Janio: prender só dentro da legalidade é fundamento da democracia


Fernando Brito, Tijolaço 

"Ainda bem que sobram – poucos, é verdade – comentaristas que são capazes de restabelecer um mínimo de racionalidade política no acompanhamento da corrupção objeto desta “Operação Lava-Jato”.

Porque, em geral, o que assistimos no ambiente histérico da mídia é o aplauso ao linchamento seletivo – e partidarizado – promovido pela “República do Paraná” – o Estado dos métodos democráticos que assistimos ontem, com as imagens chocantes de dezenas de professores com os rostos cobertos de sangue.

Janio de Freitas, hoje, vale-se menos dos argumentos de Teori Zavascki que da confissão  dos procuradores paranaenses de que “a (privação humilhante da) liberdade era um trunfo que a gente tinha para convencê-los a falar mais”para mostrar o paroxismo a que chegamos.

A lei, se não é para todos, torna-se apenas um instrumento mesquinho de política.

E a regra da liberdade não é nem, bem assim, uma novidade: há exatos 800 anos, em 1215, a primeira Constituição inglesa, assinada (e descumprida) por João Sem Terra, dizia: “Nenhum homem livre será preso, aprisionado ou privado de uma propriedade, ou tornado fora-da-lei, ou exilado, ou de maneira alguma destruído, nem agiremos contra ele ou mandaremos alguém contra ele, a não ser por julgamento legal dos seus pares, ou pela lei da terra.”

Cercados e coagidos
Janio de Freitas, na Folha

O reconhecimento, por condutores da Lava Jato, de que a meia libertação de nove dos seus presos vai dificultar novas adesões à delação premiada não precisava de detalhamento para revelar a sua índole. Ainda assim, ao menos um dos condutores quis frisar que, até a decisão do Supremo, “a liberdade era um trunfo que a gente tinha para convencê-los a falar mais. Agora, teremos que repensar”.

Toda coerção é violência. Por isso coagir não é um recurso legítimo. Seja de obter informações, ou do que mais for.

Toda coerção provém da visão deformada que o autor tem do seu poder, exacerbando-o. Ocorra isso por circunstâncias em que o coagido não tem condições de reagir à altura, ou como manifestação de uma personalidade patológica. Neste ou naquele caso, a posição enfraquecida de um e a posição privilegiada de outro compõem sempre uma situação de covardia, além de física, moral.

O essencial em tal questão foi levantado, com o percurso próprio e melhor estilo, pelo ministro Teori Zavascki como relator do habeas corpus que levou à meia liberdade dos nove. Ao reconhecer que o juiz Sergio Moro não apresentara evidências de risco de fuga ou perturbação de investigações por parte dos presos, além da extensa prisão preventiva de quase meio ano, assim o ministro sintetiza a proposta de volta ao rigor legal:

“A credibilidade das instituições somente se fortalecerá na medida em que forem capazes de manter o regime de estrito cumprimento da lei”.

Aí está um aprendizado que os brasileiros precisam fazer. Caso haja real desejo de chegar a um regime de fato democrático. Estamos cercados de coerções e outros autoritarismos e prepotências por todos os lados. Mas, se não forem fatos gritantes como a arbitrariedade policial ou o juiz que prende quem deve multá-lo, ou nem se percebe a predominância do autoritarismo, ou é aceito como natural.

Do próprio Congresso vem mais uma demonstração nesse sentido. Surgidos dois documentos feitos em computador do seu gabinete, suspeitos de conterem coerção para reativar subornos de duas empresas, a providência imediata de Eduardo Cunha é valer-se da presidência para a demissão sumária do diretor de informática da Câmara. Como complemento, diz que os documentos configuram uma conspiração em represália à disciplina que, dias antes, teria imposto à seção de informática.

Nas várias suspeitas que o atingem há muitos anos, é inegável que Eduardo Cunha tem sempre uma resposta pronta e articulada. O problema é que, de tão prontas e articuladas para transferir a suspeita, as explicações se tornam elas mesmas suspeitas de álibi construído.

À reprise foi agora acrescentada a prepotência. Nas circunstâncias e por ser sumária, a demissão do funcionário implica acusação grave. Sem a devida apuração, necessária também por lei. Mas, apesar de sua motivação e desregramento, sem reação do conjunto de deputados e do corpo de funcionários. Embora até as suspeitas suscitadas pelos documentos e por sua origem persistissem vivas.

A Lava Jato “tem que repensar”. Pode ser um bom começo. Prender criminosos precisa ser um ato só da legalidade e da democracia."

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