Luis Nassif, GGN
O
vice-presidente Michel Temer pode estar coberto de razão quando se
queixa - em carta aberta, sim - da falta de consideração com que foi
tratado no primeiro governo Dilma e no início do segundo, quando lhe
entregaram a articulação política sem lhe entregar as condições para
implementá-la. Não foi apenas descortesia pessoal: foi desastre político
que ajudou a implodir a base de apoio do governo.
Grande
parte do ressentimento contra Dilma Rousseff deve-se à sua falta de
verniz político mínimo, de não saber administrar sua agenda naquilo que a
função de Presidente tem de mais essencial: o trabalho político.
Há
uma enorme lista de ressentidos com a desatenção de Dilma, de Ministros
do STF e do TSE às lideranças políticas de Brasília ou fora dela. Ou
seja, em todas as áreas críticas de poder.
A
diferença dos grandes homens públicos é que engolem em seco, até podem
destilar suas mágoas em particular, mas não usam a questão pessoal como
álibi para ações políticas: seu compromisso maior é com as instituições e
o país.
***
Com
suas últimas atitudes, Temer não está afrontando apenas Dilma. Aliás,
enquanto Dilma esteve popular - e garantindo cargos ao PMDB - Temer
jamais foi se queixar a ela da desatenção com que era tratado.
Agora,
está entrando na lama da conspiração e não quer respingos na roupa.
Lembra a mocinha de véu que entra no baile de carnaval e fica no canto
empunhando o terço e balbuciando que entrou ali por engano, porque ouviu
uma barulhada e achou que era a missa.
***
Ontem, no Valor Econômico,
uma reportagem de conhecido repórter engajado falava das movimentações
no Palácio do Jaburu, residência oficial do vice, de correligionários já
planejando seu governo.
É
uma matéria reveladora desse papel dúbio do vice. "Apesar da discrição
de Michel Temer, o pós-Dilma Rousseff já é tratado no Palácio do Jaburu,
residência oficial do vice-presidente da República". Ou seja, a
mocinha ofereceu a festa na sua própria casa, convocou os convidados e
deu início ao baile. Mas se mantém discreta no canto, orando. "Enquanto
em volta discute-se com vigor as possibilidade de Dilma se manter no
cargo, Temer parece uma estátua. Mal sorri”, diz a reportagem camarada. A
reportagem ressalta que "senadores próximos a Temer (…) registraram ao
Valor que o vice é cuidadoso ao tratar de assumir a Presidência. Não
quer e não vai, dizem, fazer nenhum gesto que o acusem de oportunista,
inclusive porque avalia que isso diminuiria sua legitimidade para
governar, caso venha a sentar na cadeira número um do país”.
Entenderam?
Temer quer a Presidência, mas diz que não quer para, quando assumir a
presidência, o fato de ele muito querer não atrapalhar o exercício da
presidência.
Como
dizem os tais “senadores” em off, essa figura heráldica, despida de
paixões, não se furtará a montar no cavalo encilhado que passar à sua
frente: "Uma coisa é certa: está preparado, ou quase isso, se o momento
chegar".
***
Agora, repete o jogo da filha de Maria no baile de carnaval.
Primeiro,
ao divulgar a carta particular baseado em um álibi torto: a de que
assim procedeu devido aos rumores de que o Palácio estaria divulgando
seletivamente trechos dela.
Espalhou
o teor da carta, sim, como conversou em off com o jornalista Jorge
Moreno, e, sob a alcunha de "importante personalidade da República",
desqualificou a comitiva de seus próprios colegas do Direito da PUC, que
visitou Dilma hipotecando apoio e apresentando argumentos contra o
impeachment.
Afirmou
a Moreno que, "a apresentação dos chamados “juristas” foi um desastre.
"De jurista ali naquele grupo, só tinham dois ou três, no máximo".
Atacou um deles, sem mencionar o nome, da maneira sibilina com que
sempre foi acusado de agir. Seria "uma figura carimbada, professor de
direito comercial, eterno candidato a ministro do Supremo".
***
Por mais que disfarce, Temer
estará no centro das paixões, sim. Se o impeachment der certo, assumirá a
presidência de um país ferozmente dividido e será apontado como um dos
responsáveis pela dimensão que a crise assumir.
Comentários