'A crise acaba quando Lula aparecer preso em Veja'


"O escritor, jornalista e dramaturgo Mário Prata criou uma imagem de impacto para resumir a crise política atual; segundo ele, o clima de ódio só será superado se e quando o ex-presidente Lula aparecer preso e algemado, numa capa da revista Veja; "O que vai acontecer? A situação atual é a seguinte: não tem crise política, não tem crise econômica, tem crise do ódio. Vai acabar no dia em que sair a foto na capa da Veja do Lula algemado entrando no camburão. Na segunda-feira, no dia seguinte, todos os empregados que foram demitidos vão ser readmitidos, o dólar vai cair, o mundo inteiro vai investir no Brasil, o Brasil vai voltar a jogar futebol bem, vai acabar tudo. Pode marcar com a Alemanha lá na Alemanha. Vamos dar de sete neles" ironiza Prata, em entrevista ao jornalista Alex Solnik; leia a íntegra

Alex Solnik, Brasil 247

Autor de best-sellers como “O Diário de um magro” – primeiro lugar na lista dos mais vendidos durante um ano – o escritor, jornalista, dramaturgo e autor de novelas Mário Prata diz, a respeito da situação nacional que “tudo isso daí é para prender o Lula” e que “eles desistiram de derrubar a Dilma porque perceberam que se Dilma cair Lula vira oposição”. No dia seguinte ao da capa do título acima o país ficará tão bom, mas tão bom – segundo ele – que o Brasil vai ganhar da Alemanha de sete a um. Conversamos em dois dias seguidos, via Skype, eu em São Paulo, ele num spa de Sorocaba, a sessenta quilômetros daqui, onde se concentrava para os eventos de divulgação de seu livro mais recente “Mario Prata entrevista uns brasileiros”. Eu comecei: 

Prata!
Não estou te vendo.

A câmera quebrou. 
Que merda!

Mas você quer me ver para que? Eu estou feio. Você é que está bonito. Está fazendo tratamento?
Hein?

Teu rosto está lisinho, você se parece com aquele cara que jogava pingue-pongue comigo lá na Economia, em São Paulo, em 1968, em vez de assistir aula.
Eu estou rejuvenescendo. Tem médico querendo fazer estudo...

Sobre você?
É... Você sabe que, há dois anos, o Abujamra comemorou dez anos do programa dele e o programa dele surgiu de um... como é que chama isso? Piloto... Ele chamou eu e o Gaiarsa num canto da TV Cultura, escrito Provocações atrás, pôs umas cadeiras que pegou no escritório e gravou, não só gravou como pôs no ar, foi o programa número um. E aí, quando o programa fez dez anos, ele teve o carinho - só o Abujamra para fazer essas coisas - ele fez uma cópia e mandou para mim. Dez anos depois. Eu estava assistindo e aí minha namorada na época entrou e perguntou: quando é que você foi nesse programa aí? Você não falou nada que você ia. Eu falei ah, tem dez anos. Como dez anos? Você está mais velho que agora! Eu comecei a olhar e eu estava mais velho mesmo, rapaz! Eu acho que é álcool e cigarro.

Ah, você está usando a fórmula álcool mais cigarro???
Sem álcool e sem cigarro. 

Agora, entendi.
Só maconha. 

Ah, sim.
Também não pode parar com tudo.

Claro, não. Mas isso é uma planta medicinal, é um remédio.
É remédio.

É uma planta medicinal.
“Mujica 200 miligramas”.

Os bandidos apreenderam essa planta medicinal para terem o controle exclusivo e carimbaram como ilegal em conluio com governos corruptos. Imagina se uma planta pode ser ilegal! É da natureza, como pode ser ilegal?! Por que é ilegal? Para eles terem o mercado reservado com o carimbo proibido. E aí, como está a vida?
É o seguinte: na última entrevista que eu dei para a Brasileiros eu mostrei uma foto na praia, da minha varanda e o filho da puta do Osmar Freitas Jr. fez uma matéria, do caralho, por sinal, dizendo que eu vivia nababescamente em Florianópolis. Filho da puta. Fodeu a minha vida. 

Quer dizer que você está nadando em dinheiro...
Escreveu que eu morava em mansão... pior é que eu não encontrei com ele para encher o saco dele...kkkkkkk.... nababescamente...
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“Muita gente se deu bem. Eu quase comi a Maçã Dourada”   
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Escuta, você está conseguindo sobreviver escrevendo?
Está difícil. 

Naquele tempo do pingue-pongue...
No Centro Acadêmico Visconde de Cairu...

Engraçado, porque era ditadura, mas tinha ao mesmo tempo um clima de liberdade... não é uma contradição? A liberdade sexual, por exemplo, era total.
Eu dei uma entrevista ao Roda Viva e aí tem um jornalista lá que faz perguntas sérias...

Esses são os mais engraçados.
Um release rodou por aí onde eu digo que a imprensa estava, além de mentirosa, muito mal-humorada, não tinha mais “porralouquice” na imprensa e perguntou porque eu falei isso. E foi legal porque até o Augusto Nunes reforçou minha opinião, falou que pô, na época da ditadura era mais divertido o jornal. Você pega, por exemplo, os quadrinhos da Folha, eu não entendo mais nada... antigamente tinha Rê Bordosa, Meia Oito, Piratas do Tietê... agora está uma coisa meio na penumbra...

O Angeli não está fazendo mais humor...aqueles desenhos dele não são humor...
Estão muito tristes! Estão tristes para caralho! Diz que ele está com depressão, coitado.  Mas... é uma tristeza! Você vai se divertir ali e é uma tristeza...

É humor... você pode estar com depressão, mas o leitor não está, ele quer rir. 
O humor não tem nada a ver com isso.

Se você é humorista tem que escrever coisas engraçadas, esteja deprimido ou não. Senão não te pagam. 
Porque eu faço humor... o meu humor... Quanto mais cansado eu estou, mais exausto, o meu humor é melhor, não sei porque. 

