Eleições no Reino Unido permitem reflexão sobre alguns aspectos de nossa cultura política |
Marcos Coimbra, CartaCapital
As surpreendentes eleições parlamentares no Reino Unido
neste início de maio deixaram por lá diversas lições. Para nós, são
relevantes pela oportunidade para refletirmos sobre alguns aspectos de
nossa cultura política.
Sobre dois pontos em especial. O primeiro, mais óbvio, mas
não o mais importante, diz respeito à maneira como nosso sistema
político se relaciona com as pesquisas de opinião. A mistura de
confiança exagerada e suspeição infundada que o caracteriza é tão típica
do Brasil quanto a jabuticaba.
Nas recentes eleições britânicas, o descompasso entre os
prognósticos das pesquisas e os resultados das urnas só não foi mais
gritante porque os eleitores na terra da rainha estão acostumados com
“erros” ainda maiores nos levantamentos.
Todos imaginavam
que da eleição emergisse um Parlamento dividido, alicerçado em pequena
maioria conservadora e vários partidos menores com peso considerável.
Eles se aproximariam de um multipartidarismo efetivo, baseado em
clivagens ideológicas e diferenciações regionais e étnicas.
Nada disso aconteceu. As centenas de pesquisas de intenção
de voto realizadas pelos mais tradicionais institutos europeus não
conseguiram prever que os conservadores manteriam folgada vantagem no
número de cadeiras legislativas e que as legendas menores continuariam a
ter um tamanho modesto. Que David Cameron não teria dificuldade em
montar um novo governo fundamentalmente baseado no Partido Conservador.
Para nós, fica
o lembrete: “Errar” em matéria de pesquisa eleitoral nada tem de
extraordinário. E é ridículo suscitar reações hostis de políticos que se
sentem “prejudicados”, como acontece depois de cada eleição no Brasil
(agora mesmo a Mesa Diretora da Câmara dos Deputados arquivou a enésima
tentativa de criar uma “CPI das Pesquisas”). A sóbria reação britânica
foi da entidade que congrega os institutos, que fará uma investigação
independente do ocorrido.
O segundo ensinamento é mais relevante, pois se refere à
menina dos olhos dos líderes oposicionistas quando tratam da reforma
política. O paradoxo da eleição britânica de 2015 e parte da explicação
dos “erros” das pesquisas decorrem do sistema de votação adotado, o voto
distrital uninominal, no qual um único representante é eleito, por
maioria de votos, em cada um dos distritos nos quais o país é dividido.
Essa é uma daquelas falsas boas ideias que as oposições
querem implantar no Brasil. E muito do que ela tem de ruim, ficou
evidente nas eleições do Reino Unido. Ao estabelecer que o mais votado
em um distrito será seu único representante, o sistema distrital produz
um efeito imediato:
independentemente da maioria obtida, quem escolheu
candidatos com menos votos deixa de ter representação. Em sistemas
bipartidários, essa consequência pode ser menos grave, mas quando são
muitos os partidos, a resultante é péssima.
Na eleição de maio, isso ficou
evidente na Escócia. O principal partido local, o autonomista Scottish
National Party (SNP), embalado pela campanha em favor da independência
escocesa de 2014, elegeu 56 deputados em um total de 59 distritos. Mas o
extraordinário é que o voto favorável à separação do Reino Unido no
referendo de 2014 só ganhou em 4 das 32 council areas em que a região se dividiu naquela eleição. Ou seja: a população escocesa será agora representada quase exclusivamente por um partido minoritário, cuja principal bandeira foi derrotada há menos de um ano.
As pesquisas britânicas “erraram”? Provavelmente, a tomar
pela interpretação de quem entende delas. Mas, talvez, menos do que
parece. Tal como indicavam, o eleitorado desejava mesmo um sistema
pluripartidário, no qual o primeiro-ministro precisasse negociar mais
com o Parlamento. Mas o sistema eleitoral não deixou.
Isso invalidaria o resultado? Justificaria que a liderança
derrotada fosse para a rua clamar pela ilegitimidade da vitória? Não, é
claro. Isso é coisa de países sem tradição democrática e com lideranças
inadequadas às necessidades nacionais.
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