De perdas e danos


 "Até quando o país aguentará essa destruição incessante?", pergunta o jornalista Eric Nepomuceno. "O país saberá sobreviver aos danos causados por essa figura patética?", questiona ele sobre Jair Bolsonaro 

Por Eric Nepomuceno, para o Jornalistas pela Democracia

Creio que é natural, ao menos a partir de uma certa idade, que a chegada do fim do ano abra espaço para uma espécie de balanço do que foi vivido ao longo dos meses. Registrar conquistas e eventuais avanços, mas também as perdas e danos.  

Neste 2020 de trevas, constado uma estranhíssima contradição: foi o ano mais veloz e, ao mesmo tempo, o mais lento da minha vida.

E ao começar a fazer esse balanço o primeiro que surge à minha frente é um dado especialmente cruel: como seria natural, vários dos meus 72 anos foram marcados por perdas irrecuperáveis. Avôs, avós, meu pai, amigas e amigos queridos partiram numa viagem que jamais terá volta, deixando rombos abertos na minha alma e luzes permanentes na minha memória.

Nenhum ano, porém, foi tão perverso e tenebroso como este 2020 que está indo embora tarde e sem ter quase existido.  

A peste maldita levou amigos fraternos, levou pessoas que em determinado momento foram fundamentais para mim, levou pessoas de quem eu gostava. E a vida levou, por conta própria, amigos queridos e uma amiga que iluminou minha alma ao longo de décadas.  

É sempre uma tristeza infinita saber que um “nunca mais” se impôs. Mas, repito, nunca houve tantos “nunca mais” num ano só.

Não posso escapar da amarga sensação de que deveria ter procurado estar mais com cada um dos que se foram em 2020.  

Não há nenhuma razão, a não ser a distração, para que eu não tenha estado mais vezes com o Pino, com o Paul, com o Serginho, com o Zé Rubem, com a dona Leda, com o Luís Edgar, com a Mercedes, minha ensolarada amiga.  

Resta o consolo de saber que todos e cada um deles ocupará sempre um espaço luminoso no álbum de retratos da minha memória.

Já a contagem dos danos gira ao redor de um eixo só: Jair Messias e a matilha de aberrações que pululam, subservientes e cúmplices, à sua volta.

Não houve um só minuto de nenhuma hora de nem um único dia em que o Aprendiz de Genocida não tenha se esmerado em polir sua nefasta imagem de psicopata irremediável.

Não satisfeito em destroçar o país sem deixar intocado um único e mísero aspecto do que foi construído ao longo de décadas, contribuiu de maneira magistral, com sua ignorância fantasmagórica, para que pelo menos 200 mil famílias enterrassem os seus mortos.  

E continuará assim diante da passividade de um Congresso poltrão, de uma corte suprema acovardada.  

Continuará assim diante da assustadora manada de seguidores de uma ignorância olímpica e sem cura.

Continuará assim, espalhando danos e maldades, até que alguém tenha a lucidez – e a coragem – de expelir essa figura dantesca da poltrona presidencial que foi alcançada com a imperdoável cumplicidade de muitos que agora se dizem arrependidos ou surpresos.  

E agora mesmo me vem uma pergunta: até quando o país aguentará essa destruição incessante?

Eu saberei sobreviver às minhas perdas. O país saberá sobreviver aos danos causados por essa figura patética?

Comentários