Mas é que você sempre foi um cara naturalmente engraçado. Você não se transforma num cara engraçado quando escreve, você sempre foi humorista desde aqueles tempos do pingue-pongue.
É normal, né?

É normal. O que eu estava lembrando também é que sempre se fala daquela ocupação da Maria Antônia (*) como um evento político, e de fato foi, foi uma demonstração de força dos estudantes, os estudantes nunca estiveram tão engajados, nunca tiveram um papel tão decisivo na política nacional, mas, ao mesmo tempo, aquilo foi uma ocupação dos tempos do amor livre, pré-Aids e muita gente se deu bem. Não sei se você...
Muita gente se deu bem. Eu quase comi a Maçã Dourada (**). 

Tá brincando!
Sério.

Como?
À noite a gente ficava lendo umas crônicas lá, lembra?

Lembro...
E ela foi lá, puxou conversa comigo, falou que adorava meus textos, queria ler mais textos meus...ela devia era querer me investigar. Mas eu não sabia. E ela deu uma dica de que poderia ir em casa para ler mais textos meus. E aí, acho que foi o Paulo de Tarso Wenceslau que falou assim “ó, o Zé Dirceu tá comendo”. Eu falei: então não vou mexer com isso, não.

Campo minado.
Mas eu dormia enrolado na bandeira do Brasil na sala do diretor, isso eu fiz.

Tinha toda aquela coisa de todo mundo dormir junto, todo mundo com a mesma causa, aquela juventude com a libido exacerbada...
Você falou a palavra certa: juventude.  A gente era muito mais jovem e fazia coisas para caralho. Eu, quando tinha 22 anos eu fazia a segurança do teatro que o CCC atacava... não sei se você fazia...

Lá no Ruth Escobar?
No Ruth. Ferro na mão e os atores atrás sendo aplaudidos e nós na frente com cara de bravos. Foi ali que eu comecei a conhecer artista, ator, diretor e fui virando autor de teatro.  Devo isso ao CCC. 

Foi aí que você escreveu “O Cordão Umbilical”?
Exatamente. Com 23 anos. Você pega os caras de 23 hoje, ninguém está fazendo porra nenhuma! Não sei o que os caras estão fazendo... estão na Bolsa ganhando dinheiro? Não surgiu ninguém em Cinema, em Artes Plásticas, na Música. Não aparece mais ninguém!

Floresceu na ditadura e não floresce na democracia.
Os jornais estão sérios para caralho! Não tem mais jornalista, tem articulista!

Você reparou que não tem nenhum jornal ou revista de humor nas bancas?
Nada!

Nenhum! Estou tentando reunir gente para fazer um jornal de humor, mas está difícil.
Muito bem lembrado! Jornal de humor. 

Não sei se porque não tem mais o Tarso de Castro...
Eu acho que tem! Se você pegar uns caras por aí novos, e até os da velha guarda... o Ziraldo, por exemplo, sempre topa...

Quem reapareceu outro dia foi o Luiz Carlos Maciel.
O Maciel? Desempregado, duro, pedindo dinheiro pela internet... ele não está mal?

Não! Tenho falado com ele. Ele está mal como estou eu, como está você... ele não está dormindo na rua.
Isso eu sei. Ele está sem uma grana fixa.

Lógico! Eu traduzi uma peça argentina e mandei para ele para ver se ele quer dirigir. “O amante do cassino”.
Bom título.
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“Quem me deu uma cantada um dia, convidou para jantar, e eu não reconheci – tenho testemunhas – foi a Sarita Montiel”
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Como você está vivendo? Os livros estão vendendo?
Livros, palestras, séries... eu ainda tenho uma coisa boa:  as editoras me adiantam dinheiro para eu escrever. Isso é que salva. E agora também com esse negócio de série para televisão...

Você está escrevendo para TV?
Não, tem uma produtora que está apaixonada por mim e tal... eu tenho umas ideias já, mas eu estou procurando... tem uma autora argentina que eu estou apaixonado, já filmaram cinco livros dela e eu estou tentando convencer minha produtora a fazer uma adaptação para o Brasil. Até o fim do ano devo fechar alguma coisa de série ou longa-metragem. Não posso reclamar ainda, não. Está como mais ou menos sempre foi. Tenho uma reservazinha... pequena... carro velho...

Então o Osmar estava certo... vida nababesca!
Nababesca o caralho! A parte boa é que estou namorando uma mulher maravilhosa, mas muito maravilhosa...

Isso não tem preço.
Ela está apaixonada...

Mas ela sabe quantos anos você tem? Kkkkk
Ela está com 34.

Mas ela sabe quantos anos você tem?
Ela falou que não tem o menor problema isso. Ela nem toca no assunto. O Fernando Henrique Cardoso está com uma de 37 e ele tem 84. Anthony Quinn... ela sabe de todos os velhos com namoradas novas... Mora em Curitiba. A namorada do Chico Buarque também mora em Curitiba.

O Beto Carrero dizia que na cama o que dá certo são os extremos... um cara velho com mulher nova...
E o carinha com a velha?

Aí não, aí já é golpe do baú... aquelas espanholas milionárias, carcomidas, que aparecem com namorado jovem...
Você sabe que quem me deu uma cantada um dia, convidou para jantar, e eu não reconheci – tenho testemunhas – foi a Sarita Montiel.

Não diga!
E estava muito gostosa! Isso tem uns vinte anos.

Mas você refugou?
Não, eu não reconheci. Ela estava com 60, mais ou menos. 

