Aprendendo com os invasores

Sérgio Saraiva, GGN

Ela vem a propósito da primeira frase do editorial da Folha, ”Lições de um movimento”, de 07 de janeiro de 2016: “Algumas imagens falam por si mesmas”.
Em outra ironia, para usar termos caros ao jornal, caberia a manchete: “Folha recua e agora vê ganhos no movimento dos estudantes paulistas”.
Realmente, causa espécie o editorial em termos elogiosos ao movimento dos estudantes paulistas contra o fechamento de suas escolas, intentado pelo governo Alckmin sob o eufemismo de “reorganização”. Isso após a Folha, ao longo do tempo que durou as ocupações, tratar estudantes como invasores de suas próprias escolas.
“Os alunos expressaram comprometimento para com seu local de estudo. Aprenderam a se organizar e a ter voz ativa na sociedade; cresceram. Saem vitoriosos, e com eles a cultura democrática do país. A lição de política foi boa”.

Que os alunos deram uma lição de política ao governo Alckmin e a Folha também, não resta dúvidas. Cabe perguntar-se o que ambos aprenderam.
Vejamos.
“A reorganização intentada pelo governo estadual – num contexto em que, de 1998 a 2014, o sistema perdeu 2 milhões de alunos– faz sentido por razões econômicas e pedagógicas, embora a elas os estudantes não tenham dado atenção”.
Erro, os estudantes deram e muita atenção às questões econômicas e pedagógicas envolvidas, a vitória do movimento deu-se exatamente porque estavam e permaneceram atentos.
A razão econômica aparentemente alegada pela Folha, economia burra, diga-se de passagem, é óbvia. Fechar escolas diminui os gastos com educação. Tem o mesmo sentido de fechar hospitais e postos de saúde para diminuir os gastos com a saúde.
Tratam-se, ambos os casos, de absurdos. Mas absurdo que a Folha não evita cometer em seu alinhamento ao governo Alckmin.
Vejamos se conseguimos entender o motivo da perda de 2 milhões de alunos pela rede pública de ensino.
Devemos considerar o envelhecimento da população. É fato, mas não explica tudo.
Se interpretei corretamente os dados do IBGE, a população de jovens entre 5 e 19 anos na população do Estado de São Paulo decresceu entre 2000 e 2015 em 600 mil pessoas.
E os outros 1,4 milhões de alunos, abandonaram a escola pública por quê? A evasão escolar teria aumentado?  Ao contrário, diminuiu e muito. E mesmo que considerássemos válido para o Estado de São Paulo o índice brasileiro de evasão escolar – 7%, ainda assim, restaria um êxodo de mais de um milhão de alunos sem outra explicação que não seja, foram para a escola privada.
Parece ser uma explicação plausível e uma tragédia paulista. Uma parte da melhoria da condição financeira das famílias, nos anos do PT no poder federal, aqui em São Paulo, foi utilizada para transferir os filhos da escola pública para a escola privada em busca de melhor educação.
E ainda que estes números não sejam exatos, uma perda tão significativa de alunos deveria levar a uma preocupação do governador com a melhoria do ensino. Se não pela oportunidade trazida pela pela menor pressão de demanda, então, pela obrigação de recuperar a clientela perdida pelo descrédito da população na educação pública, se esse fosse o caso.
O que o governo propôs?
Fechar escolas. E a Folha diz que faz sentido econômico e pedagógico.
Qual sentido pedagógico, a Folha se escusa de nos apresentar. Gostaria que tentassem.
“É melhor o desempenho das escolas onde se concentram alunos de uma única faixa etária”.
Os estudos que comprovem essa afirmação a Folha não apresenta. Mas posso afirmar que hádiscordâncias em relação a isso, inclusive na própria Folha.
“Além de aumentar em 52% o número de instituições desse tipo, o plano governamental previa utilizar quase 3.000 salas de aula hoje ociosa”.
Gostaria que tentassem explicar como existem salas de aula ociosas e salas de aula superlotadas.  Não seria o caso de diminuir os números de alunos por salas de aula? Isso traria melhoria da qualidade de ensino. Menos alunos por sala de aula, mais disponibilidade de professor por aluno. Isso faz sentido pedagógico. Mas, a diminuição do número de alunos por sala de aula jamais foi proposta de Alckmin. E, aliás, como fazer isso e ao mesmo tempo fechar escolas?
A Folha tampouco explica.
Como não explica que melhoria a “reorganização” traria em relação às “deficiências do sistema”expostas pelo movimento dos alunos: ”no colégio Fernão Dias, por exemplo, viu-se um laboratório de química aparentemente há anos sem uso”.
Além disso, a Folha não parece se atentar de que terrenos de escolas são muito valorizados pela especulação imobiliária. Amplos e bem localizados. Já houve até quem tentasse vendê-los. E isso com os alunos ainda dentro dos prédios. Imagine-se com os alunos fora, seria muito mais fácil. Mas, a bem do governo Alckmin, diga-se que ele nunca ventilou que tivesse essa intenção.
E, no entanto, apesar de tudo aqui posto, por fim, cabe-me concordar com o editorial da Folha em pelo menos dois pontos: sua conclusão sobre movimento dos estudantes paulistas: “A lição de política foi boa. E sobre quais seriam as necessidades a partir daí: “O que falta? Tudo aquilo que protestos, por si sós, são incapazes de prover. Faltam recursos públicos e qualidade de ensino. Faltam aulas de química – e de economia também”.
Sim, como não concordar que faltam aulas de química – sendo eu um professor de química, sei disso muito bem. E como não concordar com a ironia involuntária contida na recomendação por aulas de economia.
Porém, faltam a quem, as tais aulas?
PS1: outras questões não discutidas pela Folha –  a aparente incapacidade do governo Alckmin de lidar com a questão social sem transformá-la em questão de polícia. A truculência usual da polícia do Alckmin que não se detém nem diante de meninas. E a irresponsabilidade do chefe de gabinete do secretário da educação que, em um reunião à sorrelfa, em um domingo, planejava formar “batalhões de voluntários” para fazer “guerra” aos alunos. Há muito o que se aprender com isso tudo.
PS2: a Oficina de Concertos Gerais e Poesia apoia a educação cidadã e o Movimento Golpe Nunca Mais.

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