Vem aí a República Federativa do Rifle

Mãos ao alto! (Reprodução/YouTube - ABC News)
Nos EUA e aqui a bancada da bala está no poder!

 Do Conversa Afiada -

O Conversa Afiada  foi o primeiro a perceber o impacto da força eleitoral de Bolsonaro sobre as ações da Forjas Taurus, uma empresa com sede em São Leopoldo (RS) e especializada na fabricação de armas de fogo, coletes à prova de balas e armas de airsoft.

Só no dia 2/X - horas depois de uma ascensão vigorosa do candidato do PSL no Ibope - as ações da Taurus dispararam quase 19%.

E mais: em apenas dois meses, o volume de transações na Bolsa de Valores envolvendo ações da Taurus cresceu mais de 50 vezes.

Nesse mesmo período, o valor dos papeis preferenciais mais que dobrou.

E o valor de mercado da Taurus foi de R$ 139 milhões para R$ 332 milhões.

Mesmo com a empresa acumulando prejuízos e mostrando uma dívida em alta, como apontou reportagem do Jornal do Brasil.
Não é à toa.

Na sexta-feira 5/X, o amigo navegante assistiu a um vídeo estarrecedor em que Bolsonaro age como garoto-propaganda da Taurus: apresenta um fuzil e promete que todo cidadão, em um eventual Governo Bolsonaro, poderia ter uma pistola.

(Da Taurus, claro).

Isso responde a um aumento da organização política do movimento armamentista.

Em novembro de 2014, o Instituto Sou da Paz, ONG de combate à violência, apurou que mais de 70% dos candidatos que receberam doações de campanha da indústria de armas e munições conseguiram se eleger naquele ano.

Dos 30 nomes apoiados por essa indústria, 21 se deram bem nas Eleições.

As fabricantes de armas e munições gastaram R$ 1,73 milhão para políticos de 15 estados nas Eleições de 2014 (metade foi para candidatos do MDB e do DEM do Rio Grande do Sul e de São Paulo).

No ano passado, o deputado Alberto Fraga (DEM-DF), um dos principais líderes da Bancada da Bala na Câmara, tentou derrubar os principais pontos do Estatuto do Desarmamento.

O projeto 3.722, do deputado Rogério Peninha (MDB-SC), defende que qualquer pessoa, a partir de 21 anos de idade, poderia portar armas livremente. Bastaria não ter antecedentes criminais e ser aprovado em teste de sanidade mental.

Como mostrou o Globo Overseas, haveria, na prática, uma espécie de monopólio da Taurus sobre o mercado de armas e munições no Brasil, já que ela está entre as quatro maiores fábricas de armas de fogo leves do mundo.

Na Câmara dos Deputados, a Bancada da Bala conta, supostamente, com 35 membros, entre os quais figuram nomes ilustres como Delegado Francischini, Eduardo Bolsonaro, Jair Bolsonaro, Onyx Lorenzoni e Arnaldo Faria de Sá.

Mas, por não ser uma bancada formal, não é tão simples medir o tamanho dela.
Estima-se, na verdade, que mais de 300 deputados componham, informalmente, a Bancada da Bala.

(A Frente da Segurança reúne, até aqui, 299 deputados).

Uma eventual vitória de Bolsonaro nas Eleições presidenciais deste ano certamente fortaleceria a ânsia armamentista no Congresso e nos setores da sociedade que o elegeriam.

E a Taurus, como principal interessada no avanço da liberação das armas, passaria a desempenhar um papel de grande destaque nesse contexto.

É possível projetar como seria?

Guardadas as devidas proporções, o caso dos EUA pode ser didático.
A NRA - National Rifle Association - tem um poder que vai muito além do dinheiro.

A propósito, o Conversa Afiada reproduz uma reportagem publicada pelo Guardian, da Inglaterra, no ano passado para explicar o protagonismo da NRA no debate sobre as armas nos EUA:

Por que a NRA - National Rifle Association - é tão poderosa? Aqui vai uma dica: não é (apenas) por causa do dinheiro.

A esmagadora maioria dos americanos apoia o controle sobre as armas e, ainda assim, o Congresso falhou em endurecer a legislação, mesmo em meio a uma série de tiroteios em massa.

Com a NRA derramando dinheiro em campanhas eleitorais em níveis recordes, é fácil apregoar que o lobby das armas comprou Washington - mas isso não explica o cenário como um todo.

