Razão da sobrevida de Bolsonaro irá se esgotar

Foto: ADRIANO MACHADO - REUTERS)
O sociólogo Marcos Coimbra escreve sobre a razão da sobrevida de Bolsonaro na Presidência: "a tolerância de alguns". E aponta: "É pouco para quem quer durar muito. E quatro anos é tempo demais para que alguém como ele sobreviva"

por Marcos Coimbra, Brasil 247

Aos olhos da quase totalidade da opinião pública internacional e da maioria da população brasileira, Bolsonaro não tem condições de presidir o Brasil. Pensa errado, faz errado, fala errado e acredita em coisas erradas, segundo o que pensam, fazem, falam e acreditam as pessoas normais.
Por que ainda está no poder?  

Não é, com toda certeza, por respeito à regra de que a democracia padece quando as instituições estão em permanente convulsão, o que exige sejam poupadas de choques e mudanças a toda hora.

Bolsonaro ficaria porque a instabilidade provocada por sua saída seria pior que suportá-lo.  

Invocar esse argumento, depois do que aconteceu com Dilma Rousseff, é pura hipocrisia. Não nos esqueçamos de que ela estava no início de um mandato recém conquistado nas urnas quando, sem qualquer fato relevante, seu governo foi bloqueado no Congresso e teve início um processo de impeachment mal ajambrado. Hoje, passados menos de três anos, as pesquisas mostram que apenas uma pequena minoria sequer consegue lembrar-se de qual era a acusação e qual prova havia contra ela.   

Entre Dilma e Lula, há algum paralelismo na fragilidade das acusações que sofreram. Para condená-los, quem, no povo, os considera culpados costuma utilizar-se de dois raciocínios. Por um lado, do esdrúxulo princípio da presunção da culpa: “não sei exatamente o que fizeram, mas fala-se tanto que alguma coisa devem ter feito”. De outro, da imagem de “conjunto da obra”: não é por essa ou aquela acusação concreta, mas por algumas suposições inespecíficas (por isso mesmo, de comprovação impossível), em que se misturam delitos imaginados com antipatias e picuinhas.  

E quanto a Bolsonaro, o conjunto de sua “obra” não é já suficiente? Nos  primeiros nove meses de governo, na avaliação de quem entende do assunto,  não apenas perpetrou dezenas de atos que justificariam a abertura de processos de impeachment, como deixou claro que continuará a praticá-los. Fora para os malucos que acreditam nele, o capitão é o pior tipo de culpado, o que insiste em seus crimes.  

Outro argumento para fazer vista grossa à sua evidente inadequação ao cargo é a “legitimidade das urnas”. Ninguém discute que o respeito à manifestação dos eleitores é fundamental na democracia, o que significa aceitar o vencedor por mais deplorável que seja, mesmo depois que a maioria passa a querer vê-lo pelas costas.  

Não é, contudo, o que sempre acontece no Brasil. Voltando às analogias com Dilma, o questionamento da legitimidade de sua vitória em 2014, usando da tese de “estelionato eleitoral”, chega a ser cômico face às bandalheiras do bolsonarismo na eleição passada. A respeito da ex-presidente, o máximo que se consegue dizer é que fez “promessas falsas” durante a campanha, pecado venial em nossa cultura politica, cometido por dez entre dez candidatos ao Executivo.  

Bolsonaro foi muito pior: ganhou a eleição na trapaça, abusando de ferramentas imorais e ilegais, e enganando uma parcela do eleitorado com o bombardeio de mentiras pelo WhatsApp. Na sua campanha, as (muitas) promessas falsas são café pequeno. Fez tanta coisa irregular que só seus cúmplices acham que o resultado é legítimo.   

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