Porto do Rio de Janeiro: muitos empresários subfaturam exportações, causando prejuízos bilionários ao País |
André Barrocal, CartaCapital
O Brasil vive um drama orçamentário, com o governo a propor a volta da CPMF para fechar as contas do ano que vem sem ter de cortar programas sociais
como Bolsa Família ou subsídios à moradia popular (Minha Casa Minha
Vida) e a universitários pobres (Fies). É um problema que beira o
incompreensível, diante da revelação de certos hábitos do empresariado local capazes de desfalcar os cofres públicos em bilhões.
Na década compreendida entre 2003 e 2012, o Brasil foi
ponto de partida de um fluxo financeiro ilícito de 217 bilhões de
dólares, uma média anual de 21 bilhões. Este fluxo abrange dinheiro de
corrupção e tráfico de drogas, entre outros crimes. A maior parte (cerca
de 80%, ou 172 bilhões de dólares), contudo, resulta de procedimentos
adotados por empresas para pagar menos impostos e disfarçar evasão de
divisas. Casos mais comuns: subfaturar exportações e superfaturar
importações.
Quase metade da movimentação ilícito total se deu entre
2010 e 2012. Foram 100 bilhões de dólares no período, uma média de 33
bilhões anuais. Pelo câmbio atual, seriam 130 bilhões de reais por ano, o
dobro do problema orçamentário de 2016. O projeto de orçamento foi ao
Congresso com um rombo de 30 bilhões de reais, mas o governo espera
reverter sua própria proposta e obter uma sobra de 34 bilhões.
Os valores do fluxo financeiro ilícito brasileiro foram
estimados por uma entidade chamada Global Financial Integrity (GFI), ou
Integridade Financeira Global, em tradução literal. Trata-se de um think tank,
uma “usina de ideias” financiada pela Fundação Ford e localizada em
Washington, a capital do Estados Unidos. Seu propósito é
auto-explicativo pelo nome.
Os dados constam de um estudo feito em 2014 pelo
economista-chefe da GFI, Dev Kar, um indiano com 32 anos de Fundo
Monetário Internacional (FMI) no currículo. Foram calculados a partir de
dados do Banco Mundial (Bird). E fazem parte de um livro lançado na
terça-feira 22, a reunir estudos semelhantes sobre a situação na Índia,
no México, na Rússia e nas Filipinas.
Os cinco protagonistas do livro estão entre os
principais pontos de partida do fluxo financeiro ilícito no período de
2003 a 2012, segundo a GFI. Em um ranking de 145 países, a Rússia é o
segundo (973 bilhões de dólares), o México é o terceiro (514 bilhões), a
Índia é o quarto (439 bilhões), o Brasil é o sétimo (217 bilhões) e as
Filipinas, a 15ª (93 bilhões).
“O subfaturamento de exportações é o mecanismo
mais usado pelos empresários brasileiros para transferir capital para o
exterior ilicitamente”, diz o estudo de 2014. As firmas vendem para o
exterior com preço abaixo dos valores de mercado “para reduzir o lucro
que declaram no Brasil”. E fazem isso “geralmente com base em um acordo
tácito com o importador no sentido de que ele remeta o valor restante
para uma conta offshore [no exterior] controlada pelo titular da empresa”.
Alguns estudos indicam que subfaturar exportação é
um meio de a empresa ter patrimônio em um paraíso fiscal para
investi-lo posteriormente nela mesma no Brasil. Este investimento
disfarçado de investimento estrangeiro proporcionaria novos prejuízos
aos cofres públicos: aumento da dívida externa e geração de gastos nas
companhias que podem ser abatidos da tributação delas.
O superfaturamento de importações serve ao mesmo
objetivo. Pagar por um importado acima do valor de mercado permite às
firmas manter uma reserva financeira em paraíso fiscais.
De 1960 a 2012, a GFI estima que o fluxo
financeiro ilícito a partir do Brasil tenha atingido 400 bilhões de
dólares. Deste total, as manobras das empresas em transações de comércio
exterior representaram de 80% do total.
“Temos observado, há muitos anos, uma hesitação
por parte do Brasil em atacar, efetivamente, problemas relacionados à
fuga de capitais e a saídas ilícitas de recursos do país”, afirma a GFI,
a destacar que o País deveria apertar as multinacionais. “O governo
deve fazer muito mais para combater tanto o subfaturamento de
exportações como o superfaturamento de importações, adotando,
proativamente, medidas dissuasivas adicionais em vez de punições
retroativas.”
Em seu estudo, a entidade faz algumas sugestões
para o governo coibir o fluxo financeiro ilícito. Aprovar lei
criminalizadora do subfaturamento de exportações e superfaturamento de
importações. Obrigar exportadores e importadores, inclusive seus
dirigentes, a assinar termos declarando que os valores de suas
transações são reais. Capacitar contradores e auditorias para vasculhar a
contabilidade de comércio exterior das companhias.
Diz ainda que o Brasil deveria seguir o exemplo
recente de Reino Unido e França e passar a exigir que as empresas
informem às autoridades o nome de todos os seus controladores pessoas
físicas e de titulares beneficiários. “Torna muito mais difícil a
lavagem de produtos de crimes e da corrupção, facilita muito a
identificação de relações ocultas entre parceiros comerciais e torna bem
menos onerosos os requisitos de vigilância de clientela por parte de
bancos”, afirma.
Com tal potencial arrecadatório inexplorado,
resta a perplexidade entre observadores do debate orçamentário
atualmente em curso no País. “As grandes empresas, principalmente as
multinacionais, se aproveitam de uma arquitetura global que permite uma
série de manobras e fazem evasão de divisas”, diz Grazielle David, do
Instituto de Estudos Sócioeconômicos (Inesc). “E com essa evasão, a
conta vai sobrar para alguém: os pobres e a classe média.”
Comentários