por Ricardo Kotscho, Balaio Do Kotscho -
Desisto.
Desde cedo, estou procurando por todo canto alguma história boa para contar aos caros leitores do Balaio para espantar o baixo astral.
Ao final de mais uma semana trágica e tormentosa, com o massacre de Suzano e a prisão dos milicianos amigos acusados do assassinato de Marielle e Anderson, lamento informar, mas não sobrou nada.
Não achei nem mesmo uma pílula noticiosa falando bem de alguém que tenha ajudado uma velhinha a atravessar a rua.
Na quinta-feira, ao saber que o presidente crazy-fake faria mais uma live nas redes sociais, até pensei que seria possível ouvir dele algum plano, qualquer um, que seja bom para o país.
Mas o capitão gastou seu tempo falando de novo da importação de bananas do Equador e dos problemas de trânsito, e aproveitou, claro, para falar mal da Folha.
Em que mundo esse homem vive?
Na véspera de mais um aniversário, já chegando aos 71, um verdadeiro milagre de sobrevivência para quem fez a primeira cirurgia aos 8 meses de idade, abro a janela do tempo e só encontro coisas boas num passado nem tão remoto.
No meu caso particular, o inferno astral que antecede os aniversários já dura um ano inteiro, sem nenhum sinal de que vá acabar tão cedo.
Uso de propósito a primeira pessoa do plural, e não a terceira, porque acho que somos todos responsáveis, sim, por ação ou omissão, para chegarmos a esse ponto de completa anomia social.
Em que momento essa desgraça aconteceu, quando demos esse cavalo de pau que nos levou à ruína e à beira do abismo?
Desde o golpe de 2016, o Brasil deixou de ser um país admirado e respeitado no mundo inteiro, para se tornar este alvo permanente de chacotas e deboches na mídia internacional.
Viramos párias, uma nação desmoralizada no mundo civilizado, que ninguém mais leva a sério.
Agora querem trocar os embaixadores para melhorar nossa imagem no exterior, é inacreditável. Como se isso fosse possível, e houvesse mágicos disponíveis para essa missão.
Com o chanceler aloprado que temos, vai ser mais um motivo de galhofa e de vergonha.
Somos desgovernados à distância pelo guru da Virgínia, um caçador de ursos que orienta os filhos do capitão.
Para quem acha que isso é coisa de velho ranzinza, recomendo a leitura atenta da coluna de Fernanda Torres, que é de outra geração, publicada hoje, na Folha Ilustrada, com o singelo título “Cama”.
Termina assim: “Para não desesperar, continuo fazendo a cama”.
E que faço eu, que nem minha cama sei arrumar?
Estou aqui apenas cumprindo tabela, com as filhas bem criadas e vendo os netos crescer, mas me preocupo muito com o futuro deles, apesar de nada mais poder fazer para lhes deixar um país melhor.
Continuo aqui escrevendo todos os dias, a única coisa que sei fazer, mesmo sabendo que as palavras perderam a serventia.
Por uma imposição do meu ofício de repórter, não posso inventar histórias para agradar aos leitores, mas é exatamente isso que mais fazem nossos atuais mandatários: mentem, mentem tão descaradamente que devem até acreditar no que falam.
Incapaz de juntar duas frases com sentido sem tropeçar nas letras, como mostrou durante toda a campanha, foi na mão dele e da sua tropa de celerados paisanos ou de pijama que entregamos nosso destino.
Descobri com o tempo que escrever é um permanente conversar com nós mesmos, ainda que nos dirijamos a terceiros, sem saber exatamente aonde queremos chegar.
Chegar ao final de um texto sem encontrar uma saída, um alento qualquer, dá uma sensação, ao mesmo tempo, de vazio e de fracasso, já que sempre me proponho a buscar coisas boas para contar, alguma história inspiradora de pessoas que, mesmo remando contra a maré, ainda lutam para viver num país melhor e mais justo para todos.
Já não basta denunciar todo dia as barbaridades cometidas pelos inquilinos do poder, que agora se acham donos, e a inação da sociedade civil, que poderia se opor a eles.
O que nós podemos fazer para sair desse buraco sem fundo em que nos metemos?
Por onde recomeçar? Faltam-nos nesse momento lideranças, bandeiras, referências, interlocutores, projetos de país, um plano de voo qualquer.
Para onde se olha, é só desalento e perplexidade diante das maluquices em série produzidas em Brasília, que sufocam o Brasil e nos deixam paralisados.
De onde saem tantos cretinos e desatinos, tanto ódio e tanto mal, tanta sede de vingança e covardia, tantos descalabros, perseguições e bizarrices?
Em que tocas toda essa gente se escondia antes de assumir o poder, em todas as latitudes, em todos os níveis de governo?
Como viviam, o que faziam, o que comiam, o que liam, o que conversavam, como se relacionavam com seus vizinhos, o que pensavam da vida?
De repente, parece até que o país foi invadido por extra-terrestres numa guerra de extermínio.
Aonde querem chegar, qual é o objetivo?
Se alguém tiver respostas para minhas tantas dúvidas, a esta altura do campeonato da vida, por favor, me mande de presente.
Com tantos enterros a que já assistimos este ano, não há clima pra festa, mas ainda dá pra tomar uma cervejinha com a família e os amigos, lembrando que um dia já fomos felizes, sem sair daqui.
Vida que segue.
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