O Centrão no poder


 "Lira e o Centrão têm interesses, não ideologia ou convicções. E se Lira seguir na marcha autoritária com que estreou, não será fácil construir consensos", escreve a jornalista Tereza Cruvinel

Por Tereza Cruvinel, do Jornalistas pela Democracia

A oposição perdeu uma disputa de consequências importantes mas não devemos nos impressionar com a vitória do bolsonarismo, nem também subestimá-la. Bolsonaro segue sendo o polo dominante e atraente no jogo, mas agora será refém do Centrão, pagará caro por cada dia no cargo e verá a oposição parlamentar se ampliar.

O agravamento da pandemia, com a contribuição decisiva da necropolítica governamental, também pautará o Congresso, concorrendo com o Planalto ou decidindo contra o governo. Ontem mesmo os novos presidentes da Câmara e do Senado defenderam bandeiras caras à esquerda e ao Brasil lúcido, como a vacinação urgente e o retorno do auxílio emergencial.

Arthur Lira estreou como presidente da Câmara informando, com o ato de anulação do bloco que apoiou seu adversário Baleia Rossi - composto por partidos de esquerda, MDB e outros menores - que a guerra continua. Que o espírito do bolsonarismo, o revanchismo e a perseguição aos adversários, vão campear na Câmara.  Os partidos que apoiaram Rossi poderão ficar fora da Mesa e devem ser tratados e a pão e água. Um alvo claro é o PT, que pela distribuição anterior - considerando o bloco de Rossi que Lira dissolveu  - ficaria com a primeira secretaria. Talvez fique sem nada.

Com seu primeiro e violento ato, Lira fez Rodrigo Maia engolir mais uma humilhação. O governo e o Centrão jogaram pesado contra quem tanto protegeu Bolsonaro, segurando mais de 60 pedidos de impeachment. Rossi recebeu apenas 145 votos, menos da metade dos 302 obtidos pelo bolsonarista Lira. A cooptação de seus apoiadores conservadores foi intensa e efetiva. As emendas e os cargos falaram mais alto.

Governos nunca foram indiferentes às disputas pelo comando das casas parlamentares mas não se tem notícia de uma ação tão agressiva do Palácio do Planalto para eleger seus preferidos, especialmente Lira na Câmara, para que seja o engavetador dos pedidos de impeachment. O fisiologismo sempre compareceu, mas quem se valeu dele tão escandalosamenote foi o presidente que jurou acabar com a velha política. Os custos sempre foram altos mas jamais alcançaram as cifras agora envolvidas na compra dos 302 votos que garantiram a eleição de Lira.

Deputados do DEM e do PSDB não resistiram às cenouras do fisiologismo. Aderindoo ao Centrão, colocaram também em cheque o projeto da direita liberal, de formar uma ampla coalizão em torno de seu candidato presidencial em 2022, que hoje atenderia pelo nome de João Dória. FHC mandou recados, Dória entrou em campo, mas muitos tucanos votaram no bolsonarista e não em Rossi.

Lira, a seguir na marcha belicosa com que estreou no cargo, manterá a tensão elevada na Câmara. O Centrão agora estará de fato no poder, muito mais que no tempo de Eduardo Cunha: terá o comando da Câmara e um presidente fraco e dependente para ordenhar.

O mercado festeja a eleição de Lira achando que agora as tais reformas neoliberais vão avançar. Não estão entendendo nada. Rodrigo Maia, um liberal, tinha compromisso com elas. Lira e o Centrão têm interesses, não ideologia ou convicções. E se Lira seguir na marcha autoritária com que estreou, não será fácil construir consensos.

A vitória pode reascender os impetos autoritários de Bolsonaro. Ele vai também se empenhar pela agenda de costumes, expressão de seu obscurantismo. E estas foram as razões que levaram a esquerda, exceto PSOL, a apoiar o emedebista Baleia Rossi. Já pela agenda neoliberal. Bolsonaro nunca se bateu de fato.

Mas, jogando tão pesado e tão violentamente a favor do Centrão, que lhe prometeu proteção, Bolsonaro verá surgir na Câmara uma oposição parlamentar mais ampla e mais combativa, ferida nos brios. Ela agora será composta pela esquerda e pela direita derrotada de Rodrigo Maia. Os dois polos frequentemente estarão juntos no combate ao governo, embora dificilmente venham a formar a ainda que a tal frente ampla eleitoral para 2022.

Já no Senado, as coisas poderão ser diferentes. O discurso de vitória de Rodrigo Pacheco foi moderado e conciliador, bem diferente do de Lira. Nele, fez compromissos convergentes com as pautas da esquerda, o que ajuda a explicar o apoio do PT: defendeu enfaticamente a democracia e a Constituição, a observância do regimento, a vacinação urgente para todos, a volta do auxilio emergencial e a recuperação econômica. Isso veremos.

Um novo jogo começa agora, cheio de contradições.

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