O “nada a ver” da crise e a escolha de Dilma, por André Singer


Fernando Brito, Tijolaço 

"André Singer, na Folha de hoje, tenta jogar um pouco de racionalidade nos inexistentes impasses da política brasileira, totalmente contaminada pelo clima de “derrubem o Governo” que, a rigor, a tem dominado desde que não se aceitou o resultado eleitoral de outubro passado.

É este o centro das questões, para qual confluem, caudalosamente, com suas águas fétidas, a Lava Jato, as “pedaladas”  fiscais (que não eram, mas providencialmente passaram a ser “ilegais”,  a estrepolias achacadoras de Eduardo Cunha (que não podem espantar ninguém que conheça miseravelmente a política do Congresso) e, até mesmo, as sombras das relações de José Dirceu com suas consultorias empresariais.


Nada, a rigor, é novo. E nada, portanto, faz sentido apontar como raiz da crise, embora hoje tudo possa servir de estopim.

A Presidenta tem toda a razão em dizer que nada pode tirar a legitimidade dos votos que recebeu para ser conduzida ao mais alto cargo da Nação. Nada, a não ser  deixar de representar os sentimentos dos eleitores que o fizeram e ser aquilo que não é e que seus adversários desejam que seja.

Samba da política  doida
André Singer

Acontece sempre que a sociedade perde a direção e não ia ser diferente desta vez: o mundo político começa a produzir um festival de bizarrices. Observe-se.
Três semanas atrás, Eduardo Cunha foi acusado, no contexto da Lava Jato, de ter exigido e recebido propina de 5 milhões de dólares. Em resposta, decide romper com a presidente da República. O que uma coisa tem com a outra?

Nada. Dilma Rousseff não controla a Justiça, o Ministério Público nem a Polícia Federal. Cunha sabe. Trata-se de manobra diversionista. Para encobrir a grave denúncia que o atinge, joga o foco sobre o impeachment de Dilma, o qual se dedica a preparar com base na possível rejeição pelo Tribunal de Contas da União (TCU) das contas de 2014.

Na quarta (5), o vice-presidente da República chama a imprensa e reconhece que a situação é “grave” porque em reunião com as lideranças dos partidos governistas não conseguiu acordo a respeito dos salários de servidores da Advocacia-Geral da União (AGU), de procuradores e de delegados. Michel Temer aproveita a oportunidade para indiretamente se oferecer como alternativa para reunificar a nação. O que a unidade nacional tem a ver com a PEC 443?

Nada. O Brasil precisa se unir para bloquear o aumento de alguns funcionários públicos? É esse o projeto em torno do qual devemos nos congregar? Aliás, ao redor do que o país está dividido, mesmo? Ah, não, desculpe, foi só o jeito de avisar que, caso a loucura metódica do Cunha der certo, posso assumir a Presidência.

No dia seguinte, diante do movimento de Temer, a fração aecista do PSDB apressa-se a mudar de posição e abandona o impeachment liderado por Cunha. 

Resolve conclamar a população a marchar pela realização imediata de novas eleições. O que a unificação nacional para combater o movimento dos empregados da AGU tem a ver com a aprovação das contas de Dilma?

Nada. Ocorre que se houver impeachment da presidente e Temer assumir, em 2018 Alckmin e Serra vão disputar, dentro do PSDB, a vaga de candidato com Aécio. Mas se o TSE cassar a chapa Dilma e Michel, convocando-se pleito agora, Aécio teria a seu favor o recall da eleição presidencial recém-disputada e o fato de que Alckmin precisaria renunciar ao governo de São Paulo.

Enquanto evolui em Brasília o enredo amalucado dos políticos profissionais, sugiro a Dilma ler a excelente entrevista do economista da Unicamp Pedro Paulo Zahluth Bastos no “Valor” (6/8, aqui, no GGN). A economia só sai do baixo-astral com medidas anticíclicas, diz o colega. Se for para cair, caia pelos bons motivos, presidente. Não por tentar cumprir o programa completo do seu adversário do ano passado."

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