O jumento, a mandioca e os burros

Fernando Brito, Tijolaço 

A mídia faz “graça” com o comentário de Katia Abreu sobre o interesse chinês em importar jumentos do Brasil.

Claro, é piada pronta para os comentários burros.

Como sempre, a informação fica fora do jornalismo de gracinhas, de curiosidades.

Não se diz, por exemplo, que o interesse não é novo, existe há anos.
Nem que o destino dos bichinhos é o fornecimento de carne. Se não faz parte da nossa cultura, o consumo de carne de equinos é forte tradição  Europa – sobretudo na  civilizadíssima França – e na Ásia.

Há muitos anos o Brasil exporta carne de cavalo e, por não ter criação comercial com este fim, perdeu mercado na Europa, mas já foi o quarto maior exportador, mesmo operando só com o descarte de animais.

Se os jumentos devem ou não ser consumidos como alimento é outra discussão, embora eu não veja porque eles sejam “mais humanos” do que bois, frangos, porcos ou carneiros. A menos que seja, como é direito ser, vegetariano.

Aliás, segunda-feira, o STF conceder  liminar favorável a um promotor que estava sofrendo perseguições por defender o consumo de carne de jumento no Rio Grande do Norte, onde o abandono destes animais virou um problema.
Estou tratando disso porque me passou, algum tempo atrás, a oportunidade de comentar a reação imbecil da mídia e da classe média imbecilizada que ela produziu sobre a menção da Presidenta Dilma Rousseff à importância da mandioca.

Ficaram na gracinha, de óbvia e primária conotação sexual – aliás, que pretensão! – e não se viu um jornal fazer uma matéria sequer sobre a importância e o potencial da cultura da mandioca.

É, simplesmente, a segunda maior cultura agrícola do mundo entre tubérculos e tuberosas, o que inclui a cenoura e a beterraba. Perde apenas para a batata que, como ela, saiu das Américas para alimentar o mundo. Eram “só”  230 milhões de toneladas produzidas em 2010.

E, embora seja um dos plantios mais disseminados no país e um dos cultivos socialmente mais importantes, é absolutamente desprezada em nossas políticas agrícolas. A África, que tem fome, e a Indonésia e Tailândia, que a transformam em ração animal, são os maiores responsáveis por este crescimento.

Nós, embora ainda sejamos o segundo país produtor, paramos no tempo.

Em 1970, um terço da produção mundial de mandioca, então de 99 milhões de toneladas, era brasileira.

E, 2010, apenas 10,7% daqueles 230 milhões de toneladas.
Um estudo da Secretaria de Agricultura do Paraná – não, mandioca não é coisa de nordestino, apenas –  diagnosticava que “a substituição do consumo de mandioca pelas rações balanceadas na suinocultura, a mudança nos hábitos alimentares como maior demanda pelos produtos do trigo, a competição de culturas mais rentáveis e de menor ciclo e a falta de mão-de-obra, certamente estão impactando para a estagnação ou até mesmo redução (do plantio) em alguns estados.

Mas a idiotia que tomou conta da mídia – e, a partir dela, das mídias sociais, que a reproduzem e explicitam as intenções – preferiu ficar nas palhaçadas sexistas.

Não se consegue pensar nada fora dos valores e modelos de sua Manhattan Connection mental. Ou hoje já seria Miami Connection?

Daí, com a nota sobre os jumentos, resolvi falar dos burros.

Não, claro, daqueles simpáticos animais que trabalham tanto. Dos de duas patas."

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