Eberth Vêncio, Revista Bula
“Já não faz muito tempo que eu andava a pé,
não pegava nem gripe, muito menos mulher. Só pegava poeira, nem olhavam pra
mim. Quem não tem dinheiro é primo primeiro de um cachorro. Agora eu tô mudado,
o meu bolso tá cheio, mulherada atrás. Vem ni mim, Dodge Ram!”
Israel Novaes / Raphael Barra
Israel Novaes / Raphael Barra
Ali estava ele sentado à frente de seus pares na
Câmara Comum dos Iguais. Magro como o salário de cortador de cana, cabisbaixo
como um cachorro que acaba de ser admoestado pelo dono, desamparado como quem
perde um pênalti, ele ouvia o relatório prolixo do Excelentíssimo Relator de
Relatos Mirabolantes da CPI (Comissão Palhaçamentar de Incrédulos). Na mira dos
colegas, ele era o alvo perfeito. Apesar de combalido pela insônia e a visceral
inapetência das últimas semanas, em que denúncias profundas escorraçavam a sua
pessoa, o sujeito parecia um boi-de-piranha perfeito.
Acuado como um porco prestes a ser sangrado, o acusado
Membro da Câmara Comum dos Iguais sentia que o embate era desigual, algo do
tipo “uma coisa orquestrada para fritá-lo em nome da verdade”. Nas entrevistas,
muitos Confrades mentiam que seria preciso cortar a própria carne da
instituição, salvar a imagem da casa frente aos olhos de Deus, dos jornalistas
e da opinião pública.
Enquanto ouvia a longa fala do Excelentíssimo Relator
de Relatos Mirabolantes, ele encarava com muita mágoa a plateia feroz de
engravatados, seus ex-parceiros de conhavos e cafezinhos no subsolo. Do banco
dos réus podia enxergar a todos, inclusive um Confrade Federal que comprara
grande parte dos votos no seu curral eleitoral, através de doações ilegais de
combustíveis e vale-motéis.
Notou a presença do colega do Estado de Distâncias do
Norte, eleito com milhares de votos daquele povo miserável e semi-analfabeto, à
custa de ameaças de paus-mandados armados com mutchacos e motosserras. Outro
companheiro da Câmara Comum dos Iguais mirava-o com desprezo. Logo ele,
ex-pastor-pederasta da Igreja Universal da Pimenta do Reino, supostamente
envolvido em bacanais pedófilos num apartamento oficial cedido pelo governo,
bancado pelo contribuinte.
Sentado naquela poltrona que mais parecia uma
masmorra, percebeu que outro nobre colega fazia desenhos irrelevantes num papel
timbrado da Câmara Comum dos Iguais, como se estivesse anotando informações
primordiais daquele inquérito na Comissão de Ética e Estética, cujo lema era:
“Não basta ser honesto. É preciso parecer honesto”. Nada mais que um joguete
para impressionar as lentes dos repórteres que ali se amontoavam, num
espetáculo midiático dos mais deprimentes.
Os pecados de cada um já não cabiam mais
nos dedos. Tinha o Confrade da bancada devastadora das toras amazônicas. E o
Confrade conluiado com quadrilhas de festas juninas e de traficantes de dogmas
religiosos. E aquele outro que jamais se continha frente a um microfone, e
esbravejava, empunhava a bandeira da intolerância aos ateus, aos poetas de
rimas raras, aos veados, às lésbicas, aos depressivos, aos apreciadores da
solidão e aos simpatizantes da eutanásia.”
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