Leonardo Mendes, DCM
"Não há qualquer requisito teológico, doutrinário ou número mínimo
de fieis, e basta ao interessado procurar um cartório, pagar algumas
taxas que não chegam a R$ 500,00, arrumar uma garagem ou uma pequena
sala e se auto-intitular bispo, pastor, sacerdote, enviado de Deus ou o
que preferir.
Com o novo CNPJ devidamente registrado, o recém “ordenado” líder
religioso passa a gozar de privilégios no mundo dos homens, como não
pagar diversos impostos.
A conta aberta em nome da nova igreja, onde o dízimo dos fieis deve
ser depositado, por exemplo, é livre do Imposto de Renda e do Imposto
sobre Operações Financeiras. Assim como podem ficar isentas de
tributação também as “comissões” que os líderes religiosos recebem por
arrecadar mais dízimo ou arrebanhar fieis, como aprovou recentemente a
Câmara de Eduardo Cunha.
O ICMS varia de acordo com o estado, e muitas também são isentas.
Mas os benefícios fiscais não são os únicos, e o fundador da
própria igreja e seus ministros podem contar ainda com o direito a
prisão especial, além de ficarem livres do serviço militar obrigatório.
Podem também conseguir acesso a algumas substâncias restritas ao
restante da população.
Todos esses benefícios, porém, ainda parecem pouco para alguns, e a
nova cruzada da bancada evangélica do Congresso é pela aprovação da
Proposta de Emenda à Constituição que inclui as igrejas na lista de
instituições capazes de propor ação direta de inconstitucionalidade ou
ação declaratória de constitucionalidade ao Supremo Tribunal Federal.
O texto é de autoria do deputado João Campos (PSDB-GO), o mesmo que propôs a regulamentação da “cura gay”.
Na lei atual, podem propor esse tipo de ação o Presidente da
República, a mesa da Câmara dos Deputados, a mesa do Senado,
governadores, o procurador-geral da República, o Conselho Federal da
Ordem dos Advogados do Brasil, partidos políticos com representação no
Congresso Nacional, sindicatos ou entidades de classe de âmbito
nacional.
O que a proposta de João Campos talvez esqueça é que qualquer um pode abrir uma igreja.
O jornalista Leonardo Sakamoto é um dos interessados, e publicou
uma coluna explicando as doutrinas de sua nova igreja a ser criada:
“Daria para substituir a “Terça-feira da Cura” pela “Terça da
Cachaça seguida de Ressaca”, a “Quarta-feira da Família Tradicional”
pela “Quarta-feira Colorida do Amor Livre”, as escolas sabatinas da
bíblia pela leitura das charges do Angeli e o “Bispo Macedo Responde”
por, claro, “Jean Conta Tudo”. (…) E tá cheio de espaço irregularmente
posto à venda nas concessões públicas de TV. É só juntar dízimo e
comprar algumas horas de programação. Estrearíamos um “Fala que eu te
escuto” com a Laerte atendendo ligações dos telespectadores na madrugada
e dando conselhos sobre coisas da vida e amor”.
Com Eduardo Cunha na presidência da Câmara é bem provável que a proposta de João Campos seja votada até passar.
E por mais que Sakamoto esteja sendo irônico, sua igreja não deixa de ser possível ou mesmo necessária."
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