‘Em minha humilde ignorância, confesso que
não entendo quem diz que o plebiscito sobre reforma política pode custar caro
demais. Meio bilhão, disse alguém.
Paulo Moreira Leite, ISTOÉ
Até ministros do STF tocaram neste assunto.
Data Venia, eu acho estranho.
Falar em meio bilhão ou até mais é falar de
uma pechincha.
Nós sabemos que o Brasil tem um dos
sistemas eleitorais mais caros do mundo. Isso porque é um sistema privado, em
que empresas particulares disputam o direito de alugar os poderes públicos para
defender seus interesses em troca de apoio para seus votos. As estimativas de
gastos totais – é disso que estamos falando -- com campanhas eleitorais
superam, com facilidade, meio bilhão de reais. São gastos que ocorrem de quatro
em quatro anos, aos quais deve-se acrescentar uma soma imponderável, o caixa 2.
Sem ser malévolo demais, não custa recordar que cada centavo investido em
campanha é recuperado, com juros, ao longo do governo. Quem paga, mais uma vez,
é o contribuinte.
O debate não é apenas este, porém.
Um plebiscito pode dar um impulso decisivo
para o país construir um sistema de financiamento público, em que os recursos
do Estado são empregados para sustentar a democracia – e não negócios privados.
Explico. Nos dias de hoje, o limite dos
gastos eleitorais é dado pelo volume dos interesses em jogo. Falando de um
país com um PIB na casa do trilhão e uma coleção de interesses que giram em
torno do Estado na mesma proporção, você pode imaginar o que está em jogo a
cada eleição.
Bancos contribuem com muito. Empreiteiras e
grandes corporações, também. Como a economia não é feita por anjos nem a
política encenada por querubins, o saldo é uma dança milionária na campanha. Troca-se
o dinheiro da campanha pelo favor do governo. Experimente telefonar para o
gabinete de um simples deputado e pedir para ser atendido. Não passará do
cidadão que atender o telefone e anotar o recado, certo?
Mas dê um milhão de reais para a campanha
deste deputado e conte no relógio os segundos que irá esperar para ouvir sua
voz ao telefone. Não é humano. É político.
Não venha me falar que isso acontece porque
o brasileiro está precisando tomar lições de moral na escola e falta colocar
corruptos na cadeia em regime de prisão perpétua.
O sistema eleitoral norte-americano é
privado, os poderes públicos são alugados por empresas de lobistas e muito
daquilo que hoje se faz por baixo do pano, no Brasil, pode-se fazer às claras
nos EUA.
A essência não muda, porém. Empresas
privadas conseguiram impedir uma reforma do sistema de saúde que pudesse
atender à maioria da população a partir de uma intervenção maior do Estado,
como acontece na Europa. Por causa disso, os norte-americanos pagam por uma
saúde mais cara e muito menos eficiente em comparação com países de
desenvolvimento semelhante.
A força do dinheiro privado nos meios
políticos explica até determinadas aventuras militares, estimulando
investimentos desnecessários e nocivos ao país e mesmo para a humanidade.
Só para lembrar: na Guerra do Iraque, que
fez pelo menos 200.000 mortos, George W. Bush beneficiava, entre outros,
interesses dos lobistas privados do petróleo, negocio dos amigos de sua
família, e de empresas militares, atividade do vice Dick Cheney.
Essa é a questão. A reforma política poderá
consumar a necessária separação entre dinheiro e política, ao criar um sistema
de contribuição pública exclusiva para campanhas eleitorais, ponto decisivo
para uma política feita a partir de ideias, visões de mundo, valores e
propostas – em vez de interesses encobertos e fortunas de bastidor.
Pense na agenda do país para os próximos
anos. Os interesses privados, mais do que nunca, estarão cruzados no debate
público. Avançando sobre parcelas cada vez maiores da classe média e dos
trabalhadores, os planos privados de saúde só podem sobreviver com subsídios
cada vez maiores do Estado. O mesmo se pode dizer de escolas privadas.
Não se trata, é obvio, de uma batalha
fácil. Não faltam lobistas privados para chamar o financiamento público de
gigantismo populista e adjetivos do gênero. Eles não querem, na verdade, perder
a chance de votar muitas vezes. No dia em que vão à urna, como eu e você. No
resto do mandato dos eleitos, quando pedem a recompensa por seus favores.
Com este dinheiro, eles garantem um
privilégio. Impedem a construção de um país onde cada eleitor vale um voto.
Os 513 congressistas que irão debater a
reforma política são filhos do esquema atual. Todos têm seus compromissos com o
passado e muitos se beneficiam das receitas privadas de campanha para construir
um patrimônio pessoal invejável. As célebres “sobras de campanha” estão na
origem de muitas fortunas de tantos partidos, não é mesmo?
O plebiscito é um caminho para se mudar
isso. Permitirá um debate esclarecedor a esse respeito. Caso o financiamento
público seja aprovado, colocará a opinião da população na mão dos deputados que
vão esclarecer a reforma.”
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