Sabe quem comia essa mulher? O Rei Juan Carlos, antes de ser rei.
É mesmo? Ela estava muito bonita ainda. Ela sentou ao meu lado numa peça de teatro - eu era convidado do Sergio Mamberti e ela do Raul Cortez. Era uma peça chamada “Drácula”. Uma hora ela levou um susto e segurou na minha mão. Linda, com tiara na cabeça. Mas como também estavam lá as 27 candidatas a Miss Brasil eu achei que ela era aquela mulher que cuidava das misses, quando eu escrevi “Estúpido Cupido” eu conversei muito com essas mulheres, eu achei que era uma daquelas. Fiquei quieto. Aí eu fui para o camarim e ela estava conversando com o Raul e o Serginho ia sair com essas misses todas para ir comer não sei aonde e me convidou. Aí o Raul Cortez me chamou de lado e falou “ela quer que você vá jantar com a gente”. Não falou o nome, falou “ela”. Aí eu pensei: eu estou com 27 gatinhas ali... falei: não, eu já combinei com o Serginho. Acabei não saindo nem com o Serginho. Dois dias depois saiu no jornal a foto dela lá no camarim com o Raul “quem foi assistir a peça foi a atriz Sarita Montiel”. Aí eu dei uma porrada na testa, fiquei puto. Ela já tinha ido embora. Não comi. Mas, Solnik... você não ia fazer uma entrevista comigo?

O que você acha que nós estamos fazendo até agora?
É tudo entrevista isso?

É lógico!
Não, nada disso é entrevista!

Claro que é!
Não... só falo sobre meu livro.
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“Não estou defendendo a Dilma, não, porque eu não votei nela nenhuma das quatro vezes”
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O que você está achando que vai acontecer?
O que vai acontecer? A situação atual é a seguinte: não tem crise política, não tem crise econômica, tem crise do ódio. Vai acabar no dia em que sair a foto na capa da Veja do Lula algemado entrando no camburão. Na segunda-feira, no dia seguinte, todos os empregados que foram demitidos vão ser readmitidos, o dólar vai cair, o mundo inteiro vai investir no Brasil, o Brasil vai voltar a jogar futebol bem, vai acabar tudo. Pode marcar com a Alemanha lá na Alemanha. Vamos dar de sete neles. É isso que eles querem e é isso que está acontecendo. Semana passada eu comprei uns negócios pela internet e eu não tinha ideia de como estava o dólar, o dólar estava a 4...

Não, está a 3 e 40 agora...
Uma semana atrás estava 3 e 1, só que nenhum jornal dá isso, quando chega perto de 4 eles dão, quando chega perto de 3 eles não dão, então vai tomar no cu! Não estou defendendo a Dilma, não, porque eu não votei nela nenhuma das quatro vezes. Não é isso, não. Mas, é claro, a situação não está tão maravilhosa quanto estava na época do Lula, final de Fernando Henrique, começo do Lula estava muito bom esse país. Tudo isso aí é para prender o Lula! Não é para tirar a Dilma, eles já desistiram de tirar a Dilma. Perceberam que se tirar a Dilma o Lula vira oposição. 

E ela aguenta o tranco até 2018?
Aguenta. É búlgara. É púcara búlgara.

Ah, é... “O Púcaro Búlgaro”, o livro do teu tio (***) ...  
Primo...Aguenta! Essa mulher é muito forte!

O Eduardo Cunha cai antes dela?
O pior já passou. Eu acho que esse cara vai dançar. Esse não tem força nenhuma, coitado. Esse cai. Se é que já não caiu e a gente não está sabendo. Mas essa entrevista que você vai fazer comigo hoje... você ouviu o que eu falei? 

Vamos falar de tudo... sobre o livro também...
Mas eu nem sei o que falei aqui para você...

Escuta, você está bem de filho, hein! Um deles pegou tua grife...
Tenho três filhos.

Mas na mídia só dois, né. Antônio e Maria. Só dá ela na Globo News agora.
Eu vou gravar o Jô quarta-feira e ela também. Eu num bloco e ela em outro. E no Roda Viva o Antônio estava lá fazendo perguntas. É covardia...

Os filhos educam os pais.
Eu estou aprendendo meu ofício de escritor perguntando muita coisa para o Antônio: onde você aprendeu isso? “Com você”. Ele trabalha muito o texto. Não chega a rebuscar. Eu falei para ele: eu não levava dois dias para escrever uma crônica. E ele: “às vezes ficava até três, ficava andando em casa para lá e para cá feito louco. Pensa que eu me esqueço?”

A gente esquece o que fez...
Você leu o último livro dele? “Nu de botas”.

Não.    
Você tem que ler. É sobre a primeira infância dele. Até os seis anos. É de cagar de rir! Eu sou protagonista. Quer dizer, coadjuvante. Protagonista é ele. Eu e a Marta somos coadjuvantes. E a Maria também. Ele conta umas histórias da gente sob o ponto de vista dele. A maior admiração que ele tinha pela Marta é que ela conseguia escovar os dentes e falar ao telefone ao mesmo tempo. Ele achava aquilo... minha mãe é uma “gênia”. Quando ele era menorzinho eu punha ele para dormir e ele ficava acordado para ouvir o barulho da minha máquina de escrever para dormir. É a certeza que tinha um adulto ali, não sei que. Tem uma porção de sacadas.
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“Eu estava assistindo a um jogo de futebol na televisão e numa hora de substituição de jogadores apareceu na tela “sai Nixon”, “entra Kennedy””
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Enovela? Nenhum plano?
Não tenho, nem quero ter. Não consigo. É o seguinte, bicho: quando eu escrevia novela, nos anos 70 e 80 eram vinte páginas cada capítulo. Hoje são 38, 40. Não dá.

Não dá para escrever sozinho, só com mais gente.
Acontece que eu não sei trabalhar em equipe. Eu trabalho sozinho há sessenta anos. No Bang-Bang eu trabalhava com seis pessoas, cada uma dizia uma coisa e eu não sabia o que fazer. Escrevi 30 capítulos – a Globo queria 25 até o dia da estreia – fui embora e minha equipe ficou, inclusive o Antônio. O Antônio está lá até hoje.  Ele foi fazer a Avenida Brasil e agora está com o João Emanuel de novo escrevendo a próxima... que vai entrar depois da Babilônia...o Antônio depois me explicou como é o esquema, assim até dá para trabalhar... eu não tinha ideia, eu ficava reunindo as pessoas para discutir e isso não leva a lugar algum. Tem que um só pensar e falar para os outros “escreve isso aqui”. É desse jeito. O autor mal escreve. O autor é o que menos escreve. É o que mais trabalha. Depois tem que reunir tudo, dar uma coordenada naquilo para dar uma unidade, mas ele não fica doze horas no computador, como um louco. Quando eram vinte páginas dava para fazer em oito, dez horas. Dava para fazer. Cansava, mas dava para fazer. Porque fazer sozinho é melhor, qualquer coisa, eu acho. Até sexo.

