Fernando Brito, Tijolaço
Tempos atrás, Saul Leblon, na Carta maior, relembrava
que Sergio Buarque de Holanda antevia, em 1936, “as raízes de um Brasil
insulado em elites indiferentes ao destino coletivo”, onde o engenho
“era um Estado paralelo ao mundo colonial”.
O artigo de Luiz Gonzaga Beluzzo, na Carta Capital, faz uma reflexão amarga sobre a ressurgência deste sentimento, quase um apartheid atávico, que nos retira ainda a condição de nação, porque é uma partição interna própria das colônias esta falta de identidade.
Os “dois Brasis”, a “Belíndia”, o “Primo Rico e o Primo
Pobre”, o “horror a pobre” podem ser balelas na economia, mas são
realidade nas superestruturas ideológicas da sociedade brasileira. E
isso contamina, com me ensina o mestre Nílson Lage, até mesmo parte de
sua pseudo-esquerda, mesmo diante dos perigos de ruptura da trajetória
democrática e inclusiva recente, acha que se deve cuidar das pequenas
vitória das “minorias”, enquanto a maioria se arrebenta.
Luiz Gonzaga Beluzzo, Carta Capital
Um grande e velho amigo tem o hábito de estender a mão,
cumprimentar e conversar com os funcionários ao chegar à sua empresa.
Pergunta pela família, quer saber dos filhos, os pequenos, os
adolescentes e os crescidos. Brinca com os torcedores adversários nas
derrotas de seus times e até mesmo ironiza os fanáticos da sua banda
futebolística.
Numa dessas, estendeu a mão para
cumprimentar o jardineiro recém-chegado. Ele cuidava das orquídeas e
bromélias espalhadas à frente do edifício da diretoria. Diante da mão
estendida, o jardineiro mostrou as mãos sujas de terra e sacudiu os
braços em um gesto de frustração. Meu amigo não desistiu: abraçou o
artesão da natureza. O trabalhador ficou surpreso e no almoço com os
companheiros não se cansava de dizer: nunca havia sido tratado “dessa
maneira”.
“Essa maneira” revela
muito mais do que um abraço. O abraço e seu reconhecimento, mais o
reconhecimento do que o abraço, revelam as entranhas de um certo Brasil.
Os habitantes desse país dentro do País não veem as pessoas. As
pessoas, gente, humanos, eles e elas, aqueles que começaram a aparecer
nos aeroportos, nos supermercados, nos shopping centers, percebem que os
de cima sentem que “eles não são o que nós somos”. Não conseguem
reconhecer o outro. Convivem no mesmo território, mas não frequentam a
mesma sociedade. Querem dizer: eles não são nossos semelhantes. São
nossos servidores.
Na onda de louvação das virtudes do
mundo globalizado, a rejeição ao “nacional” atingiu camadas profundas
das almas excelentes. A nova rejeição é mais profunda porque, de forma
devastadora, erodiu os sentimentos de pertinência à mesma comunidade de
destino, suscitando processos subjetivos de diferenciação e
desidentificação em relação aos “outros”, ou seja, à massa de pobres e
miseráveis que “infesta” o País. E essa desidentificação vem assumindo
cada vez mais as feições de um individualismo agressivo e
antirrepublicano.
A rejeição também foi mais ampla porque essas formas
de consciência social contaminaram vastas camadas das classes médias:
desde os “novos” proprietários, passando pelos quadros técnicos
intermediários até chegar aos executivos assalariados e à nova
intelectualidade formada em universidades estrangeiras ou mesmo em
escolas locais que se esmeram em reproduzir os valores do individualismo
agressivo. Isso para não falar do papel avassalador da mídia.
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