PL 4330 subiu no telhado


"Rejeitado pelos sindicatos e derrotado na prova dos números, projeto de terceirização pode se transformar no vexame político do ano

Paulo Moreira Leite, Blog: Paulo Moreira Leite

Uma reportagem de Camilla Veras Mota, publicada hoje pelo jornal Valor Econômico, pode representar a pá de cal no projeto de lei 4330.

Já era possível entender, a partir de uma análise política elementar, que o PL 4330 representava a principal ameaça já feita ao conjunto de direitos que os trabalhadores formalizada por Getúlio Vargas na Consolidação das Leis do Trabalho, em 1943.

Essa compreensão estimulou a reação da CUT e de outras centrais em protestos enérgicos na ultima semana. “Essa aberração não vai passar,” assegurava o presidente da entidade, Vagner Freitas, megafone à mão. As mobilizações, que aos poucos atraíram entidades que inicialmente eram favoráveis ao projeto de lei, já mudaram uma discussão iniciada em ambiente de rolo-compressor em Brasília e permitem perguntar se o Congresso terá disposição de confrontar-se diretamente com o movimento popular depois que ele levantou a cabeça. O saldo principal do números apurados pelo Valor — publicação dirigida a empresários e executivos — é enfraquecer a possível margem de seriedade dos argumentos favoráveis a mudança. 

Em declaração ao 247, hoje. o ministro Miguel Rossetto elevou o tom contra o PL 4330. “O projeto é ruim, pois permite que toda relação de trabalho seja terceirizada, portanto, precarizada,” disse. “É preciso uma outra agenda, positiva, para aumentar a produtividade e a eficiência da economia brasileira, que não tenha como base a redução de salário.As estratégias mais eficientes para isso são aquelas fundadas na formação do trabalhador, na qualificação das relações de trabalho e na constituição de um ambiente de trabalho mais estável.
É preciso uma agenda para o século XXI e não um retorno para o início do século XX”.

Depois de ouvir especialistas do mercado de trabalho, o jornal reconhece aquilo que os sindicatos já diziam: se for aprovado, criando um regime trabalhista onde não se distingue atividade-fim de atividade-meio, como acontece hoje, o PL 4330 irá devastar as garantias trabalhistas e estimular a terceirização em massa e a precarização do mundo do trabalho.

Oferecendo custos menores para as empresas pela eliminação de garantias e vantagens definidas em lei, o projeto pode “dobrar o número de trabalhadores terceirizados”, diz o jornal.

Estamos falando de assalariados que ganham, em média, 25% a menos do que aqueles contratados diretamente, trabalham três horas a mais por semana e são vítimas preferencias na rotatividade do emprego — permanecem menos da metade que os demais em seus empregos.

Até agora, o principal argumento favorável a mudança é que ela iria beneficiar os 12 milhões de terceirizados — e teria um efeito neutro sobre os 38 milhões que pertencem ao quadro próprio das empresas onde trabalham. Conforme um dos especialistas ouvidos pelo jornal, pode ocorrer o contrário. Os terceirizados poderiam passar para 24 milhões, enquanto os outros empregos seriam reduzidos para 26 milhões. Outro dado preocupante. Os candidatos preferenciais a piorar de vida seriam justamente aqueles sem maior especialização, que já ganham pouco — mas, como são contratados por uma grande empresa, podem beneficiar-se de benefícios e garantias assegurados ao conjunto dos funcionários. Em síntese: conforme o estudo, o PL 4330 pouco fará para melhorar a vida de quem precisa, e muito fará para prejudicar quem se encontra numa situação mais confortável.

A melhor demonstração de que alguma coisa não ia bem no PL 4330 veio de onde menos se esperava. Na semana passada, a mesma bancada do PSDB que empenhou-se com firmeza na aprovação do projeto de lei propôs — e o plenário aprovou — um destaque proibindo a terceirização da atividade fim nas empresas estatais. “Eles alteraram o projeto de lei em sua essencia, ” observa um assessor do Planalto que acompanhou as negociações, muito mais prolongadas do que se imagina. “Se era para acabar com as distinções para o conjunto dos trabalhadores, não pode fazer sentido manter um sistema especial nas estatais,” acrescenta.

Durante as negociações, as partes sempre tiveram clareza de que não havia acordo sobre o ponto principal — justamente o que fazer a distinção entre atividade-meio e atividade-fim. Ao precipitar uma votação que não estava madura, o presidente da Câmara Eduardo Cunha pode ter produzido o vexame político de 2015.

Embora o assunto esteja na pauta de quarta-feira da Câmara, nada garante que a agenda será cumprida, já que as bases para um entendimento foram rompidas. “Está na hora de retomar as negociações em profundidade, desde o início, se o objetivo foi fazer um debate que vale à pena” avalia João Guilherme Vargas Neto, consultor de vários sindicatos e estudioso de relações trabalhistas há mais de 40 anos."

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