"Como uma velha história de 400 quilos de cocaína mostra que esforço para abafar qualquer escândalo que pode vir -- quem sabe -- comprometer imagem de aliados da oposição já chegou ao tráfico de drogas
Paulo Moreira Leite, Blog: Paulo Moreira Leite
"De vez em quando, os jornais recordam que o PSDB recebe
um tratamento benevolente por parte das autoridades encarregadas de
apurar casos de corrupção no país. Lembram que os acusados pelo mensalão
PSDB-MG sequer foram julgados. Falam sobre os esquemas do metrô de São
Paulo. Há quem aplauda essa observação.
As denúncias do metrô nasceram em 1995 e há mais de uma década são investigadas na Suíça. As do mensalão mineiro são mais antigas do que as acusações da AP 470. Ninguém foi levado a fazer uma delação premiada. Ninguém foi chamado para ficar recolhido no regime de prisão preventivo por meses. Registra-se o fato, derrama-se uma lágrima de crocodilo e pronto.
Está combinado, desde o início, que nenhuma investigação irá colocar os adversários do governo Lula-Dilma no banco dos réus. Se isso acontecer, não serão julgados. Se ocorrer o julgamento, serão considerados inimputáveis — ou a pena estará prescrita.
Você talvez esteja cansado dessa observação. É tão comum — os fatos são mesmo frequentes e chocantes — que já existe uma resposta a ela. Consiste em lembrar que um crime não pode justificar o outro. Concordo. Mas, se a discussão fosse esta, se houvesse um esforço real para apurar, investigar e condenar, sem escolhas prévias, com o devido respeito às garantias individuais e métodos civilizados de apuração, não teríamos um processo de criminalização política. Estaríamos fazendo justiça, que é tudo o que o país deseja.
O debate é outro, porém. O trabalho seletivo e permanente contra um dos lados do universo político não tem a ver com justiça nem combate à corrupção. Envolve escolhas políticas. O saldo final é a propaganda. O que se quer é definir um traço, uma marca, uma imagem. Anos e anos de apuração seletiva, prisões, operações cinematógraficas, permitiram construir uma marca negativa, uma associação automática. Você menciona o crime e o público imagina que sabe quem é o criminoso.
Foi a propaganda, e não o fato, que permitiu três procuradores da Lava Jato assinarem um artigo em 2 de abril, na Folha de S. Paulo, onde sustentam o seguinte disparate:
“A corrupção é tão violenta quanto o tráfico de drogas. Corrupção mata, e mata mais do que o tráfico. Precisamos de um Brasil que trate igualmente corruptores, corruptos e traficantes.”
É mesmo? Em 24 de novembro de 2013, a Polícia do Espírito Santo apreendeu um carregamento de 400 quilos de cocaína a bordo de um helicóptero que pertencia a familiares do senador Zezé Perrella, PDT de Minas Gerais e aliado do então candidato presidencial Aécio Neves.
Seguiram-se uma série de afirmações desencontradas das partes envolvidas, iniciadas quando o deputado Gustavo Perrella, filho do senador, acusou o piloto de ter roubado o helicóptero da família — mas a explicação se complicou quando se descobriu que o piloto da aeronave era funcionário contratado da Assembleia Legislativa de Minas Gerais.
Como todos sabem, o caso ficou nas esferas debaixo. Não se trata de culpar ninguém por antecipação. Todos têm direito a ser tratados como inocentes até que se prove o contrário. Mas nem um interrogatório? Nenhuma pergunta?
Dois anos depois, os 400 quilos de cocaína caminham para o esquecimento. Estamos chegando, assim, a um ponto máximo. As investigações seletivas não se limitam a casos de corrupção política. Também chegaram ao tráfico de drogas.
Curioso, não?"
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