Sozinho???
Sexo, para mim, no máximo em dois. 

E o Tarso, hein?
Grande Tarso de Castro! Fizeram um livro sobre ele e pediram uma frase minha para pôr na última página. Eu escrevi: “Fino e grosso”. Ele conseguia ser fino e grosso. O filho dele é muito legal. 

Lembra o Tarso?
Não, não tem nada que ver. Bonito para caralho. O Tarso era charmoso, o filho dele é bonito. E ele é o dono do Porta dos Fundos. O pessoal faz palhaçada lá, mas quem organiza, quem é o CEO, como se diz hoje, é ele. 

Ah, é?
Ele é o fodão lá. Ele é muito amigo da Maria.

A Maria está ótima. Fora o teu genro...o Pedro Bial.
Gente fina.

Você pode pegar uma boca no próximo BBB, inclusive... quando tiver um BBB Senior...
Acabou o BBB! 

O que? Não vai ter mais nenhum?
Não. Não vai. 

Mas por que? Foi o último agora?
Foi. E não foi ele que me contou, não. Isso eu li em alguma coluna de televisão. Eles vão lá para casa agora dia 19, quando o Fluminense vai jogar com o Avaí.

O Bial fazia recitais de poesia naquela época em que a gente jogava pingue-pongue...
Dizem que era um grande poeta. Você lembra dele?

Lembro dele, do Polari, do Cacaso.  Eu também fazia recitais. Montei um no Teatro de Arena, com uma bailarina e um baterista.
Quem era a bailarina?

Solange Camargo, conhece?
Não.

Mulher do Abrão Lincoln, não o americano, um fotógrafo que trabalhava em publicidade.
Não conheço nenhum Abrão Lincoln, mas em compensação conheço vários Kennedy. Outro dia – juro pela minha mãe – eu estava assistindo a um jogo de futebol na televisão e numa hora de substituição de jogadores apareceu na tela “sai Nixon”, “entra Kennedy”. kkkkkk  Mas esse país vai melhorar.

Nós estamos vendo as coisas aconteceram há uns 50 anos, né?
É o seguinte, rapaz: já estava bom. Já estava muito bom. O problema é que essa crise... se fosse uma crise econômica temos meios econômicos de resolver. Se fosse uma crise política teria jeito de resolver. O problema é que é uma crise do ódio. Aí é foda! Administrar o ódio é muito difícil. Eu vejo no facebook gente destilando ódio, dos dois lados. É bipolar.
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“Gatos fazendo pose, gatos fazendo careta. É gato demais! Eu odeio gato! Precisa pôr gato no facebook?”
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Eu acho que esse ódio do facebook é fake: o cara nunca vai fazer aquilo que promete, é um covarde...
Eu postei um negócio sobre morar em São Paulo, sem falar mal, aí um cara lá, que trabalha na Caras, não é repórter não, comentou: “isso aí são uns babacas que têm inveja da gente que mora aqui”. Eu respondi: você trabalha na Caras, né, eu morei 35 anos em São Paulo... quer saber, deixa pra lá! Eu comprando briga com um funcionário da Caras que falou que eu tenho inveja de quem mora em São Paulo! Como se eu não conhecesse São Paulo! O nego nem para ver quem eu sou, se já morei em São Paulo. “Cretinos, babacas, invejosos!” É foda! Eu vou sair do facebook.  Tem gente que fica nisso o dia todo.

Tem gente que dá boa noite. Avisa que vai dormir. 
A Jacqueline Myrna me manda flores toda manhã. Tá íntima minha. O pior que eu acho no facebook são os gatos. Tem muito gato. Cada quatro postagens uma vem gato. Gatos fazendo pose, gatos fazendo careta. É gato demais! Eu odeio gato! Precisa pôr gato no facebook?

E tem aquelas postagens: meu filho está morrendo... passei a noite dando soro na boca do meu filho... e depois não é filho nada, é o cachorro ou o gato!
Outro dia na fila do restaurante em Florianópolis uma psicóloga de cachorro começou a contar a morte do cachorro dela. Eu falei: para, por favor! Para! Ela ficou chateada comigo, coitada, mas, meu, eu estava quase chorando.

Psicóloga de cachorro???
Psicóloga de cachorro. Uma mulher muito simpática, começou a contar a morte do cachorro dela. Eu perguntei: com quantos anos ele estava? 15! Ah, minha senhora, está na hora de morrer! A senhora compra outro. “Não, mas não é a mesma coisa”! Eu não gosto de bicho nenhum, não.   

O Tarso tinha uma forma muito peculiar de fazer amizade: ele resolvia ser amigo das pessoas e pronto. Com você foi assim?
Conheci o Tarso no Pasquim, em 72, foi muito antes, muito antes daquela revista doida lá...na editora Três, em 1981...

A Careta, você quer dizer.   
Onde você fazia o Bar Brasil. Foi no ano da morte do Glauber. Eu conhecia o Tarso desde 72.

Ele resolveu ser teu amigo?
Não, eu resolvi ser amigo dele. O Tarso era o único que eu não conhecia ali porque ali era Jaguar, Millôr, Ziraldo, Paulo Francis, Henfil... era foda aquela sala... o Tarso... eles acabaram tirando o Tarso...

Ele foi acusado do que? De dilapidar o patrimônio?
Não, acho que não. Não foi por aí. Eu não sei.

Discussões ideológicas?
Talvez. Na Careta, por exemplo, a gente tinha uma briga porque ele queria fazer coisas sérias, não coisas sérias com humor, mas coisas sérias. Descobrir quem é o próximo militar que seria presidente, por exemplo...

