“Votação deve ser anulada”


"Enquanto Eduardo Cunha faz o possível para mudar de assunto, a natureza inconstitucional da decisão sobre financiamento político exige uma resposta rapida e eficaz, explica jurista Luiz Moreira 

Paulo Moreira Leite, Blog: Paulo Moreira Leite

A revelação, na sexta-feira passada, que a PEC sobre financiamento privado de campanha só foi aprovada através de um atalho constitucional, criou uma situação nova para os próximos dias.Ouvido pelo 247, o jurista Luiz Moreira, que até abril de 2015 foi integrante, em dois mandatos, do Conselho Nacional do Ministério Público, diz “a mesa diretora da Câmara deve anular a votação, comprometida por um vício incontornável. Caso contrário, o próprio STF deve declarar sua inconstitucionalidade.””

Só para recorda. O debate não envolve o mérito da discussão. O problema está no procedimento. Derrotado numa primeira votação, o financiamento privado foi reapresentado por Eduardo Cunha para uma segunda decisão dos parlamentares, quando o placar se inverteu: 66 deputados mudaram de lado e o projeto foi aprovado por 330 a 141. Mas ficou um problema fundamental e intransponível: a Constituição Federal define, no artigo 60, que “ a matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa.”

Assim, se a Constituição tivesse sido respeitada, o assunto só poderia ser levado a discussão no ano que vem. Não é difícil imaginar as consequências disso. Para começar, a nova legislação de financiamento não poderia valer para as eleições de 2016, quando o país irá enfrentar aquilo que muitos analistas definem como um ensaio geral para 2018. Em segundo lugar, ninguém sabe qual será a conjuntura do país no ano que vem: será que Eduardo Cunha teria a mesma facilidade para arrebatar os 330 votos reunidos na semana passada?

Considerando que ocorreu, no Congresso, um caso de delito flagrante, na opinião de diversos juristas, o melhor a ser feito, do ponto de vista de Eduardo Cunha, é mudar de assunto. Isso explica a tentativa de colocar em pauta, de qualquer maneira, a discussão sobre redução da maioridade penal. Você pode ter qualquer opinião sobre a maioridade. Sou inteiramente contra mas a discussão não é esta. Do ponto de vista da agenda política, a maioridade, representa, hoje, uma tentativa de mudar a agenda, escondendo que a Constituição foi alterada por um método nulo.

A entrevista de Luiz Moreira:

PERGUNTA — O que se deve fazer com a PEC de financiamento de campanha, agora?
LUIZ MOREIRA : Cabe à Mesa Diretora da Câmara reconhecer que há um vício incontornável no processo constitucional, que deve ser sanado, e anular a votação. Se há consenso da maioria dos Deputados Federais sobre a necessidade de financiamento privado aos partidos políticos, eles devem aguardar a próxima sessão legislativa para aprovar essa matéria. Caso contrário, o Supremo Tribunal Federal deve suspender a proposição aprovada, a Emenda Aglutinativa 28/2015, declarando sua inconstitucionalidade, pois a espécie financiamento de empresa restou prejudicada com a reprovação do gênero financiamento privado aos partidos e aos candidatos.

PERGUNTA — Há uma disputa jurídica em torno das votações ocorridas na semana passada, na Câmara dos Deputados, sobre financiamento de campanha. Qual a perspectiva constitucional da questão?
LUIZ MOREIRA — Surgiram dois problemas importantes próprios ao Processo Constitucional. Na terça, a Câmara dos Deputados rejeitou o financiamento privado, contido na emenda aglutinativa 22/2015.
Na quarta, a Câmara votou proposta trazida à colação como emenda aglutinativa 28/2015. Alega-se que, para tramitar sem vícios, a emenda aglutinativa deve ser subscrita por 1/3 dos membros da Câmara dos Deputados, conforme prevê o art. 60, parágrafo primeiro da CF 1988. Outra objeção diz que a Câmara não podia apreciar matéria que restou prejudicada com a rejeição do gênero financiamento privado tanto aos partidos quanto aos candidatos, violando assim a segunda parte do parágrafo quinto do art. 60, da Constituição. Frise-se que a emenda aglutinativa 22, rejeitada na terça-feira, 26 de maio, continha proposta de financiamento privado por cidadãos e empresas tanto aos partidos políticos quanto aos candidatos. Em suma, a Câmara dos Deputados rejeitou a proposta de financiamento privado como gênero do qual o financiamento de empresas é espécie.

PERGUNTA — Diz-se que há menos assinaturas que as necessárias para que seja válida a emenda aglutinativa. Esse argumento procede?
LUIZ MOREIRA — A questão envolve técnica legislativa. A emenda aglutinativa diz respeito ao modo pelo qual se chega a uma decisão legislativa. É um procedimento, portanto. A emenda aglutinativa resulta de uma fusão de propostas tidas por válidas. Se há em discussão matérias que cumpriram os requisitos constitucionais (o número de Deputados que a subscrevem é um deles), então não há vicio na emenda aglutinativa.
No entanto, há uma peculiaridade nas emendas aglutinativas: por serem dependentes de uma matéria anterior que lhes vincula (daí a significação de aglutinar: fundir-se, juntar-se) a emenda se liga a outras matérias ou a um texto da matéria principal sob análise. Ocorre que a matéria principal (financiamento privado) foi derrotada com a rejeição da emenda aglutinativa 22/2015, prejudicando, nessa sessão legislativa, a apreciação de PEC sobre financiamento privado de campanha a partidos e a candidatos.

PERGUNTA — Líderes podem assinar PEC em nome dos deputados por ele liderados, como ocorreu na quarta-feira?
LUIZ MOREIRA : Líderes representam as bancadas de seus partidos na respectiva casa legislativa. Podem apresentar emendas aglutinativas, mas suas assinaturas não suprem a exigência de quorum quando a votação é nominal, nos casos em que o quorum é qualificado (Leis Complementares, Proposta de Emenda à Constituição, apreciação de autoridade)."

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