"Estratégia
para reverter a impopularidade do governo não leva em conta que
processo de desgaste é veloz, e a resposta a ele tem que seguir o mesmo
ritmo.
O grande risco de tomar um momento por outro, e de tratar como iguais
coisas que são apenas semelhantes, é não entender o ritmo próprio que a
história impõe aos acontecimentos. Uma noção distorcida do governo sobre
o tempo que dispõe para deter a corrosão da popularidade da presidenta
Dilma Rousseff acaba anulando os resultados de qualquer eventual ação
política para reverter esse processo.
O governo Dilma definiu um
tempo que não necessariamente será levado em conta pela história.
Trabalha-se com o cálculo de que a corrosão da imagem do governo se
diluirá à medida em que o Brasil voltar a crescer. Isso representa
esperar o pacote fiscal ser aprovado, surtir efeitos indesejáveis sobre a
já claudicante atividade econômica e, do meio para o final do mandato,
adotar uma política econômica menos ortodoxa que permita a retomada do
crescimento econômico. É um tempo que toma quase a metade do segundo
mandato de Dilma.
Este é um cálculo completamente irreal para
uma gestão que sofreu uma queda vertiginosa de popularidade em menos de
seis meses, e para uma presidenta que chegou a apenas 12% de aprovação
do governo nas pesquisas de opinião e perde popularidade numa velocidade
muito maior do que aquela que se pode imprimir ao plano para sair do
imbróglio colocado por um programa econômico de austeridade.
A
estratégia de Dilma, de primeiro resolver a governabilidade “por
dentro”, para depois trabalhar na reversão de sua popularidade, olha
para o que aconteceu em 2003. O início do primeiro mandato de Lula foi
destinado a medidas duras, voltadas para o ajuste de uma economia que
estava em pandarecos. Nos dois primeiros anos foram gastos esforços e
saliva também para consolidar uma maioria governista que viabilizasse o
governo.
Para agir “por dentro”, o primeiro governo Lula guardou
uma certa distância dos movimentos sociais, mas tinha um crédito de
popularidade trazido das urnas e programas que, mesmo pequenos,
alteravam a vida das pessoas mais pobres. Os movimentos sociais
demoraram a perceber que se estabelecia um canal próprio de comunicação
do presidente com as massas. Lula estava coberto.
A situação
econômica de 2015 tornou-se parecida com a de 2003 em parte porque, na
avaliação também de economistas não ortodoxos, Dilma acreditou no novo
ataque à moeda, à economia brasileira e a ela própria. Quando reiterou
tudo que os jornais e o mercado diziam sobre a economia e se manteve
acuada no ataque especulativo à Petrobras, deu força à especulação. Esta
é a tal profecia que se autorrealiza de que o mercado tem tanto
orgulho.
O cenário político, todavia, não é igual ao do primeiro
mandato de Lula. Em junho de 2002, antes do início da campanha
eleitoral oficial, o candidato e o PT já haviam divulgado uma Carta aos
Brasileiros em que oficializavam um “pacto” com um mercado que
especulava triplamente: contra a economia brasileira, contra o Real e
contra o candidato de oposição a FHC. O eleitor foi avisado antes.
Ademais,
numa economia em que inexistia renda das classes menos favorecidas, os
programas sociais contra fome e a criação de linhas de crédito para a
população pobre não apenas atenuaram o impacto das medidas de
austeridade, como até melhoraram a vida dos miseráveis e das regiões
mais carentes do país, repentinamente movidas pelo comércio e serviços
para a parcela de brasileiros antes à margem do consumo. Quando a base
de comparação é zero, qualquer melhoria representa muito. As medidas de
austeridade, portanto, não foram tomadas a seco. A ativação do consumo
nas classes de menor renda não apenas protegeu, mas favoreceu a
população mais pobre e enclaves de miséria.
2015 é outro
momento. O ganho de renda já está dado: a ação do governo não se dá
sobre o que antes era zero, mas sobre uma população já amparada e que
tem receio de perder o que ganhou nesses 12 anos. Nas eleições do ano
passado, já era perceptível que os eleitores com menor faixa de renda
tinham a expectativa de transformar o voto em mais uma possibilidade de
ascensão social – e foi isso que todos os candidatos presidenciais
venderam seu peixe no primeiro turno, e que os dois candidatos do
segundo turno reiteraram.