Nada a ver.
Eu discutia semanalmente: Tarso isso é uma revista de notícias tipo Veja, Isto É? Tem que decidir. Porque começava com uma charge, depois vinha um texto sério da Marta Alencar, mulher do saudosíssimo e querido Hugo Carvana e o Glauber completamente, louco, escrevendo de Lisboa...coisas alucinantes, maravilhosas, que ninguém entendia. A gente teve uma sorte que o Glauber um dia mandou um calhamaço... ele desenhou e escreveu  tudo no tamanho da página da revista, mas bastante, umas trinta páginas e mandou. Aí o Tarso falou para mim: “o Glauber tá louco, olha o tamanho do negócio que ele mandou” – ele tinha uma página – “guarda essa porra aí”. Eu falei: é melhor você guardar. E aí eu estava com a Marta Góes numa pizzaria comendo quando deu na televisão que o Glauber tinha morrido. Liguei para o Tarso: Tarso, você guardou aquele negócio, seu filho da puta! Aquele calhamaço do Glauber ficou com o Tarso para o resto da vida. O dia que eu encontrar com o João Vicente eu vou perguntar se está com ele.

Quem ficou com muito material do Tarso foi a Fernanda, a mulher do Miguel Kozma...
Quem é?

O melhor amigo dele, que veio com ele de Passo Fundo, foi presidente do Metrô de São Paulo.
Eu lembro desse cara de terno e gravata no Rodeio. 

Ele morreu e ficou tudo com a Fernanda. 
Será que o João Vicente sabe disso?

Provavelmente não.
De repente dá até para fazer um livro. 
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“Nós fizemos um pacto ali, eu, o Samuel e o Rubem Braga: quem morresse primeiro os outros dois tinham que avisar a família que era para cremar”
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Você também poderia fazer um livro sobre o Samuel Wainer, não?
Eu cheguei a morar com ele. Porque eu morava com a Joana Fomm - morava de dividir apartamento. E a Joana começou a namorar o Samuel e o Samuel começou a pegar pernoite. A Joana era crítica de cinema da Última Hora. Um dia , eu escrevi um troço muito louco sobre cultivo de banana, eu inventei tudo, e falei vê lá se os caras publicam, é uma crônica. Ela mostrou para o Samuel. O Samuel falou: “se esse negócio for verdade eu não publico; agora, se for mentira eu publico”. E quero conhecer esse cara. Eu deixei isso com a Joana e fui para Lins visitar meus pais. Aí eu saí, uma tarde, e quando eu voltei o papai falou assim: “ligou um sujeito aí chamado Samuel Wainer querendo falar com você, deixou um telefone para você ligar. Engraçado, tinha um Samuel Wainer antigamente, nos anos 50, que brigava muito com Carlos Lacerda, envolvido com Getúlio”. Eu falei: é esse! Ele falou: “não, meu filho, é um jornalista mais velho que você, amigo do Getúlio”. Falei: pai, é esse! “Eu falei com ele?” Falou, pai. “Nossa Senhora!” E o Samuel me convidou para trabalhar lá. Meu pai tinha tudo para ser militar, usava terno e gravata, um bigodinho fino, assim, podia dizer que ele era coronel. Ele foi no jornal, acharam que era um milico, o Samuel ficou com medo de receber o cara. E meu pai insistindo. “Fala para ele que sou pai do Mário Alberto”. O Samuel não sabia quem era Mário Alberto. Quando finalmente foi recebido, meu pai mandou: “eu vim aqui para cumprimentar o senhor, sou seu fã, mas o mais importante é o seguinte: o menino como está? Está chegando no horário?” O Samuel ria muito contando essa história! E assim eu virei meio filho do Samuel. Os filhos dele eram bem mais jovens que eu, moravam no Rio. Eu e a Marta viramos meio filhos dele, ele que me apresentou a Marta, lá na redação. O dia que eu vi a Marta falei: porra, vou casar com essa mulher. O Samuel me apresentou e acabei casando e tendo dois filhos. Samuel é o culpado. Joana Fomm é a culpada. Samuel e Joana são padrinhos do meu casamento. Uma vez o Samuel me convidou para jantar com ele e com o Rubem Braga. Aliás, foi a única vez que eu vi o Rubem Braga na minha vida. Ele estava cantando o Rubem Braga para escrever na Última Hora. E aí me levou junto, eu era o editor do UH Revista. Nós fomos ao Pirandelo e você deve saber que o Pirandelo tinha na entrada uma porção de espelhos. Entrou uma mulher horrorosa e o Rubem ficou olhando para a mulher, porque a mulher se olhava em todos os espelhos. Olhava num, saía, olhava em outro, quando saía fazia uma pose, dava um trato no cabelo. Aí o Rubem Braga falou assim: “Os espelhos deviam refletir melhor antes de refletir certas imagens”. Eu peguei um guardanapo de pano e falei: escreve aqui. Ele escreveu e assinou. E eu guardei. Fazia uns três meses ou quatro que o Vinicius de Moraes tinha morrido. E o Rubem contou que, recentemente, tinham achado na casa do Vinicius um papel onde ele dizia que queria ser cremado e que as cinzas dele fossem jogadas na Avenida Niemeyer. Só que ele estava enterrado. Então, nós fizemos um pacto ali, eu, o Samuel e o Rubem Braga: quem morresse primeiro os outros dois tinham que avisar a família que era para cremar. Duas semanas depois, o Samuel morreu. O Jorge Cunha Lima ligou para mim às seis da manhã, para mim e para Marta. A primeira pessoa da família que chegou ao Einstein foi uma irmã dele, se não me engano, Bruna – é Bruna, sim, porque ele tem um filho chamado Bruno – a Bruna é uma senhora simpática, interessantíssima, quando eu fui cobrir a posse de um dos presidentes militares, em Brasília ela me deu muitas dicas. Mas a Bruna levantou um problema, o Samuel era judeu, não podia cremar. Eu falei do pacto e disse que, se ela quisesse, poderia confirmar com o Rubem Braga. Ela falou “não precisa, já que você está falando, mas é um problema”. E se reuniu com a família. Aí chegou o Samuca, o filho mais velho do Samuel, que me conhecia, falei “Samuca, a situação é essa”... e ele: “não, vamos cremar”. E aí, olha que coisa louca! Lembra aqueles fusquinhas de reportagem da Folha, amarelos e azulis Nós fomos num fusquinha daqueles - o motorista, na frente; o Boris Casoy que era editor-chefe da Folha, eu e o Samuca atrás - para escolher o caixão, que a Folha ia pagar. Foi um dia muito louco. E cremamos o Samuel.

