Ricardo Kotscho, Balaio do Kotscho
Só agora o ministro Cardozo constatou que a violência fora de controle em São Paulo e outras cidades tem "tudo a ver" com a situação carcerária. "O terror nos presídios não resolve o problema da violência, só fortalece as organizações criminosas".
“Bem que procurei outro assunto mais ameno
para tratar neste feriadão afro-republicano que está só começando, mas não teve
jeito.
Ninguém fala de outra coisa na mídia, no
trabalho, nos botecos e nas padarias, nas feiras e nos táxis, onde quer
que você vá: o medo da violência tomou conta dos paulistanos.
Leio aqui no nosso R7 que, "depois de duas noites
seguidas de uma queda brusca no número de homicídios na região metropolitana de
São Paulo, a capital paulista e demais municípios, juntos, tiveram um saldo de
pelo menos sete pessoas mortas e 17 feridas a tiros num intervalo de sete horas
e meia, entre as 21 horas de quarta-feira e as 4h30 desta quinta-feira".
Se as causas deste clima de insegurança
pública continuam as mesmas, nada vai mesmo mudar enquanto as nossas
autoridades de todos os níveis apenas fizerem diagnósticos e não tomarem
providências urgentes e concretas para enfrentar este problema crônico da
violência urbana que tomou conta das nossas cidades.
De repente, depois das portas arrombadas,
parece que todos descobriram a pólvora. "Se fosse para cumprir muitos anos
em uma prisão nossa, eu preferiria morrer", disparou o ministro da
Justiça, José Eduardo Cardozo na terça-feira, deflagrando uma reação em cadeia
que chegou até aos ministros do Supremo Tribunal Federal.
"STF cobra do governo melhoria nas
cadeias", dá hoje em manchete o jornal "O Globo", como se a
situação do nosso sistema penitenciário, de onde partem as ordens dos chefões
do tráfico para as ações contra policiais, não fosse gravíssima faz muitas
décadas, com as cadeias transformadas em escolas do crime que não recuperam
ninguém.
Só agora o ministro Cardozo constatou que a violência fora de controle em São Paulo e outras cidades tem "tudo a ver" com a situação carcerária. "O terror nos presídios não resolve o problema da violência, só fortalece as organizações criminosas".
E daí? Daí se descobre que o Ministério da
Justiça, que tem entre suas atribuições o "planejamento, coordenação e
administração da política penitenciária nacional", usou apenas 16% do
previsto no orçamento deste ano para a construção de presídios.
Do total de R$ 312 milhões destinados a
"financiar e apoiar as atividades de modernização e aprimoramento" do
sistema penitenciário, o ministro aplicou apenas R$ 63 milhões.
Com o dinheiro que ficou parado daria para
construir mais 8 presídios, o que certamente poderia aliviar o drama dos
condenados empilhados em cadeias superlotadas, como o próprio Cardozo pode ver
durante uma inspeção em 2011:
"A primeira constatação grave foi a
violação sistemática dos direitos humanos e a impossibilidade de reinserção do
preso. A situação é inaceitável em quase todos eles e alguns não têm condições
de atendimento mínimo às pessoas".
Concordo com tudo o que Cardozo diz, mas eu
não sou ministro e nada posso fazer para mudar esta situação.
Pois continua tudo exatamente do mesmo
jeito, com a agravante de que a população carcerária não parou de aumentar
desde a última visita de Cardozo aos presídios: já temos no país 471 mil presos
que não seguiram o conselho do ministro e continuam sobrevivendo em cadeias
onde só existem 295 mil vagas.
Já era assim, guardadas as devidas
proporções, quando comecei a fazer as primeiras reportagens em presídios nos
anos 60 do século passado e encontrei o mesmo quadro desumano e degradante que
deixou o ministro da Justiça estarrecido.
De lá para cá, o crime se organizou,
armou-se mais e melhor do que a polícia, infiltrou-se por toda parte, e perdeu
o medo. Quem vive com medo agora somos nós que pagamos impostos para ter
(in)segurança, enquanto as excelências estaduais e federais colocam a culpa
umas nas outras pelo que está acontecendo.
O jeito é aproveitar o feriado e ir-me
embora logo para Porangaba, aonde ainda é possível andar pelas ruas sem ter que
olhar para os lados e apressar o passo para chegar logo em casa. Até quando?”
Fotos : Edison Temoteo, Estadão Conteúdo /
Agência Brasil
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