Sobre jornalismos, gongorismos e cinismos

Renato Dalto, rsurgente

Bombou esta semana a capa do jornal Estado de Minas mancheteando que era sujeira pra todo lado e finalizando com a pergunta: “Que país é este?” Também circulou pela rede a dita cuja, como exemplo de jornalismo bom, ousado e coisas do gênero. Desde os tempos da faculdade, e até antes disso, sempre aprendi o óbvio: jornalismo é noticia. Mais: bom jornalismo é o que traz a notícia nova ou traz a noticia velha com outra cara, com outro olhar, com uma interpretação do fato. Mas parece que jornalismo e fato são seres de planetas estranhos que poucas vezes se encontram. Ou, o que é pior: o fato de uma única versão, o jornalismo que joga só para um lado e que julga, culpa, denuncia muito antes da justiça. Certa vez o professor Ruy Carlos Ostermann, numa palestra, revelou uma preocupação: é que toda vez que entrava numa redação de jornal ela estava cheia de gente. O professor Ruy era de um outro tempo: repórteres na rua, portanto redação vazia.

Pois o vazio agora parece em outro lugar. É nas ideias mesmo. Na falta de apropriação do fato vale sempre o jogo de palavras. Lembro que por aqui, certa vez, um certo diretor de redação vindo de São Paulo escreveu o perfil dos presidenciáveis sem entrevistá-los, com textos que eram uma aula de estilo gongórico, frases sinuosas e conclusão nenhuma. Afinal, de que vale a reta se a curva pode levar a lugar nenhum?

Pois bem, a capa do Estado de Minas fala da lama e pergunta. Poderia começar respondendo de onde vem a lama da barragem de Mariana, que atende pela memória da famosa Vale, privatizada no governo de FHC a preço vil, sob a qual pairam muitas dúvidas, nenhuma apuração e nenhuma responsabilidade. Mas, enfim, com uma capa dessas o jornalismo talvez não precise de memória. O leitor também não.

Mas enfim, são esses os tempos. A sinuosidade do verbo se sobrepõe ao fato. Esses tempos, na séria Oficio em Cena, da Globo News, conduzido pela competente Bianca Ramoneda, apareceu um entrevistado: Pedro Bial. Aquele que construiu um texto ode à queda do Muro de Berlim, mas que também usa seu texto bem articulado para odes aos heróis do Big Brother. É apenas a personificação até onde a palavra sem compromisso pode chegar. Enfim, cinismo não dá manchete mas garante emprego.

Do dito jornal e sua capa, bebida na fonte do extinto Jornal da Tarde, há os parnasianos de plantão batendo palmas: a forma pela forma superou a noticia. E como o Jornal da Tarde entrou na história, sempre lembro uma capa do dia em que Jânio Quadros venceu a eleição para a prefeitura de São Paulo. A foto mostra a expressão tresloucada do novo prefeito e seus olhos revirados. A manchete diz: “É isso aí”. Bebendo nessa fonte, quando daqui a algum tempo nos perguntarem como era o jornalismo desta época, talvez seja bom mostrar a capa sem fato, sem noticia mas com uma boa estética e chamadas atrativas. Alguém talvez pergunte pela noticia. E aí a resposta já está pronta na chamada do JT: É isso aí.

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