Caro Moro-Dallagnol: não há complacência possível


por Fernando Brito, Tijolaço -

Não há nada além da pusilanimidade da imprensa brasileira a evitar que a troca de mensagens e combinações por aplicativos entre Sérgio Moro, então juiz, e o coordenador da Lava Jato em Curitiba, Deltan Dallagnol.

Basta trocar o sinal da equação para que se veja o absurdo: imagine-se que as mensagens fossem entre Moro e os advogados de Lula, combinando estratégias de defesa e que o resultado do processo fosse a absolvição? Alguém duvida que a Polícia Federal amanhecesse em suas portas e que os jornais estivessem tomados por manchetes garrafais?

Do ponto de vista jurídico, a situação é igual ou até pior, porque os membros do Ministério Público têm mais responsabilidades, por suas prerrogativas, que advogados de defesa.
O único questionamento possível – sobre a veracidade  das mensagens divulgadas pelo The Intercept – não foi feito e nem Moro, nem Dallagnol alegaram que são falsificações. Dizem, apenas, que “não foi nada de mais”.

Como assim? Não se trata de coisas alheias ao processo, como resultados de futebol ou planos de viagem para férias. São opiniões, providências processuais, estratégias jurídicas e políticas que jamais poderiam ser tratadas em mensagens criptografadas entre juiz e acusadores.
Se a obtenção das mensagens é legítima ou não é outra questão, a ser cuidada quando se discutirem as sanções criminais e administrativas relativas ao juiz e aos procuradores.

Tales Faria, em seu blog no UOL, diz que ministros do Supremo consideram que, mesmo obtidas de forma ilícita, provas não podem ser desconhecidas quando implicam em vícios de atos oficiais, citando a definição do próprio Ministro Alexandre de Morais sobre o assunto: “as condutas dos agentes públicos devem pautar-se pela transparência e publicidade, não podendo a invocação de inviolabilidade constitucional constituir instrumento de salvaguardas de práticas ilícitas, que permitam a utilização de seus cargos e funções ou empregos públicos como verdadeira cláusula de irresponsabilidade por seus atos ilícitos(…).”

O que está em questão são as garantias de imparcialidade e equilíbrio do juiz no processo, que são um direito de qualquer cidadão e se perderam com a violação de uma penca de artigos em outra penca de leis, a começar pelo Código de Étca da Magistratura (Art. 8° –O Magistrado imparcial é aquele que busca nas provas a verdade dos fatos, com objetividade e fundamento, mantendo ao longo de todo o processo uma distância equivalente das partes, e evita todo o tipo de comportamento que possa refletir favoritismo, predisposição ou preconceito.).

A partir daí, passando por tdos os níveis de legislação, a parcialidade revelada no trato entre juiz e acusação vai quebrando todos os requisitos do devido processo legal, desde os do Código de Processo Penal (art. 254, IV, que diz que o juiz é suspeito “se tiver aconselhado qualquer das partes”) até o artigo 10 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, que exige que toda pessoa tenha qualquer acusação criminal examinada por tribunal “independente e imparcial”.

Não há relativismo na questão da higidez do processo judicial. Não importa, como faz Moro em sua pífia nota de resposta à revelação do Intercept, dizer que a reportagem ignora “o gigantesco esquema de corrupção revelado pela Operação Lava Jato.”

A nulidade que decorre da parcialidade do juiz é absoluta (Art. 564 CPP), não depende nem do mérito de suas decisões e nem  sequer de prazo para ser arguida e examinada, o que pode ocorrer até mesmo depois da prolação da sentença.

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