Em 2017, a NRA gastou pelo menos US$ 4,1 milhões (até maio) com o lobby - mais que os US$ 3,1 milhões que gastou em 2016. É dinheiro, claro, mas, para comparação, a indústria de laticínios gastou US$ 4,4 milhões no mesmo período, de acordo com o Centro para Políticas Responsivas (CRP, na sigla em Inglês). A Associação Nacional dos Corretores, uma das principais gastadoras, pagou US$ 32,2 milhões em lobby para questões imobiliárias. A Câmara de Comércio dos EUA, maior investidora entre todas, gastou US$ 104 milhões.

A influência da NRA não vem somente do lobby. Graças a decisão da Suprema Corte, a torneira agora está aberta para "gastos independentes", o que permite a grupos e indivíduos apoiar - ou atacar - candidatos, desde que essas campanhas não sejam feitas em cooperação com um candidato - ou a pedido de um.
A NRA apostou pesado nas Eleições presidenciais de 2016, fazendo investimentos individuais na casa dos US$ 53,3 milhões. E o dinheiro parece ter sido bem gasto. A NRA derramou US$ 14,4 milhões em apoio a 44 candidatos que venceram e US$ 34,4 milhões contra candidatos que perderam, de acordo com o CRP. A única grande derrota da NRA aconteceu em Nevada, para o lugar deixado pelo líder Democrata da minoria, Harry Reid.

Nem o poder das fábricas de armas explica completamente a força da NRA. Armas são negócios relativamente grandes. Fábricas de armas e munição devem fechar 2017 com receitas de US$ 13,3 bilhões e lucros de US$ 1 bilhão, de acordo com o IBISWorld. Lojas de armas e munição terão receita de US$ 85 bilhões e lucros de US$ 256 milhões.

Mas há indústrias bem maiores. A indústria automobilística (que gastou US$ 51,8 milhões em lobby até maio de 2017), está a caminho de um ano com receitas na casa de US% 105,3 bilhões e lucros de US$ 3,1 bilhões em 2017.
A influência da NRA também é desproporcional ao seu poder de fogo financeiro. Há um mundo de gastadores maiores que a NRA em Washington - os bilionários irmãos Koch gastaram US$ 889 milhões na Eleição. E indústrias, também: as receitas da Apple bateram recorde de US$ 52 bilhões no primeiro trimestre de 2017 e esse dinheiro, aliado ao de outras gigantes da tecnologia, faz a indústria de armas parecer um erro gigantesco.

Dan Auble, pesquisador sênio do CRP, disse que os gastos da NRA em níveis recordes para ela são "insignificantes" em comparação a grupos como a indústria farmacêutica.

Se o lobby das armas quiser ter sucesso, precisa gastar dinheiro em Washington - e isso eles fazem. Mas a quantidade, sozinha, não explica o sucesso da NRA.
"A NRA não é um sucesso por causa do dinheiro. Para ser sincero, é difícil ter força na política americana sem dinheiro. A NRA tem dinheiro e usa isso para eleger seus candidatos preferidos. Mas a fonte real do seu poder, acredito, vem dos eleitores", diz Adam Wingler, professor de Direito Constitucional da UCLA School of Law e autor de "Gunfight: The Battle over the Right to Bear Arms in America".

Escolhendo sabiamente as batalhas, a NRA mostrou habilidade para facilitar as Eleições em favor dos candidatos pró-armas, diz Winkler. "Essa é a verdadeira fonte de sua força", afirma. Isso e o uso de um pequeno número de pessoas altamente motivadas a empurrar uma agenda que parece em descompasso com a vontade geral do povo, que, de acordo com recentes pesquisas, é favorável a leis mais duras para o armamento.

A empresa com 145 anos de história tem 5 milhões de membros ativos, embora esse número seja contestável. Mas, seja qual for o seu tamanho, esses associados são uma ferramento poderosa, diz Robert Spitzer, professor de Criminalística, Direito e Políticas e Controle de Armas da Universidade de Nova York em Cortland e autor de cinco livros sobre armas.

"Eles têm uma poderosa habilidade para mobilizar uma base de apoio e de engajamento em política quando a maioria dos americanos sequer se incomoda em votar", ele diz. "Digo isso para além do voto. É sobre ir reuniões, escrever um carta, contatar um amigo", afirma. "E porque tão poucos americanos fazem essas coisas, se você consegue reunir um grupo de pessoas em que estão preparadas para ir a uma reunião, então isso pode ter um grande efeito".

"Os políticos eleitos sentem o impacto dos cidadãos quando eles ouvem essas vozes", diz Spitzer. "Política funciona, na maioria das vezes, à base de um pneu estridente: quem faz mais barulho recebe mais atenção".

