Miriam Leitão e a balcanização partidária do Brasil


Fábio de Oliveira Ribeiro, GGN

"Entender o que se passa no Brasil nos últimos anos não é algo fácil. Analistas políticos de direita simplificam a derrocada da oposição culpando o Bolsa Família. Ideólogos de esquerda projetam o passado no presente do país, especulando sobre golpes planejados com ou sem ajuda da CIA. Telejornalistas que vivem num universo totalmente apartado do cotidiano da maioria da população inventam explicações esquemáticas e até exotéricas para a maneira como o povo vota.

A atitude dos partidos derrotados nas últimas eleições presidenciais é risível e de certa maneira esquizofrenica: candidatos que perderam  eleições se comportam como se fossem governantes e tentam empurrar o governo para a oposição. A politização exagerada do Judiciário em detrimento de suas funções institucionais é, sem dúvida alguma, um fator de complicação. A insistência da imprensa de impor à nação sua agenda política, de criminalizar o PT, Lula e Dilma Rousseff e de se elevar à condição de STM (Supremo Tribunal do Moralismo) já está colocando em risco até mesmo os direitos e garantias individuais dos réus nos processos como bem observou um colega notável aqui no GGN (A mídia está substituindo o juiz no ato de julgar, denuncia Mariz).

O Brasil, contudo, segue em frente. O sucesso financeiro e tecnológico da Petrobras, os recordes de produção do Pré-Sal deveriam ser considerados indicadores de um futuro brilhante, mas os telejornalistas seguem irritando o respeitável público com denúncias cotidianamente requentadas, sempre contra o governo (raramente contra a oposição igualmente implicada no escandalo da Lava Jato). Um criminoso foi transformado em heróico delator profissional e a celebridade do momento é um  Juiz Federal que parece gostar mais do espetáculo do que de cumprir suas obrigações funcionais (dentre as quais a de se desviar da notoriedade fácil).

As finanças do país estão em dia, as reservas internacionais e moedas consideradas fortes garantem a solidez dos fundamentos da economia brasileira. A inflação é moderada e a taxa de desemprego  baixa não correspondem à imagem do país afundando artificialmente divulgada pelos jornalistas e telejornalistas. A própria imprensa é que parece estar afundando numa crise de identidade.  Os especialistas em comunicação não se dão mais ao trabalho de observar o país que apresentam ao respeitável público, eles se transformaram em caixas de ressonância de uma oposição frustrada que não tem nada a oferecer aos brasileiros além de aulas de como bater panelas https://www.facebook.com/aloysionunes/videos/896707770370959/ . Poucas panelas foram maltratadas para desespero do Senador e dos jornalistas que cobriram com grande intensidade emocional o fiasco do “panelaço”.
A falta de foco dos jornalistas é evidente. O discurso deles está em algum lugar entre a sonolência e a decadência ideologizada. Isto explica o sucesso dos blogues e a queda acentuada da pontuação no IBOPE do tradicional Jornal Nacional. As tiragens das revistas e dos jornais impressos também estão em queda, em parte por causa da internet. Os jornalistas, sempre eloquentes ao apontar a estupidez dos políticos (especialmente se eles forem do PT) não conseguem entender a razão da existência de um abismo entre a “opinião pública” (aquela que é consolidada pelo resultado das eleições presidenciais) e a “opinião publicada” por eles em favor dos derrotados nas urnas.

Não há perigo de ruptura. Verdade. O perigo talvez seja o de balcanização. Por isto vou recorrer ao grande Eric Hobsbawm para tentar entender e explicar o Brasil tal como o vejo. Diz o historiador:

“Precisamos distinguir entre os dois significados do termo ‘Estado nacional’. No sentido tradicional, refere-se a um Estado territorial sobre o qual o povo que nele vive, a Nação, tem um poder soberano. Este é o sentido do Estado nacional que surgiu com a Revolução Francesa e, em parte, com a Revolução Americana. Trata-se de uma definição política, e não étnica ou linguística, do Estado: é um povo que escolhe seu governo e decide viver sob determinada Constituição e determinadas leis.

