Eberth Vêncio, Revista Bula
“Sebastiana ralhou com a filha quando ela
teimou que não levaria a marmita para o pai na roça, não. A princípio, a menina
foi firme. Então apanhou com vara de marmelo (aquela que verga, mas não quebra,
que nem gente de fibra), ganhando vergões nas batatas das pernas.
Foi, contrariada, mas foi. Seguiu pela
trilha aberta com o pisoteio do vai-e-vem sobre o capinzal, e que levava até o
lugar onde o pai capinava. A roça — e disto ela tinha certeza — não
passava de um purgatório em plena face da Terra. A missão: acabar com as fomes
do pai.
A menina já não controlava mais os
sentimentos. Não tinha certeza se sentia medo, raiva ou nojo dele. Da mãe
omissa nunca mais esperou adjutório. Passou a compreender melhor a irmã mais
velha, e dela se amigar. Bem entendia o porquê do seu silêncio, da sua falta de
ânimo para as brincadeiras no quintal, da tristeza desmedida. Eram parceiras na
infelicidade. Pois foi assim com a primogênita: Raimundo conduziu a menina
no meio do capim alto, arranhando, judiando da tez das pernas, até chegarem ao
jatobá antigo. Ali, sob a sombra frondosa, no esconderijo da relva, na
distância dos olhos e dos ouvidos dos outros seres da família, tramou contra a
filha, deflorando-a sem se melindrar com o parentesco e nem com a própria
meninice, condição que ainda mantinha o corpo dela franzino, miúdo, frágil, e
destituído dos pelos e dos desvelos de uma mulher feita.
No mato é assim: onde há matéria orgânica
depositada, em breve os insetos fazem dela o maior banquete. Desta feita, logo
se juntaram moscas, mutucas e formigas para se fartarem do sangue mesclado com
esperma que ficou derramado sobre o capim, marcando o encontro macabro.
Mesmo desarrazoado, o pai bradou, ficou
impaciente, mandou a filha ir se lavar no córrego que corria logo ali embaixo no
meio do grotão. Ai dela se contasse o episódio à mãe. Matava todo mundo: ela, a
mãe, os irmãos, até o bebê de peito. Não carecia nem ameaçar, pai. A esperança,
há tempos, já tinha morrido.
A mãe, por exemplo, era sabedora das
coisas, das outras coisas preliminares, das investidas no meio da madrugada,
dos sonos interrompidos, dos choros silenciados. Quantos aos demais filhos, os
meninos de nada sabiam nem desconfiavam; e as meninotas entregavam-se ao
destino, às mãos ásperas e calejadas do pai, sem direito de escolha. Não tinham
a quem recorrer. Nem à mãe (criatura das mais abjetas), nem aos vizinhos (o
casebre mais próximo situava-se num raio de setenta quilômetros), nem a Deus. Será
que Deus existia mesmo?!”
Artigo Completo, ::Aqui::
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