Esse manuscrito do Vinicius (****) eu publiquei no meu livro, era um testamento que ele deixou para a Maria Christina Gurjão, então sua mulher quando pensou que podia ter um troço e apagar...
Você sabia dessa história?

Eu publiquei no meu livro. Tem a lista dos credores dele... tem a divisão dos bens, os dólares na caixa de sapato, etc etc e no fim ele dizia que queria ser cremado: “não me enterrem pelo amor de Deus”.
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E agora veio essa viadagem de livro de pintar! Isso entra na lista dos mais vendidos tirando nós que escrevemos”
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E você não vai falar do meu novo livro?
“Mario Prata entrevista uns brasileiros”? Claro!
Eu recebi hoje seis críticas! Eu tenho google alerta, quando sai meu nome eles mandam para mim. Seis críticas hoje. Uma delas de uma professora dizendo que vai indicar para os alunos dela, acha que os alunos têm que conhecer esse lado da história do Brasil.

Quantos livros você já escreveu?
É difícil dizer. Tem duas peças de teatro que saíram em livro, não sei se se considera isso um livro. Tem três infantis. Tem cinco com mais quatro autores e tem mais uma porrada em coletâneas. Livro que eu sentei e vou escrever, eu não contei, mas se você entrar no site mario prata ponto net tem lá, a menina pesquisou e sabe mais do que eu. Eu acho que uns 15. Romances foram cinco.

Gostei muito de Os Viúvos.
Foi meu último livro de ficção.

Qual vendeu mais?
Eu tenho nove livros que entraram nos dez mais vendidos, cinco chegaram em primeiro lugar. Diário de um Magro ficou um ano em primeiro lugar. Esse foi foda. Eu estava no spa e o dono falou: “esse livro vai vender 40 mil exemplares”. E eu falei: “você não entende nada de mercado editorial, ninguém vende isso no Brasil”. E ele retrucou: “eu não entendo de mercado de livro, mas entendo de mercado de gordo”. E vendeu mais de 100 mil. Minhas Vidas Passadas, Minhas Mulheres e meus homens venderam mais de 30 mil. Eu tenho uma média boa, eu vendo bem, Quer dizer, bem... eu tenho até vergonha de dizer. No Uruguai tem 3 milhões de pessoas e 400 mil leem; aqui tem 200 milhões e 300 mil leem. Você entra num ônibus no Uruguai vê todo mundo lendo. Aqui ninguém lê. E quem lê está lendo errado. A minha esperança é que surjam novos leitores. O Paulo Coelho fez isso de bom: trouxe muitos leitores.

Mas esse leitor não é só leitor do Paulo Coelho?
Não, o cara que lê pela primeira vez e gosta e vai ler outros também. O Brasil perdeu o hábito de ler. Na minha casa tinha livro à beça, na casa de todos meus amigos em Lins tinha, você chegava em casa, estava a mãe lendo. Houve uma data – 1977 - quando resolveram colocar no vestibular duas coisas para a cabeça do vestibulando: leitura de livros e redação. Só que começaram a dar livro chato para a garotada ler, obras primas algumas, mas chatas para um cara de 14, 16 anos. Então o cara lia aquilo, passava no vestibular e jogava na privada e nunca mais lia livro nenhum. Esses caras já não leem. E agora veio essa viadagem de livro de pintar! Isso entra na lista dos mais vendidos tirando nós que escrevemos. Mas isso não é livro! É caderno de pintar. Livro é de ler. Aí você pega a lista de não-ficção: os seis primeiros são “livros de pintar”. Os jornais não se tocam disso, foda-se o autor nacional e o autor nacional não tem sindicato, não tem associação, alguém para tomar uma providência, ligar para o dono do jornal e dizer “tira isso daí”. Agora, esse meu livro novo é o que mais repercussão está tendo, saiu em tudo quanto é site, tem muito site que faz análise de livros e alguns são bons, tem gente boa escrevendo, todo site está publicando, eu estou muito contente com a repercussão. Eu acho que acertei no tom. Eu queria fazer um livro sobre os personagens da história do Brasil. Eu queria saber, por exemplo, se era verdade que Dom João VI tinha um masturbador. E era. Contratado. Seu Francisco Lobato. Por isso ficou legal.

Você continua amigo do Chico?
Continuo. Ele gosta muito de você.