Em comparação, o outro significado do termo é muito mais recente e consiste na ideia de que todo Estado territorial pertence a um povo específico, definido por determinadas características étnicas, linguísticas e culturais  - e que isso constitui a Nação. Segundo essa ideia, apenas a Nação pertence ao Estado nacional, e todos os outros não passam de minorias que, embora vivam no mesmo local, não fazem parte da Nação.

Ambos os tipos de Estado nacional estão em crise, mas é fundamental estabelecer uma distinção entre eles. O que vemos na Iugoslávia é o colapso de um Estado no qual coexistem várias nações no sentido étnico, cada qual empenhada em negar às outras seus direitos de cidadania.” (O Novo Seculo - entrevista a Antonio Polito, Companhia das Letras, São Paulo, 2014, p. 27)
O fenômeno referido por Hobsbawm (a balcanização étnica) seguiu uma direção ainda mais terrível no Oriente Médio, onde as aventuras políticas e militares dos EUA resultaram na criação de um Estado Islamico. Neste a Nação se define não por etnia ou adesão política e sim pelo pertencimento a uma versão política e intolerante do islamismo. Todos os que não pertencem à nova matriz nacional podem ser mortos e, eventualmente, decapitados diante das câmeras de TV. Os tesouros arquitetonicos e artísticos das civilizações antigas que existiram naquele território antes do surgimento do Estado Islamico tem sido sumariamente destruídos. Estes objetos não tem qualquer valor no presente ou no futuro da nova nação islâmica.

No Brasil a balcanização não segue uma direção étnica, nem religiosa e sim partidária. Tudo que não espelhe o “ideal tucano” de governança (o que quer que isto signifique, pois FHC quebrou o Brasil três vezes e Geraldo Alckmin deixou os paulistas sem água) é sumariamente rejeitado pela mídia. Alguns jornalistas não escondem que desejam destruir o PT, outros falam em “despetização” do Estado como se os Senadores e Deputados da oposição tivessem “mais direito” ao mesmo do que os petistas eleitos pelo povo brasileiro.

O perigo da balcanização partidária do país existe. De fato, o fenômeno é diariamente fomentado pela imprensa. Há alguns dias, por exemplo, Mirian Leitão acusou Dilma Rousseff de estar “aparelhando o STF”. Vários jornalistas fizeram coro e forçaram o candidato indicado pela Presidenta à vaga no STF a suportar uma verdadeira tortura no Senado Federal. Curiosamente, nem Mirian Leitão nem seus colegas acusaram FHC de ter "tucanizado" o STF quando ele, então Presidente, indicou vários dos membros daquela Corte.

É evidente que a imprensa não tem qualquer compromisso com a normalidade constitucional. A balcanização partidária do país é a ante-sala da violência política? O princípio de uma “solução final”, do extermínio físico dos petistas? E se os petistas começarem a se armar para reagir à ameaça crível de violência? O desejo frustrado de domínio dos sérvios implodiu a Iugoslávia. O desejo frustrado de império dos tucanos pode implodir o Brasil, principalmente porque em nosso país a imprensa é altamente concentrada.

O Brasil está longe de ser um Estado falido, mas o perigo existe. Afinal, aqueles que apostam na falência do regime constitucional seguem instigando ódios partidários diariamente. Um rompimento da legalidade colocará em risco a unidade territorial do país e fomentará a guerra civil entre os brasileiros de diversas orientações partidárias, políticas e ideológicas. Os prejuízos para a indústria, comércio e arrecadação de impostos serão catastróficos alimentando um ciclo de violência que pode durar décadas.

A quem compete interromper a balcanização partidária do Brasil? Ao TSE, que deve começar a analisar com seriedade a possibilidade de punir os partidos da oposição que fomentam o ódio ao PT. O próprio governo não pode se furtar à sua responsabilidade de quebrar a dinâmica jornalístico-partidária mediante a regulação e democratização da imprensa. Se nada for feito o ódio explodirá nas ruas e depois que isto ocorrer, nem mesmo as Forças Armadas poderão salvar o país, seu povo e a nossa economia."

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