Redação, Carta Maior
“Jornais europeus informam que Sarkozy
resgatou sua identidade política profunda para disputar a reeleição de abril na
França contra o socialista François Hollande. O favoritismo inicial de Hollande
estaria sendo corroído rapidamente pela radicalização à direita do mandatário
francês, cuja ofensiva tem como lema um slogan derivado da república
colaboracionista de Vichy: 'França Forte'.
O conservadorismo francês recorre mais uma
vez à novilíngua associada a um capítulo vergonhoso da história, no qual parte
da elite enxotou os ideais da revolução francesa, entregando-se, sôfrega, a uma
acomodação de cama e mesa com o III Reich.Na versão atual, a pièce de
resistance é o tripé 'Pátria, família, trabalho', desdobrado em comícios
nos quais o situacionismo excreta frases literais das obras de Le Pen, o Plínio
Salgado gaulês.
Gargantas conservadoras expelem a lava de um
nacionalismo xenófobo, manipulando as entranhas da insegurança social
contra imigrantes pobres. Sarkozy arranchou sua campanha na certeza de que a
crise global do neoliberalismo semeia medo, dissolução e nacionalismo no
coração de sociedades desprovidas de alternativa convincente à esquerda. O medo
pede ordem; evoca a defesa da pátria.
E Sarkozy está disposto a oferecer-lhe
valores cevados na alfafa da ignorância e do preconceito. Material
fartamente cultivado nos piquetes midiáticos de semi-informação e
meia-verdade. A receita de embrutecimento político que já deu certo em Portugal
e na Espanha pode ser repetida na disputa de vida ou morte travada pela direita
brasileira na eleição municipal de São Paulo? Reconheça-se: os
protagonistas do conservadorismo nativo estão à altura do enredo. Serra,
Kassab, Alckmin, Andrea Matarazzo (a quem se atribui a patente de um
equipamento urbano chamado 'rampa anti-mendigo'... ), são estrelas dignas dessa
cena.
Pouca dúvida pode haver sobre a natureza da
gestão de obras e conflitos urbanos nas mãos desse plantel. Não há preconceito
no diagnóstico, mas farta materialidade histórica a justificá-lo. Dois eventos
recentes --a operação 'Sofrimento e Dor', na Cracolância, e o despejo em
Pinheirinho'-- resumem uma lógica que ajuda a dissipar a neblina da aparente
indiferenciação partidária diante do antagonismo social brasileiro. A
dificuldade não reside exatamente em localizar o vertedouro central da direita
nativa e seus tributários na disputa municipal de São Paulo.
A grande e compreensível dificuldade porque
não há projeto pronto a defender ou a copiar --ao contrário do que ocorre
com a direita-- consiste em se avançar na construção de um programa
progressista para uma grande metrópole do século XXI. A tarefa de
natureza não exclamativa cobra valores, mas não se esgota na recitação de bons
princípios históricos.
As forças democráticas, as de centro-esquerda
e as de esquerda estão portanto desafiadas, em conjunto, a construir uma
resposta crível às urgências e desmandos que asfixiam a população da 6ª maior
mancha urbana do planeta.”
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