oficialmente o embaixador americano em Brasília, Thomas Shannon, para uma reunião. Dele foram pedidas explicações por escrito sobre a arapongagem, sua duração, extensão e profundidade. Trata-se de um movimento claro para o Brasil juntar elementos para uma representação a mais consistente possível no foro da ONU.

Logo em seguida, demonstrando a importância dada ao caso, Dilma chamou para o seu gabinete uma reunião de emergência com mais de seis ministros. O resultado foi mostrado na forma de entrevista coletiva dos titulares da Justiça e das Relações Exteriores.

Um tom de decepção com a atitude americana transpareceu na posição brasileira, que reclamou do ataque à "soberania feito por um país parceiro". Um tapa com luva envolta em punhos de renda. Mas o gesto principal é mesmo o pedido de explicações por escrito.

Com o documento americano nas mãos, o chanceler Figueiredo poderá promover uma escalada de reclamações formais na ONU, apoiado, ironicamente, pelo ex-chanceler Antonio Patriota, que com ele trocou de lugar na semana passada, assumindo como embaixador brasileiro na ONU.

ACUMULAÇÃO DE FORÇAS - O Brasil sabe que não está sozinho como vítima da arapongagem americana. Dezenas de outros países, como revelado pelos documentos divulgados pelo ex-funcionário da NSA Edward Snowden em suas entrevistas ao jornalista Glenn Greenwald, do The Guardian, caíram na teia americana. Os termos e os códigos usados pela máquina americana de espionagem mostram que a prática é usual, constante e, acredita-se, antiga.

O secretário de Estado americano John Kerry vem defendendo a espionagem eletrônica americana como imprescindível à segurança dos EUA, que acentuaram sua aptidão para a bisbilhotice a partir dos ataques de 11 de setembro de 2001, durante o início da administração George Bush. O democrata Barack Obama está conseguindo superar o mestre.

Essas alegações americanas estão sendo rebatidas, uma a uma, pelo Brasil, bem de acordo com o figurino ditado pela doutrina Chico. O que está mesmo em jogo são interesses comerciais do governo e de multinacionais 
americanas, que se colocam em nítida vantagem numa série de disputas a partir dos dados colhidos pelas agências dos EUA de espionagem de maneira ilícita.

"Embora as afirmações do governo americano de que os fatos eram direcionados por ações contra o terrorismo, a imprensa brasileira já havia mostrado que esses não foram os únicos motivos", disse o ministro Cardozo. "Os fatos, se confirmados, são muito graves".

Quer dizer, o governo brasileiro sabe que, além dos interesses da política externa, há poderosas questões comerciais por detrás da espionagem dos Estados Unidos. O caso, assim, ganha em complexidade, e agir com energia, mas ao mesmo tempo com a devida calma, é estratégico. Como costuma fazer em organismos multilaterais como a ONU, o Brasil costuma articular grandes apoios entre países antes chamados de "não alinhados" para suas posições. A cautela de agora tem, também, o objetivo de acumular forças.

Dilma poderá, cara a cara, demonstrar toda a sua franqueza diante do presidente Barack Obama no dia 23 deste mês, quando abrirá oficialmente a Assembléia Geral das Nações Unidas, como reza a tradição. A vingança, como se sabe, é um prato que se come frio.

"A reação do governo à denúncia dependerá da resposta do governo dos Estados Unidos", cravou o ministro Figueiredo, escalando calmamente os degraus para um possível contencioso.

A primeira parte da doutrina Chico a presidente exercitou, na semana passada, exatamente com o presidente Evo Morales, da citada Bolívia. Foi a diplomacia do respeito. Do não falar grosso com um país menor em tamanho e PIB. À barbeiragem do diplomata Eduardo Saboia, que bancou a fuga do senador boliviano Molina da embaixada do Brasil em La Paz, no sábado 23 de agosto, Dilma mandou afastá-lo de suas funções e trocou todo o comando da missão brasileira. O gesto atencioso com a Bolívia, frente ao desrespeito praticado pelo funcionário brasileiro diante das leis do país, prosseguiu durante o fim de semana, quando a presidente, em reunião da Unasul, encontrou-se separadamente com Morales para confessar o mal estar do governo brasileiro pela situação.

Nem o caso Molina e muito menos a espionagem americana sobre a presidente Dilma estão resolvidos. Mas a postura do governo brasileiro frente aos dois casos já está assumida. Está absolutamente dentro dos compassos do genial Chico.”

Comentários

Anônimo disse…
Sim, vai olhar nos olhos de Obama e ele vai tremer, tremer, tremer e, de tanto tremer, mudar a politica externa americana: parar com os assassinatos "seletivos" ; parar com assassinatos "genéricos"; deixar de espionar o mundo e o Brasil; não mais financiar quintas colunas e lesa-pátrias mundo afora. Talvez até mande seu canal de TV, a Globo, parar de mentir.

Dilma: tome vergonha na cara e cancele o encontro.
Anônimo disse…
acontece que se o governo da Bolívia fizesse espionagem, a presidenta ia falar fino com a Bolívia, assim como faria o Lula