O ovo da serpente midiática e a vingança do povo brasileiro


Fábio de Oliveira Ribeiro, GGN


"Diz Rudolph Von Hering, que “... o futuro dos poucos que têm coragem de lutar pela lei se tornará um verdadeiro martírio. O forte sentimento que eles têm de direito legal, que não deixa com que fujam do campo de batalha, torna-se uma maldição para eles. Deixados por todos que deveriam ter sido os seus aliados naturais, lutam sozinhos contra a falta de lei que tem aumentado em conseqüência da covardia universal. E, se após todos os seus sacrifícios, eles conseguem permanecer fiéis a si mesmos, eles ganham, em vez de gratidão, zombaria e desprezo.” (A Luta pelo Direito, Hunter Books, São Paulo, 2012, p. 111)

Nas afirmações do jurista alemão do século XIX ecoam as palavras de Cesare Beccaria, aristocrata milanês que no século XVIII formulou o principal teorema do moderno Direito Penal “Que a pena não seja um ato de violência de um ou de muitos contra um membro da sociedade. Ela deve ser pública, imediata e necessária, a menor possível para o caso, proporcional ao crime e determinada pelas leis.” (Dos Delitos e das Penas,  Hunter Books, São Paulo, 2012, p. 125)
As palavras de ambos foram condensadas de maneira primorosa por Pierro Calamandrei no século XX. Diz o jurista italiano que “O bom juiz põe o mesmo escrúpulo no julgamento de todas as causas, mesmo as mais humildes. Ele sabe que não existem grandes causas e pequenas causas, porque a injustiça não é como aqueles venenos acerca dos quais certa medicina  afirma que tomados em grandes doses matam, mas tomados em pequenas doses curam. A injustiça envenena até mesmo em doses homeopáticas.” (Eles os Juízes, vistos por um Advogado, editora Martins Fontes, São Paulo,2015, p. 226)

Mas estas lições de coragem e auto-sacrifício em nome da legalidade (Hering), de distinção entre vingança e justiça (Beccaria) e cuidado judiciário para não envenenar a sociedade distribuindo injustiças (Calamandrei), não teriam muito sentido se não levássemos em contra a magistral aplicação prática da virtude aristotélica* ensinada por Niccolò di Bernardo dei Machiavelli no século XVI:

“Nada é mais perigoso do que inflamar a cada dia, entre os cidadãos, novos ressentimentos pelos ultrajes cometidos incessantemente contra alguns destes, como acontecia em Roma depois do decenvirato.De fato, todos os decênviros, e muitos outros cidadãos, foram em várias oportunidades acusados e condenados. O temor era geral entre os nobres, que não viam o fim dessas condenações antes que se destruísse toda a sua classe. Disto teria resultado inconvenientes dos mais desastrosos para a república se o tribuno Marco Duélio não houvesse posto termo à situação proibindo, durante um ano, citar ou acusar qualquer cidadão romano, o que fez com que os nobres recobrassem a segurança.

Este exemplo mostra como é perigoso para uma república ou para um príncipe manter os cidadãos em regime de terror contínuo, atingindo-os sem cessar com ultrajes e suplícios. Nada há de mais perigoso do que este tipo de procedimento, porque os homens que temem pela própria segurança começam a tomar todas  as precauções contra os perigos que os ameaçam: depois, sua audácia cresce, e em breve nada mais pode conter sua ousadia.” (Comentários Sobre a Primeira Década de Tito Lívio, editora UNB, Brasília, 1994, p. 146).

Corrompida pelo ódio acumulado em razão de quatro derrotas eleitorais presidenciais, a imprensa brasileira passou a se comportar como se fosse um poder supra-judiciário. Todos os dias os jornais, revistas e telejornais, acusam petistas e cobram punições exemplares. Os juízes que atendem os reclamos dos jornalistas das principais empresas de comunicação (como Joaquim Barbosa e Sérgio Moro) são premiados com matérias jornalísticas positivas, belas fotos nas primeiras páginas, entrevistas laudatórias e até capas de edições especiais. Aqueles que se resignam a cumprir a Lei e admitem publicamente a necessidade de respeitar os limites da legalidade são hostilizados, atacados, desqualificados e até ofendidos pela imprensa (caso de Lewandowski, Barroso e, mais recentemente, Fachin).

A imprensa é livre, mas não lhe compete julgar os réus ou orientar aqueles que foram encarregados de cumprir a Lei. As seletivas interpretações jurídicas divulgadas pelos jornalistas (que, por exemplo, exigiram a aplicação da “teoria do domínio do fato” no caso do Mensalão Petista e rejeitaram o uso da mesma no caso da Roubalheira Tucana do Metrô-SP) não tem o mesmo valor que a jurisprudência. Os réus têm direito a um julgamento isento e devem ser tratados como inocentes até a prolação da condenação válida lastreada em provas produzidas num processo em que tiveram ampla defesa. A própria legalidade não pode ser corrompida pelo desejo de notoriedade daquele que foi encarregado da missão de distribuir justiça. A própria justiça não pode ser confundida com a vingança partidária e jornalística praticada largamente nas páginas dos jornais, revistas e nos telejornais.

O clima de linchamento judicial criado pela imprensa contra os petistas (sempre em contraste com a cordialidade dispensada pelos jornalistas aos suspeitos tucanos que cometeram crimes administrativos/financeiros tão ou mais graves) já está produzindo uma onda de ódio nas ruas. A invasão do Congresso do PT por um anti-petista é apenas a ponta de iceberg que veio a tona quando das manifestações em que bonecos representando Lula e Dilma foram enforcados nas ruas de São Paulo. Se os petistas, que até o presente momento se mostram tranqüilos e compreensivos, temendo  “...pela própria segurança começam a tomar todas  as precauções contra os perigos que os ameaçam...” o resultado será uma tragédia que pode acarretar até mesmo uma nova Ditadura. Mas esta Ditadura não será comandada pelos jornalistas ou pelos juízes que eles tratam como salvadores da pátria."

*virtude aristotélica: meio termo

Comentários