Lula sempre esteve na mira, é único no palanque e sem medo de discursar


Cesar Monatti, GGN

Não pude ficar triste, ou ter qualquer outro sentimento, porque não ouvi o discurso de Lula neste 1º de Maio da CUT, no Vale do Anhangabaú, em São Paulo. Como poderia tê-lo feito se vivo, como milhões, entre estados periféricos do Brasil?

Mas vi as imagens na internet. E, sempre à distância, acompanhei sua trajetória, mas, mais que a dele, a de seus companheiros de luta e ideais ativistas populares e sindicais dos brasis distantes de São Paulo e Rio de Janeiro. E, como Lula, eles sempre foram isolados, segregados, demitidos para posteriormente serem chamados de vagabundos, até que, é claro, raiou o poder federal no horizonte do Brasil.

Àquela época não havia presidentes e prefeitos que “deveriam estar”, mas não compareciam, aos palanques do Dia do Trabalhador. Todos do mesmo lado de Lula eram desconhecidos, como são até hoje aqueles que não ocuparam posições de poder ao longo dos vários mandatos ocupados por eleitos do partido de que ele é fundador e símbolo. E se carregavam faixas e cartazes de todo tipo, incluídos protestos de “tendências” políticas internas ao movimento dos trabalhadores por conta do descompasso interno, as quais ao longo dos anos se transformaram em partidos e hoje estão na oposição.

Lembro de muitos lulas dos arrabaldes do país falando apenas para alguns colegas de trabalho, amigos e familiares em longínquos primeiros de maio, naquelas eras em que não havia muito do que se alegrar, tampouco muita esperança naqueles que os ouviam há milhares de quilômetros de centros que concentravam trabalhadores.

Não há o que lamentar num discurso que não tem novidades ou não aponta para o futuro, pois o passado e seus donos se negam a passar. A reação continua repetitiva, raivosa, retrógrada e sempre com os mesmos ataques à plebe, sem necessitar de argumentos para compartilhar com seus amigos proprietários da mídia e com eleitos a quem patrocinam para que esses defendam cegamente seus interesses, haja vista sua relação espontânea de dependência e sua fidelidade canina de subserviência e deslumbramento.

Lula não se queixa da imprensa, Lula a critica duramente e aponta as distorções propositadas que propala impunemente, escudada pela causa irretocável que ele ajudou a defender, a liberdade de expressão, ora utilizada meramente como plataforma irresponsável da postura oposicionista que ela se atribuiu, menoscabando com essa atitude inclusive àqueles que sustenta, os políticos seus aliados. E é claro, que não se pode esquecer que foi, apesar dessa mesma mídia, desses mesmos donos, do mesmo patriciado conservador, que jamais se conformarão com a mudança de grupos de poder, que o PT foi escolhido sucessivamente nos últimos doze anos para presidência do país pela maior força que existe numa democracia: o voto.

Ao ver e ouvir Lula agora, a sensação se tem é a de estar assistindo o recomeçar contínuo de ciclos mágicos e trágicos, que, alternadamente, conduzem e arrancam do poder líderes populares que promovem profundas transformações sociais e que saem da vida para entrar na História exatamente por isso. Não é tão difícil se crer que, mesmo líderes de grande aceitação pelo povo, reconhecidos mundialmente como vencedores, em poucos anos possam sofrer com os efeitos do revisionismo de boa e de má fé de todas as origens e distintas justificativas, voltados a questionar ideologicamente ou a destruir no imaginário a possibilidade real da ascensão de lideranças igualitárias.

De fato, Lula não precisa provar mais nada. Já passou para a história, em um lugar grandioso a despeito da origem pobre, e necessita cuidar da saúde, em especial por estar no ano de seu septuagésimo aniversário e já ter sido tratado por conta de doença grave, tendo em conta que para sua biografia ele continua a fornecer gestos, palavras e exemplos que seguem merecendo registros como modelos para reflexão para aqueles que o sucederão como, aliás, o sucedeu aquela que ele escolheu como candidata e que se reelegeu com sua ajuda.

Nesses tempos bicudos, que é bom que se diga, se iniciaram em 2005 a apenas três anos da primeira posse presidencial de Lula, um violento desgaste foi irrogado ao PT em decorrência dos próprios erros da primeira vez do partido no poder. Ajudaram sobremaneira nisso os aumentativos atribuídos aos apelidos dos casos judicializados, inspirados por um crápula dentre os líderes da adiposa coalização do primeiro mandato presidencial, e aos quais a grande mídia corporativa oposicionista deu grande e facilitada reiteração e retumbância, a ponto de serem adotados por jornalistas de grande competência, mesmo aqueles que têm vínculos com Lula.

