"É comum ouvir que poucas famílias controlam a comunicação no Brasil. Contudo, a afirmação não é mais verdadeira. É possível dizer que um único grande grupo domina a mídia brasileira
Gustavo Gindre, Revista Mídia com Democracia / FNDC
Entre os países ditos democráticos, apenas dois possuem uma única empresa que concentra mais de 60% do capital circulante nos meios de comunicação: o Brasil (Globo) e o México (Televisa). Não por acaso, ambos essenciais para a política norte-americana em relação ao seu “quintal”, a América Latina.
Durante anos foi comum ouvir que poucas famílias controlam a
comunicação no Brasil. Contudo, se levarmos em consideração a receita e o
lucro das empresas, a afirmação não é mais verdadeira. É possível dizer
que um único grande grupo domina a mídia brasileira.
Segundo dados de 2013, se somada a receita líquida da Abril, SBT, O
Estado de S. Paulo, Folha de S. Paulo e RBS, o resultado fica em torno
de um terço da receita líquida da Globopar (holding da família Marinho
que não inclui seus jornais e rádios). Já em relação ao lucro líquido
somado destas empresas, ele corresponde a menos de 10% do da Globopar.
Ainda em 2013, apenas cinco empresas não financeiras (Petrobras, Vale,
Telefônica/Vivo, Ambev e Cemig) tiveram lucro líquido maior do que a
Globopar, com a diferença que esta é a única que tem seu capital
fechado, pertencente apenas aos herdeiros de Roberto Marinho.
Trata-se, portanto, de um colosso sem qualquer rival no país, capaz de
determinar o rumo das comunicações e com um peso político praticamente
sem igual nos países ditos democráticos.
O passado
Mas nem sempre foi assim. Roberto Marinho era um jovem playboy que
herdou, com a morte de seu pai em 1925, um jornal no Rio de Janeiro.
Assim permaneceu até 1944, quando surgiu a também carioca Rádio Globo
AM. Foi apenas no governo Kubitschek que Marinho conseguiu uma outorga
para o que viria a ser a TV Globo. Logo ficou claro que ele dispunha de
um caixa maior do que seu patrimônio, com a Globo investindo muito mais
que sua concorrência. A CPI do caso Globo Time-Life, nos primeiros anos
da ditadura militar, comprovou que tais recursos vinham do grupo
norte-americano Time-Life e, muito provavelmente, do próprio governo dos
Estados Unidos, interessado em construir uma rede de televisão que
desse suporte ao regime. Não à toa, a emissora apoiou sistematicamente a
ditadura ao longo de seus 21 anos.
Tal postura se explicitou em vários momentos. Primeiro, quando a
ditadura militar rachou entre aqueles que temiam o gigantismo da Globo e
os que atuavam como verdadeiros porta-vozes dos interesses da empresa
no governo. Ou no caso Proconsult. Ou nas articulações que precederam a
Nova República, com Roberto Marinho recebendo o Ministério das
Comunicações (ocupado por Antônio Carlos Magalhães) como sendo de sua
“cota pessoal”. Ou, finalmente, na construção do candidato e posterior
derrubada do Presidente Fernando Collor.
A Globo era, enfim, um quase-partido político, com seus representantes
no Congresso Nacional, sua interlocução privilegiada com o Executivo,
sua própria agenda política e poder total para manipular fatos,
invisibilizar histórias e construir uma linha editorial marcada pela
ausência de diversidade e pluralidade.
Mas anos difíceis vieram. Na década de 90, ao mesmo tempo em que era
amplamente beneficiada pelo governo FHC, a Globo se envolveu em uma
perigosa aventura de operar no setor de telecomunicações, que quase a
levou à falência. No início da década de 2000, enquanto renegociava as
dívidas, a Globo procedeu a um fortíssimo processo de venda de ativos,
concentrando-se apenas na produção de conteúdo.
Por isso, é possível dizer que os primeiros anos do governo Lula foram
marcados por uma oportunidade histórica desperdiçada. Um governo
fortalecido pelas urnas, tinha pela frente uma Globo ainda lutando para
sair de sua pior crise. Era a hora perfeita para impor uma pauta que
conseguisse abrir caminho para o fortalecimento de outros grupos de
comunicação e a construção de veículos comunitários e públicos.
Infelizmente, não foi o que aconteceu. O governo não demonstrou
interesse em regular a comunicação, veio a crise política de 2005 e,
enquanto a Globo ia se reerguendo economicamente, os Marinho conseguiram
indicar um ex-funcionário como ministro das Comunicações: Hélio Costa.
Nos últimos anos o cenário só fez piorar. Ao mesmo tempo em que a Globo
saiu da crise e se tornou um império bastante lucrativo, o governo
permaneceu sem disposição para enfrentar o poder quase monopolístico da
“Vênus Platinada”. Nem mesmo o escândalo do crime de sonegação fiscal
que envolve a Globo, com transações via paraísos fiscais, parece abalar
suas estruturas.
O futuro
No campo econômico, a Globo não se sente ameaçada pelos demais grupos
de mídia do Brasil. A Abril, durante anos um oponente de peso, hoje luta
para não falir. A Record, turbinada pelo dinheiro da Igreja Universal
do Reino de Deus, pareceu ser uma ameaça, mas hoje se contenta à TV
aberta, onde é apenas uma cópia mal feita da Globo. Os demais grupos
estão restritos a regiões do Brasil (como a RBS), a mídias declinantes
(como O Estado de S.Paulo e Folha de S. Paulo) ou são notoriamente mal
administrados (como SBT e Bandeirantes).
O maior adversário da Globo, e ela sabe disso, vem de fora do Brasil. A
TV aberta não terá, com as novas gerações, o prestígio de outrora. E se
é verdade que a TV paga segue crescendo no Brasil, trazendo junto a
gigante Globosat, também é fato que a Internet apresenta novos desafios,
não apenas através de grupos de comunicação como Disney e Warner, mas
principalmente a partir de novos entrantes, como Netflix, Google, Apple e
Amazon. Em um cenário globalizado, a Globo deixa de ser um gigante
entre anões para ser um simples coadjuvante.
Aqueles que lutam para democratizar a comunicação no Brasil têm, assim,
um desafio inescapável em relação à Globo. Sua condição atual de quase
monopolista, e sua atuação como verdadeiro partido político, fere de
morte nossa democracia. Por outro lado, o que surge no horizonte podem
ser adversários ainda mais difíceis, de caráter transnacional. Portanto,
nunca foi tão importante construir uma alternativa democrática ao
domínio da Globo. E nunca foi tão estratégico o Estado brasileiro
enfrentar essa questão.
Caberá à sociedade pressionar suficientemente o governo para que o país
avance nas questões regulatórias e no fortalecimento de uma mídia
verdadeiramente pública. E a “descomemoração” de seus 50 anos é um
excelente momento para isso."
Comentários