Os radialistas Mel
Greig e Michael Christian,
autores da
pegadinha no hospital onde a princesa
estava internada.
Foto: AFP Photo
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Yvonne Roberts, The Observer / Carta Maior
“O filósofo e psicólogo Erich Fromm
escreveu nos anos 1950 que se continuassem as tendências predominantes de se
colocar a produção econômica antes do envolvimento humano todos acabaríamos
ocupando uma sociedade perigosamente desequilibrada, povoada por indivíduos
alienados que vivem existências atomizadas, carentes de empatia, rápidos para
julgar porque o julgamento pelos outros é sempre previsto, equipados com “o
maior poder material mas sem a sabedoria para usá-lo”.
O que poderia deter a marcha para o
sofrimento, ele argumentou de modo idealista em A
Sociedade Sã, seria compartilhar as experiências,
vivendo por meio de “amor, razão e fé”.
Certamente, nas décadas que se passaram
desde então, ajudada mais recentemente pelo opinionista instantâneo Twitter,
por blogs e redes sociais, nossa inclinação para julgar, criticar, analisar,
culpar e desdenhar, muitas vezes com base em praticamente nenhum conhecimento,
cresceu de maneira incremental. Somos impulsionados como bebês narcisistas em
permanente estado de mau humor a nos colocarmos no centro dos dramas,
escândalos e terríveis tragédias de completos estranhos. Não podemos ser
testemunhas de um conjunto de circunstâncias que permanecem privadas e resistem
a nossa compulsão obsessiva de saber tudo e fazer julgamentos, não importa
quais sejam as consequências para os receptores da culpa, às vezes aleatórios.
Na sexta-feira, Jacintha “Jess” Saldanha,
46 anos e mãe de dois filhos, teria tirado a própria vida. Ela havia sido
enganada pelo “trote” telefônico para o Hospital King Edward VII no período em
que a duquesa de Cambridge estava internada. O telefonema foi feito por Mel
Greig e Michael Christian, dois DJs australianos que trabalhavam para a 2DayFM
em Sydney, fingindo ser a rainha da Inglaterra e o príncipe Charles. Saldanha
trabalhava no hospital como enfermeira havia quatro anos e vivia em suas
instalações de enfermagem. Uma declaração da família emitida na sexta-feira à
noite disse: “Nós como família estamos profundamente entristecidos pela perda
de nossa querida Jacintha”.
O hospital fez elogios a Saldanha; o duque
e a duquesa de Cambridge manifestaram seu lamento. No entanto, muita coisa que
foi dita e feita desde então demonstra uma alarmante falta de perspectiva e um
desejo malévolo de obter indenização, em uma escala que parece minimizar as
dificuldades de uma família que chora a perda de uma mãe, filha, esposa e irmã
em circunstâncias que ninguém conhece ainda — e talvez nunca se conheçam.
Os dois DJs foram ameaçados e agredidos no
Twitter e acusados de ter “sangue em suas mãos”. O mundo perderia grande parte
de sua alegria se fosse calculado que toda brincadeira pode terminar em tragédia. Os dois
estão suspensos da estação de rádio. A imprensa pós-Leveson é acusada de
perseguir uma mulher de tal modo que pode ter contribuído para sua morte. O
hospital diz que Saldanha não foi repreendida por causa do trote.
Alguns suicídios são lições válidas de se
aprender e exigem uma mudança de comportamento. Uma criança vítima de bullying,
por exemplo, ou as necessidades de saúde mental desprezadas de uma mulher
desesperada, ou a morte de um pai que também mata seus filhos, um ato de
terrível agressão, impotência e raiva. Ainda poderão surgir lições da aparente
decisão de Saldanha de se matar, mas quando e se isso acontecer é o tempo, se
necessário, para que a verdadeira culpa seja atribuída. Por enquanto, a
vingatividade de grande parte da reação talvez seja uma pequena medida de quão
alienados muitos de nós estamos de nossos seres mais evoluídos.
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