Os três governos petistas promoveram
uma ascensão social despolitizada de uma grande camada da população – e
talvez agora se entenda o porquê de críticas que sofreram à esquerda,
por terem tratado políticas sociais como simples inclusão de pessoas
miseráveis no mercado de consumo. Há uma limite para o voto de
reconhecimento, de gratidão, e esse cédito já foi gasto. Isso é passado.
Junto
com a inclusão no mercado de consumo, veio a incorporação, por essa
parcela em ascensão, de elementos culturais da classe média tradicional.
Esses brasileiros passaram a ter acesso ao conteúdo oferecido por uma
mídia militantemente oposicionista e incorporam valores da sociedade de
consumo, junto com os valores da classe média tradicional.
Outra
comparação feita atualmente, quando se debate as saídas para 2015, é
com a realidade de 2005. Naquele momento, sob impacto da banda de música
da oposição e da mídia, que batucava denúncias diárias de envolvimento
da base governista com o chamado Escândalo do Mensalão, e mantido de
forma permanente sob ameaça de impeachment, o presidente Lula não
desistiu da reeleição, foi para as ruas e ganhou adesão dos movimentos
sociais e votos suficientes para consolidar o seu projeto de governo.
Então, os atenuantes do ajuste fiscal dos anos anteriores deixaram de
ser apenas atenuantes e foram estratégicos: nas eleições do ano
seguinte, Lula já havia subvertido o mapa eleitoral do país. Na mesma
proporção em que o presidente e o PT perdiam voto e substância nas
regiões mais ricas do país – mais vulneráveis à ação da mídia e à
cultura conservadora da elite brasileira –, ganhavam nas regiões mais
pobres. As políticas sociais seguraram a onda da campanha conservadora,
que encontrou no chamado Mensalão pretexto e assunto para veiculação
diária de notícias contra Lula e o PT. As pesquisas de opinião da época
mostram que Lula não foi contaminado pelo escândalo – e era ele, não o
PT, que tinha ligação direta com a parcela mais pobre da população.
Em
2005, a contra-ofensiva à campanha sistemática contra o governo foi
protagonizada por Lula, liderança forjada no movimento de massas e nas
negociações salariais do final da década de 70 e início dos anos 80.
Lula era um presidente que tinha vínculo orgânico com os movimentos
sociais, e na época ninguém do campo progressista duvidou que reforçar
as trincheiras da oposição era um desserviço a todos. Além disso, a
campanha que ganhava televisores, bancas de revistas e mídias sociais
foi de tal ordem que, em vez de contaminar o chefe de governo, acabou
vitimizando um líder inequivocamente identificado como um igual pela
população mais pobre da população.
Se for para forçar uma
comparação, o governo Dilma, em 2015, reúne elementos do que aconteceu a
Lula em 2003 e em 2005. Mas com agravantes. Neste ano de 2015, Dilma
acabou de ser referendada em dois turnos eleitorais e, sem aviso prévio,
editou um pacote econômico que foi publicizado massivamente pela mesma
mídia. A visão do ajuste fiscal que tomou as ruas é a visão da oposição
ao governo Dilma. Além disso, a presidenta não é uma líder de massas
capaz de restabecer uma ligação direta com seu eleitorado: ela não pode
prescindir do apoio das forças sociais e políticas no campo
progressista, e da mediação que essas forças podem fazer entre ela e a
opinião pública.
Ao perder a popularidade, Dilma acabou virando
refém do pior PMDB. Essa é uma característica do partido: embora sirva a
interesses particulares, tem uma certa sensibilidade à “voz das ruas”.
Perder as ruas, em última instância, significa perder a governabilidade
de um sistema político que é muito pulverizado e tem no PMDB um pilar
importante.
É também diferente a relação de Dilma com o
eleitorado de baixa renda – e isso não se dá nem por uma questão de
carisma, mas pelo simples fato de que os ganhos de combate à miséria já
estão dados.
Dilma também tem o inconveniente de, no seu segundo
mandato, enfrentar um acúmulo de mais de 12 anos de campanha midiática
difamatória dos governos petistas. Não se pode mais dizer que acusações
de corrupção não “colam” no governo ou na chefe do governo. Houve uma
certa consolidação de uma cultura segundo a qual todo o ranço e herança
patrimonialista do país se concentra no petismo. Isto é de fazer Sérgio
Buarque de Holanda revirar no túmulo, mas era previsível que, sem
reação, essa campanha impregnasse as camadas médias da população,
inclusive as ascendentes. O avanço do udenismo sobre uma classe média
que se expandia graças a políticas de distribuição de renda dos governos
petistas foi subestimada por 12 anos. Agora está aí."
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