por Ricardo Kotscho, Balaio do Kotscho -
Os 90 minutos do Roda Viva de segunda-feira, com Glenn Greenwald, editor do The Intercept, vão passar para a história do programa como um dos maiores vexames já promovidos por jornalistas amestrados desde os tempos da ditadura militar.
Foi um jogo de seis inquisidores ferozes, mas despreparados, contra um entrevistado sereno, que manteve a calma o tempo todo e detonou a Lava Jato, defendida pelos repórteres nativos com unhas e dentes afiados.
Parece até que fizeram midia-training com a Polícia Federal de Curitiba, sob a supervisão dos dallagnois do MPF, pois todos seguiram o mesmo script nas perguntas repetitivas, para Greenwald confessar que pagou pelas mensagens hackeadas e cometeu um crime contra a segurança nacional.
Logo no primeiro bloco, o jornalista americano premiado com o Pulitzer derrubou uma a uma as teses, ilações, insinuações e cobranças da moderadora e dos cinco desconhecidos integrantes da bancada.
“A autenticidade desse arquivo não está mais em dúvida. Esse jogo cínico que o Moro e o Dallagnol estavam fazendo no começo acabou. Sabemos que temos o ministro da Justiça e o coordenador da Lava Jato que usavam métodos completamente corruptos, não em casos isolados, mas o tempo todo”, disparou o entrevistado, sem deixar de sorrir diante de cada pergunta encomendada pelas chefias.
Eles não se conformavam de ouvir o entrevistado repetir reiteradas vezes que Sergio Moro era o chefe de um sistema judiciário corrupto, em que o Jornal Nacional atuava como parceiro da Lava Jato.
Como não comecei ontem na profissão, senti vergonha dos coleguinhas que não sabiam mais o que fazer para pegar o entrevistado na curva, falando ao mesmo tempo, e não conseguindo concluir as perguntas.
Todos foram unânimes em criticar a atuação desrespeitosa e inquisitorial dos integrantes da bancada, algo totalmente fora da curva dos propósitos do programa. Não apareceu um único vivente para defendê-los (e eu não deletei nenhum participante).
Já participei dezenas de vezes do Roda Viva, até já perdei a conta de quantas, como perguntador, e nunca vi nada parecido.
Também ali o programa virou um tribunal em que a entrevistada foi julgada e não se falou do que mais interessava aos telespectadores: quem é, o que pensa, quais suas propostas de governo.
Da mesma forma, ninguém perguntou a Greenwald sobre o conteúdo das denúncias feitas pela Vaza Jato, como é conhecido o conjunto de reportagens divulgado pelo Intercept, em parceria com alguns dos principais veículos nacionais.
Curiosamente, nenhum desses veículos estava representado na bancada para dizer se as gravações foram ou não manipuladas.
Greenwald foi tratado como um criminoso, que ousou cumprir seu papel de jornalista e divulgar tudo o que é de interesse público, preservando a sua fonte, um direito assegurado pela Constituição.
Com pegadinhas infantis, tentaram encurralar o entrevistado de todo jeito, até que, no final, introduziram o tema da sua homossexualidade e insinuações de desonestidade, como último recurso, a chave de ouro do programa.
Jornalista não é advogado de defesa nem assistente de acusação, não é juiz nem promotor, mas apenas um profissional que deve fazer perguntas para atender ao interesse público, não aos seus eventuais empregadores.
Repórter tem que fazer suas próprias apurações, checar dados e versões, e não apenas oferecer o prato feito que recebe de autoridades com objetivos político-partidários, como aconteceu durante estes cinco anos de Lava Jato.
Que Greenwald continue fazendo seu trabalho e os jornalistas tenham aprendido alguma coisa sobre os compromissos da nossa profissão para informar a sociedade.
Liberdade de expressão é um direito de todos, não só de quem tem carteirinha de jornalista.
Vida que segue.
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