Vladimir Safatle, da Folha
O governador Geraldo Alckmin governa
São Paulo como se aqui fosse um imenso cafezal adquirido por herança.
Sua lógica não é muito diferente daquela própria aos antigos barões do
café que tomavam decisões sobre a província de São Paulo em salões
fechados, viam manifestações e greves como crime produzido por
"arruaceiros" a quem a única resposta era o porrete da polícia e estavam
mais preocupados sobre o que saia nos jornais do que como a população,
de fato, recebia suas "medidas administrativas".
O governador pode vestir trajes de
barão do café porque é beneficiário da "manemolência midiática" vinda de
certos setores da imprensa. Isso significa que seu governo poderá ser
julgado em processos no exterior por casos de corrupção no metrô, sua
incompetência poderá produzir crises hídricas e racionamentos de água,
seu governo poderá criar uma situação educacional classificada por seu
próprio secretário da Educação como vergonhosa, mas nada disso se
transformará em investigação implacável, como vimos várias vezes quando
se trata dos desmandos do governo federal. Como um grande barão, ele irá
pairar acima de suas próprias catástrofes.
Neste exato momento, seu governo
aprova decretos que lhe permitirão fechar escolas, deslocando alunos
para salas superlotadas e eliminando "salas ociosas", resultantes da
fuga de professores e alunos do sistema estadual com sua qualidade
falimentar. Há anos os profissionais de ensino público procuram
denunciar os resultados de uma política que afugenta bons professores
devido aos baixos salários, que não garante condições mínimas de ensino
em escolas sucateadas, sem bibliotecas e infraestrutura. Ao invés de
melhorar o sistema, ouvindo seus professores e alunos, ele resolveu
diminui-lo para que ele caiba em um orçamento em queda. Em outros
lugares do mundo, os governos lutam para abrir escolas. Aqui, o governo
briga para fechá-las.
Como nosso barão do café assustou-se
com o fato de os alunos não agirem passivamente como gado, sua
Secretaria da Educação declarou preparar-se, vejam só vocês, para uma
"guerra". Esta guerra envolveria, entre outras coisas, o esforço estatal
em reverter o quadro negativo de notícias. Assim, enquanto decide o
futuro de centenas de milhares de alunos soberanamente por decreto saído
da cabeça de seus tecnocratas, sem sequer enviar seu projeto à
Assembleia Estadual, o governo diz que são os alunos que "não querem
dialogar". Enquanto manda sua polícia prender alunos, espancar
professores e receber adolescentes com spray de pimenta, ele afirma que
os manifestantes são violentos. Neste exato momento em que você lê este
jornal, há alunos sendo tratados pela polícia como criminosos por se
recusarem a aceitar a "reformulação" de suas escolas. Mas temo que nada
disso irá realmente sensibilizar muita gente. Para um certo setor da
população paulistana, como bem disse Jean Wyllys, fechar a Paulista é
mais preocupante do que fechar escolas.
Como não poderia deixar de faltar,
sobrou também para as universidades paulistas: "Não há nada mais
corporativo do que a USP, Unicamp e Unesp", disse nosso governador nesta
semana, talvez com medo dos professores universitários começarem
campanhas para se solidarizar com os estudantes. Ou seja, se a situação
das universidades de São Paulo é deplorável, não é porque elas
triplicaram de tamanho com a mesma dotação orçamentária, nem porque seu
partido impôs um reitor à USP que foi capaz de produzir déficits
bilionários. A culpa, é claro, só poderia ser do "corporativismo" que
não enxerga o maravilhoso trabalho de melhoria da educação pública feito
por seus tecnocratas no Tucanistão. O filósofo dinamarquês Søren
Kierkegaard costumava dizer que o pior defeito do ser humano é a
transferência de responsabilidade. Meditemos.
Se me permitirem, gostaria apenas de
lembrar ao governador que há sim algo mais corporativo do que nossas
universidades. Basta que ele olhe para dentro de seu palácio de governo.
Afinal, não seria seu partido algo mais parecido a uma corporação que
acredita ter o direito censitário e eterno de nos governar sem nunca ter
que ouvir, abrir a circulação efetiva de informações, responder por
suas decisões equivocadas e rever processos a partir da pressão da
população? Bem, mas para quem vê o Estado de São Paulo como um cafezal,
as práticas de governo são outras. "
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