É impossível um mito perder seus dons, com apenas uma exceção: que ele seja um falso mito. E esse, definitivamente, não é o caso de Lula.

Lula é um símbolo político tão forte e inexpugnável que, mesmo com todo o bombardeio maciço direto e indireto a que tem sido submetido permanece uma figura pública de influência mundial e, ainda que venha a ter êxito a pretendida destruição do PT como partido político, Lula e a própria sigla não sucumbirão no plano das conquistas simbólicas do povo brasileiro, tal como não sucumbiram Brizola e o velho PTB, mesmo com a usurpação da sigla e o bloqueio midiático imposto ao defensor da Legalidade e do trabalhismo brasileiro. Política é simbolismo e concretude e, por isso, para a História Lula será sempre o velho PT e PT será sempre o velho Lula, mesmo depois das inelutáveis mortes dos dois que, oxalá, ainda tardem muitas décadas.

Num conflito existem atos violentos de parte a parte. No alegado conflito, que degenerou em confronto e se "encaminha para uma guerra de extermínio" entre mídia e PT quais foram os gestos de parte a parte? O que, efetivamente, o PT fez de belicoso contra a mídia, além de eventuais discursos de indignação? Em relação ao que a mídia tem feito, resta alguma dúvida, tomando como símbolos apenas os casos do debate presidencial da TV em 1989 e da revista semanal da véspera das eleições de 2014?

E, se, ainda assim, Lula até meio ano atrás detinha o dom de presidente mais popular da história do Brasil, fica difícil descobrir qual a importância de outros dons que ele teria supostamente perdido ao longo do seu caminho recente.

É por saberem disso, que seus adversários da “aliança midiática-política-jurídica” jamais o tiraram da mira. Embora tal coligação seja fluida, é permanente, e só precisa se coagular e concentrar às vésperas de episódios mais consequentes para os rumos ideológicos nacionais. E estamos diante de alguns deles, tais como a assunção do protagonismo internacional geopolítico e econômico do país; a mobilidade massiva de camadas pobres da população para posições de maior influência na vida pública via poder aquisitivo e formação universitária, e o combate estrutural à corrupção. Não descobriram nada de novo agora: o medo e o ódio à Lula jamais desapareceu depois de vencida sua etapa de inocente útil nas eleições de 1989, isto é, desde que ele iniciou sua ascensão como político com penetração popular e viabilidade eleitoral. Dilma é combatida naquilo que é sua sucessora fiel, e suportada, até louvada, naqueles pontos em que se afasta de sua herança.

O fato de Lula não liderar pesquisas eleitorais para 2018, em várias regiões do país não destoa em nada dos resultados das eleições mais recentes. E assim como a situação do país pode mudar nos próximos anos, prever a candidatura de Lula e, mais difícil ainda, os resultados da provável eleição, depende, entre outras tantas coisas intangíveis, da sua vontade e dos candidatos contra os quais competiria.

O que aconteceu é que o tempo passou e, com ele, a história vai se transformando.

Por jamais ter sido amigo ou companheiro de campanhas de Lula, talvez seja menos doloroso e melancólico encontrar respostas para o momento do mito. O tempo entre as eleições passadas e o sismo ao qual o governo está submetido é curto para elaborar-se uma análise fria e a buscar encaminhamentos para vencer esta fase crítica. Por outro lado, não esmaeceu o perfil bravo e lutador de Lula.

No momento, não será um discurso novo capaz de mobilizar eleitores jovens ou companheiros antigos caídos na luta, mas ao contrário.

É possível arriscar que Lula só voltará a se candidatar se perceber que o discurso das causas igualitárias, que continua o mesmo em essência, basta, por oposição, fazer-se a observação das momentosas demonstrações retrógradas contra elas aqui e em todo o mundo, tiver o poder de resgatar os veteranos da resignação da melancolia e a mocidade da inapetência por utopias.

Nesse caso, e somente nesse caso, se pode esperar o retorno do mito, ainda que disfarçado de mendigo depois de tantas perdas infligidas pessoalmente a ele, para curvar o grande arco de alianças que só ele foi capaz no Brasil contemporâneo e disparar outra vez o país para o futuro que lhe cabe na história mundial."

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