Existem, no entanto, problemas no horizonte da NRA. Por exemplo, o lobby pelo controle de armas vem crescendo. O grupo de controle de armas do bilionário Michael Bloomberg, Everytown for Gun Safety, ameaça gastar mais de US$ 25 milhões nas eleições legislativas de 2018. "Americans for Responsible Solutions", um comitê de ação política pelo controle das armas organizado por Gabrielle Giffords, ex-parlamentar Democrata cuja carreira terminou quando ela e outras 18 pessoas foram atingidas por tiros em um subúrbio do Arizona, gastou US$ 13,4 milhões em 2016.

A questão-chave para os que lutam pelo controle de armas é fazer essa voz se tornar poderosa - ou aprofundar suas conexões em Washington - como faz o lobby pelas armas. "Eu acho que é possível dizer que, até aqui, eles se frustraram a nível federal", diz Auble. "Eles não têm tanto dinheiro, nem se estabeleceram tanto quanto a NRA, nem têm a sua história".

Mesmo que os grupos que lutam pelo controle de armas gastassem a mesma quantidade de dinheiro com os mesmos candidatos, diz Winkler, esses candidatos não votariam em favor do controle de armas. "Não é apenas pelo dinheiro", ele diz. "Se Michael Bloomberg dissesse que daria US$ 2 para cada US$ 1 que a NRA dá, não funcionaria".

A verdade é que o controle de armas não é uma área em que o dinheiro conduz a política, ele diz. É uma questão muito importante para alguns eleitores e os políticos respondem a esse apelo. "Especialmente a intensa mobilização da minoria de eleitores que apoiam mais vigorosamente o direito de portar armas".
Mas, colocando de lado o dinheiro e sua influência, a NRA enfrentará problemas nos próximos anos à medida que os grupos de oposição crescem.

A Eleição de Donald Trump foi uma grande vitória para a NRA. Na véspera de seu centésimo dia no cargo, Trump esteve na conferência anual da NRA. Ele é o primeiro Presidente a fazer isso desde Ronald Reagan, em 1983. "Vocês vieram até mim e eu estou indo até vocês", disse Trump a uma entusiasmada plateia.
"Eu estou aqui para trazer boas notícias: o ataque de 8 anos às suas liberdades previstas pela Segunda Emenda chegou ao fim".

Essa entusiasmada plateia - majoritariamente composta por homens velhos e brancos - era um exemplo das pessoas que tiveram influência na vitória de Trump. É, também, um retrato de um grupo demográfico em declínio.

Na metade do século, espera-se que os EUA se tornem uma nação "majoritariamente minoritária". O núcleo da NRA se constitui, basicamente, de homens velhos e brancos. Pessoas mais jovens não se apegam à posse de armas c como as mais velhas, diz Spitzer, e pesquisas mostram que as minorias parecem se sentir mais decididas em relação ao controle ede armas. Tentativas da NRA de expandir o seu apelo não parecem bem-sucedidas. "Ela (a NRA) enfrenta um problema demográfico existencial", diz Spitzer.

Mesmo a presidência de Trump pode não ser boa para a NRA. Barack Obama e Hillary Clinton presenteou a NRA com óbvios inimigos. A venda de armas está caindo depois dos anos de glória na administração Obama, quando cada tiroteio em massa levava a um aumento das vendas, à medida que Democratas clamavam por controle de armas e donos de armas corriam para as lojas. Com um representante deles na Casa Branca, a indústria - ae a NRA - perderam um demônio que impulsionava as vendas e as associações.

A NRA mudou de enfoque após Obama e, na mesma linha de Trump, atacou a imprensa por demonizar os proprietários de armas e o Presidente. É improvável que esse movimento conquiste o apoio das minorias.

"Se a NRA realmente quiser atingir uma nova geração, talvez precise chegar ao movimento Black Lives Matter. Quais são as pessoas que mais sofrem abuso por parte de agentes governamentais? Você poderia pensar que o Black Lives Matter teria alguma afinidade com a ideia de que você precisa de armas para se proteger de um Governo hostil que não pode te proteger", diz Spitzer.

Mas, até a NRA sabe que a melhor coisa que o movimento pelo controle de armas poderia ver agora seria uma multidão de afro-americanos ou muçulmanos portando armas EUA adentro.

A NRA se transformou diversas vezes ao longo de sua história, porque em grande parte do século XX houve apoio ao controle de armas. Pelo seu poder atual, não há nada que sugira que a organização não seja vulnerável a mudanças.

Em tempo: sobre o direito de portar e usar armas, previsto na Constituição americana...

Leonardo Miazzo, editor do Conversa Afiada


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