O Chico gosta de mim???
Imagina se ele gosta de você! Eu, para limpar minha barra, disse para ele que eu não falei tudo aquilo que você colocou na matéria da Manchete (*****). Eu falei: Chico, é o seguinte: eu só falei aquele começo lá. Ele falou: “eu sei, porque várias histórias ali você não sabia”... uma história de uma namorada antiga dele, não sei que...Ele até falou: “quem falou foi o Fulano”... Eu deixei quieto. A Marieta ficou um pouco chateada comigo, mas hoje está voltando à velha amizade. Ela está casada com o Aderbal Freire Filho há dez anos, muito feliz, ainda bem que deu tudo certo.
    (*) Entre julho e outubro de 1968 o prédio da Faculdade de Filosofia da USP foi ocupado pelos estudantes que protestavam contra a ditadura militar
    (**) Maçã Dourada era o codinome de uma agente do DOPS chamada Heloísa Helena que foi infiltrada entre os estudantes da Maria Antônia
   (***) O púcaro búlgaro é um livro de Campos de Carvalho
  (****) Depois de uma crise hipertensiva e temendo um derrame que o impossibilitaria de escrever - Vinicius de Moraes redigiu um testamento, na madrugada de 5 de setembro de 1969 em laudas do Jornal do Brasil para a mulher, Maria Christina Gurjão, no qual fez uma lista de bens, credores, fontes pagadoras, caloteiros e contas bancárias e deu instruções de como tudo seu deveria sr distribuído e – mais importante que tudo – suplica para não ser enterrado e sim embalsamado ou jogado no mar. Ele morreria onze anos depois, a 9 de julho de 1980.
    “Meu Testamento
    Para Maria Christina Gurjão
    Christininha
   Se me sobrevier algum acidente durante a noite e, por acaso, eu morrer dormindo, tudo o que está dentro desta casa é seu, os dólares inclusive, bem como o automóvel, que lhe deixo. É esta a minha vontade, e se alguém se interpuser, maldito seja, pois não o considero nem irmão nem filho.
   O resto é de meus filhos e de minhas irmãs Lygia e Laeticia, que se entenderão para que qualquer partilha seja feita com total espírito de justiça.
   O problema dos direitos autorais deve ser estudado com o Marconi, por um advogado da confiança de meus filhos e minhas irmãs, reunidos. Lembro que o meu contrato com o Marconi termina em 1971 ou 1972 (é preciso procurar nos meus arquivos, nas pastas de música, porque está lá). Terminado este período, Lygia poderá tomar conta do assunto. É preciso pedir contas direto às minhas principais fontes pagadoras, que estão, até o término do meu contrato, sob o controle do Marconi. Elas são: A) SACEM, de Paris e o Leeds Music Corporation, de Nova York. O Tom sabe de tudo. Há também um tal Marbot, de Paris, que recolhe sobre as músicas do “Orfeu Negro”!. Está nos arquivos.
Denunciem o contrato do Marconi quando expirar o próximo período, senão se renova automaticamente.
  
 Tenho dinheiro nos seguintes bancos: 1) Nacional de Minas Gerais (Agência Lido e Ipanema); 2) Crédito Real de Minas Gerais ali na Agência do Leblon; 3) Bank of London & South América, de Paris (Letícia está a par de tudo e pode escrever para lá, depois do assunto dos herdeiros ficar resolvido); 4) Chemical Bank (não me lembro agora o nome todo) – Letícia também está a par de tudo; 5) Um banco em Los Angeles, cuja conta ficou a cargo de Ray Gilbert – que é um larápio, o Tomzinho sabe o meio de mandar o Ray recolher o dinheiro – é mixaria; 6) o próprio Ray Gilbert, que é fonte pagadora através de sua editora (que roubou ao Tom e ao Aloísio); 8) O Serginho Mendes, que tem algumas músicas minhas gravadas – o Marconi sabe. Ele e Lygia em conjunto podem resolver o assunto com o advogado.
   É preciso que seja feito um levantamento completo do meu repertório, e o assunto seja tratado com meus parceiros, no sentido de serem protegidos os direitos de meus filhos (há um que vai nascer em março, com você), depois de minha morte. Vários de meus parceiros têm editoras próprias, usufruindo, assim, direitos extraordinários (porque são editores) sôbre composições de autoria deles comigo. É preciso estudar com um advogado, e com os próprios parceiros, que são meus amigos e - penso eu – não vão criar dificuldades que meus herdeiros entrem de posse do que lhes é de direito depois da minha morte e da deles, em posição de igualdade com os herdeiros de meus parceiros.
   O governo de Minas Gerais me deve 22 milhões e pouco de cruzeiros velhos. O Murilo Rubião está cuidando do assunto, e Lyginha pode receber, com procuração minha e Helena do Otto pode intervir junto ao pai (o Israel Pinheiro) para apressar o assunto. Esse dinheiro deve ser aplicado num investimento seguro, de maneira a que se multiplique e possa render juros que gostaria fossem assim distribuídos: 1) Susana e Tuca; 2) Pedrinho e Verinha e o filho que vai nascer (meu netinho); 3) Georgiana; Luciana, Christina e meu novo herdeiro, que deve nascer em março.
   Outra fonte pagadora minha é a Editora Sabiá – falem com o Braga e com Fernando; e o Aguilar – falem com o Antonio Hencur.
  
