Uma barreira de policiais militares separa a rua dos muros da Escola
Estadual Fernão Dias Paes, em Pinheiros, zona oeste de São Paulo.
Ocupada por estudantes, a maioria adolescentes, desde a manhã de
terça-feira (10/11), a escola está isolada por fileiras de carros da PM,
motos da Ronda Ostensiva de Apoio de Motocicletas (Rocam), homens da
Força Tática e soldados da Polícia Militar armados. Do lado de dentro,
alunos se revezam em vigília, cozinham e limpam o “Fernão”. Nada foi
depredado.
Na tarde de ontem (12/11), um oficial de justiça, acompanhado de um
promotor do estado, encaminhou aos estudantes uma intimação para que
compareçam à audiência de conciliação, que será realizada na 5a Vara da
Fazenda Pública, no Fórum Central de São Paulo. Estarão presentes uma
comissão de estudantes da Fernão Dias Paes, o juiz, advogados e um
representante do governo do estado. Os adolescentes devem apresentar uma
pauta de reivindicações e discutir a proposta. Caso não haja acordo, a
reintegração de posse, cujo mandado está nas mãos dos alunos, se dará a
partir de 24 horas da audiência de reconciliação.
“Na audiência de conciliação o juiz poderá determinar a suspensão
dessa reorganização do sistema educacional do Estado de São Paulo até
que sejam feitas diversas consultas públicas e sejam esclarecidas não só
aos estudantes, mas aos pais, à sociedade, aos professores, o impacto
da proposta”, explica Rildo Marques de Oliveira, presidente do Conselho
Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (Condepe).
A falta de escuta e diálogo do governo do Estado de São Paulo é a
principal reclamação dos estudantes. “Querem tratar um assunto político
como assunto jurídico, nos tratando como criminosos por estarmos aqui
lutando por algo que é de direito, uma educação melhor”, declarou um dos
alunos que ocupam a escola.
Eles pedem que as medidas de reorganização escolar sejam amplamente
discutidas com a população e não se baseiem em evidências burocráticas
de espaços vazios. Para eles, a escola é mais do que a taxa de espaço
ocioso. Faz parte da formação enquanto indivíduos, o que vai bem além do
ciclo único. A secretaria alega que ofereceu transporte para os alunos
se reunirem com representantes do governo. Os estudantes não aceitaram
sair da escola.
De acordo com levantamento da Secretaria Estadual de Educação, a
Escola Estadual Fernão Dias Paes tem 702 vagas e 26% de espaço ocioso. A
nova proposta determina que apenas o Ensino Médio se mantenha no
estabelecimento de ensino, recebendo 332 novos estudantes. Os 213 alunos
dos anos finais do Ensino Fundamental da Fernão Dias Paes serão
remanejados para a Escola Estadual Deputado Godofredo Furtado, a 1,5km
de distância, que atenderá apenas o Ensino Fundamental. O projeto de
Geraldo Alckmin prevê o fechamento de 94 escolas e a transferência de
cerca de 311 mil estudantes para instituições de ensino na região onde
moram.
A “Fernão”, apelido carinhoso cunhado pelos estudantes, existe desde
1947. Ex-alunos lembram da árvore plantada diante do colégio nos anos
1950, do forte grêmio estudantil que enfrentou a ditadura (o que levou o
“professor Leonardo, de História” a ser demitido quando apoiou o
movimento), da professora Clélia, de Português, “brava mas ótima”, dos
jogos de vôlei e basquete, da bolinha de gude no pátio, dos beijos
roubados no corredor e das vezes em que tiveram que pular o muro para
não perder aula. É uma escola que marca quem passa por ela e deixa
saudade. “Bons tempos”, dizem muitos.
Mas os tempos de agora parecem lembrar mais o bandeirante Fernão Dias
Paes, que escravizou cerca de 5 mil indígenas no século XVII e enforcou
o próprio filho, que se rebelou contra o pai, a título de exemplo para
os homens da Bandeira Esmeralda, que chefiava.
Os pais dos atuais alunos que ocupam a Fernão, muito ao contrário do
bandeirante, se emocionam ao falar da força dos meninos e meninas
acampados na escola. “Estou aqui para apoiá-los. A conquista política já
aconteceu”, afirmou um deles, que não quis se identificar, e esteve
todas as noites diante da escola acompanhando a filha. “Sinto orgulho”,
disse, de olhos marejados.
Para Mauro de Oliveira Borges, pai de Cauê, 16 anos, aluno de uma
escola particular que participa da ocupação, é preciso escutar os
estudantes. “Fechar escolas em um país em que faltam escolas é um ato
contraditório. A paixão da juventude é que move o mundo.”
A mãe do Tales, que fez 17 anos ontem, enviou um texto de apoio ao
filho. “Fico muito feliz de ele estar hoje na luta na ocupação Fernão
Dias. Me dá a sensação de que alguma coisa eu fiz certo e me dá
esperança de um futuro melhor.”
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