 Em Buenos Aires tenho “Para uma menina com uma flor” publicado por uma editora “de la Flor” ou qualquer coisa assim – procurem nas minhas pastas de arquivo. Em Portugal tenho: 1) o disco com a Amália; 2) o disco de poesias; 3) a regravação do meu disco de poesias feito pelo Irineu; 4) o livro de poesias chamado “O Poeta apresenta o Poeta”. Você,. Christininha, pode escrever ao Antonio sobre isso – parte desse dinheiro (US$200,00) são dele. O resto ele pode mandar para você.
Na Itália há os direitos autorais sobre o meu disco que vai sair, produzido pelo Bardotti. O Chico pode escrever para êle.
Seria interessante alguém percorrer, com procuração da Lygia, algum dia, todas as sociedades arrecadadoras do mundo para verificar minhas prestações de contas.
   O meu fonomecânico é pago pela sociedade em Paris filiada à SACEM. Esqueci o novo nome. O Marconi não tem mais a ver nem com meu fonomecânico nem com o direito pago pela SACEM de Paris e pela SBACEM, SBAT e etc. – a coligação aqui. Sempre me foi pago diretamente em Paris. Acho que o Marconi fez alguma falcatrua com eles, pois o dito é (ou era) o representante aqui. Ele só cobra os 10% sobre o recolhimento das fábricas e das músicas que ele negociou com o Chiantia e o Sergio Mendes – e isso até a data do término do nosso contrato (acho que é 1972) quando ~este deve ser denunciado, senão ele fica mamando nessa vaca leiteira até o fim da vida, e o Mauricio Marconi depois.
   A tradução do Orfeu Negro, Christininha, você sabe onde está. Gostaria que você falasse com o Tom e mandasse aquela carta minha junto com a tradução para o Albert da Silva. Você fica por mim autorizada a negociar, junto com o Tom, tudo isso. Gostaria que os meus herdeiros diretos (os filhos) caso o “musical” pegasse e desse muito dinheiro, que pusessem você na participação dos lucros, junto com eles, em partes iguais – no sentido de defender o futuro de nosso novo filho, que você está gerando. Acho que Susana, Pedrinho, Georgiana e Luciana entenderão isso muito bem. Esta é a minha vontade.
   Meus papéis, gostaria que fossem entregues ao Rubem e Fernando, para ver o que se pode aproveitar. Todos os originais antigos devem ser preservados para meus herdeiros. Poemas antigos não publicados e inacabados, sobretudo os da primeira fase, devem ser queimados. Há uma pasta de poemas inacabados atuais, aqui em casa, que eu ia mexer para fazer o novo livro “O Dever e o Haver” onde talvez haja alguma coisa a aproveitar. O Braga saberá dizer. Há bons poemas do “Roteiro Lírico e Sentimental... do Rio de Janeiro” numa pasta especial.
O primo do Scliar que publicou a edição “fac-simile” do “Orfeu da Conceição”, em São Paulo, ainda não me pagou. Falem com o Scliar.
   O Acosta, antigo sócio do Rubem e do Fernando também ainda não prestou contas do que lhe ficou da edição de “Para uma Menina com uma Flor”. Mandem brasa.
    A Susana e Pedrinho recomendo que, de acordo com Georgiana e Luciana tomem conta dos interesses de Christina e nosso filho que vai nascer. Se entrar muito tutu de tudo o que eu fiz, gostaria que Christina tivesse uma pensão mensal de pelo menos NCr$1.000 por mês.
   Nelita tem meus quadros de Ivan Marquetti (todos menos um, que ela sabe qual é) e um Volpi, 1 desenho da Maria Helena Vieira da Silva, 1 do Di Cavalcante (é de Ovalle) que quero de volta. Ela me prometeu que daria. Se ela não quiser dar, podem agir judicialmente (mas somente com relação aos especificados aqui! – faço questão de dizer que todo o resto pertence a ela, foi dado por mim e quero que fique em seu poder).
    No fim deste setembro o Jornal do Brasil me deverá dois meses de colaborações. Até agora foi um mês. Fairplay me deve um artigo sobre a Florinda Bulcão (NCr$500,00).
   Meus dois netinhos serão protegidos, no tocante ao que deixo, pelos pais – é claro. Meu novo filho com você, Christininha querida, entra no rol de meus herdeiros. Se Lyginha, por implicância, não quiser registrá-lo no meu nome (pois só ela tem procuração minha) a declaração fica feita aqui: a criança é filho (ou filha) meu, e deverá ser registrado com o meu sobrenome e paternidade, e gozar de todos os direitos de que gozam meus herdeiros diretos.
   Protejam minhas duas irmãs, sempre, em caso de necessidade. Letícia tem cuidado de muito, mas, caso minhas coisas produzam muito dinheiro, futuramente, quero que não lhe falte nada. Peço que, no mesmo caso, abram uma conta em nome de meu irmão Helius, de modo a que ele possa adquirir, um dia, um apartamento – nem que seja pingando um pouco de cada um por mês.
   Escrevo isto hoje esperando, é claro, que não aconteça nada, mas tive uma crise hipertensiva, e, se vier outra, sempre pode dar um derrame e eu perder as faculdades de falar ou raciocinar, no sentido do que está exposto aqui. Se eu ficar inválido a ponto de não poder me mover e pensar, matem-me por favor! Eu faria o mesmo por vocês, palavra de pai, irmão e marido e avô. E até de sogro. Uma injeçãozinha maneira não faz mal a ninguém numa hora dessas. Nem cego. Tenho horror a ficar cego, mesmo podendo escrever o “Paraíso perdido”, como fez Milton. Mas eu não sou Milton nem nada.
  E esta é a minha última vontade que espero seja, para vocês, sagrada. Não me enterrem. Se houver alguma coisa “do outro lado” – no que até agora não consigo acreditar – eu amaldiçoarei vocês todos se não fizerem esta última vontade minha. Peguem meu corpo, joguem-no ao mar, lá na Avenida Niemeyer, com dois pesos nos pés. Adoraria ser comida de peixe, como o foi Hart Crane. Ou queimem-me aí num mato qualquer, com gasolina. Se não tiverem coragem de fazer isso, contratem um marginal que o tenha, mediante bom dinheiro. 
   MAS NÃO ME ENTERREM, PELO AMOR QUE VOCÊS TÊM POR MIM. Em último caso – mas esta não é a minha vontade – mandem proceder a um embalsamamento e só me enterrem depois de 48 horas de embalsamado. Peçam isso ao Negrão como um último favor.
   Gostaria de ser velado, nesse caso, pelos estudantes, e que meu coração lhes fosse dado. E de ser enterrado (depois do embalsamamento e das 48 horas) ao som das escolas de samba e dos choros de Pixinguinha. Mas – insisto – prefiro ser jogado ao mar ou cremado. Talvez o Abreu Sodré autorize minha cremação em São Paulo. Depois vocês trariam minhas cinzas para cá de volta. Gostaria que elas ficassem com Lygia. 
   E que houvesse alegria e não tristeza. Eu fiz o que pude.
Assino isto em perfeita consciência, nesta madrugada de 5 de setembro de 1969. Peço às autoridades para colaborarem com meus últimos pedidos.
Eu te amo!
Vinicius de Moraes
(Assina)
Christininha
Eu amo você e morro de pena, caso eu morrer, de não ver o novo Vinicius de Moraes nascer. Mas ainda preferiria Rodrigo em lembrança do amigo querido que foi antes de mim.
Ciao!
Vinicius”

***** Em 1996, a revista Manchete publicou uma  reportagem de minha autoria a respeito de sua separação da Marieta Severo."

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