Como o MP tentou impedir a tragédia e o governo Alckmin não deixou


"Há mais de um ano, um núcleo do Ministério Público acompanha o cenário do abastecimento na região. Não pedem muito, apenas a recuperação do sistema.

Patricia Faermann, GGN

Protocolada em setembro de 2014, uma ação civil pública do Ministério Público Federal e do Ministério Público do Estado de São Paulo, contra a Sabesp, a ANA (Agência Nacional de Águas) e o DAEE (Departamento de Águas e Energia Elétrica), permanece sem julgamento. O trabalho do MP, que já completa um ano e meio, continua a enfrentar resistências na Justiça.

A ação, que apresentou o cenário trágico do sistema de abastecimento da região metropolitana de São Paulo, sobretudo do sistema Cantareira, foi recebida em outubro do último ano, com resultado positivo: a Justiça Federal de Piracicaba, que julgou o caso, obrigou a Sabesp e demais órgãos a cumprirem uma série de medidas que evitassem a degradação ainda maior do sistema hídrico, com vistas a permitir a recuperação das águas um dia.

A Justiça decidiu pela tutela antecipada, ou seja, ainda que o processo não fosse julgado por todas as instâncias e ainda que obtivessem recursos, as agências reguladoras deveriam cumprir a decisão de imediato, provisoriamente.

Entretanto, excluindo-se a Agência Nacional, os demais órgãos (estaduais e o próprio Estado de São Paulo) entraram com dois recursos. Um dirigido ao presidente do Tribunal Regional Federal (TRF3), o desembargador Fábio Prieto de Souza, que suspendeu a decisão de tutela antecipada.

De acordo com uma das autoras da ação civil, a procuradora regional da República Denise Neves Abade, esse tipo de interferência ocorre raramente. “É um tipo de recurso que cabe em situações excepcionalíssimas, nas quais a decisão que defere a tutela ofende ostensivamente a ordem social e a ordem pública”, explicou ao Jornal GGN.

Entretanto, em posicionamento atípico, o presidente do TRF3 entendeu que a comarca de Piracicaba não tinha competência para julgar o processo, que caberia à Justiça Federal da capital – ainda que os órgãos do Estado de São Paulo não chegaram a levantar esse argumento –, e definiu a suspensão da tutela antecipada.

Um segundo recurso do Estado de São Paulo caiu na 4ª Turma do TRF3, para a relatoria da desembargadora Monica Nobre, conhecida de boas vistas no círculo de Fábio Prieto. Nessa ação, a Sabesp, o DAEE e o Estado apontaram que o juiz de Piracicaba não tinha competência. Sem colocar a pauta às diferentes opiniões do colegiado, Monica acolheu o pedido em decisão monocrática, em novembro de 2014.

Assim, a tutela antecipada foi anulada. A ação voltou para a primeira instância, redistribuída para a 13ª Vara da Justiça Federal em São Paulo. O trabalho do MPF começaria do zero, mais uma vez.


Na última semana, a procuradoria solicitou que o caso seja reconsiderado, alegando que a decisão não deveria ter sido monocrática. Já para o posicionamento de Prieto, o MPF interpôs recurso.

“Enquanto os recursos do MPF não forem acolhidos, o entendimento do Tribunal é que a decisão proferida por juiz incompetente é nula – como se não tivesse existido. Assim, não está valendo a tutela antecipada, e o processo voltou como se a ação tivesse acabado de ser interposta”, lamentou a procuradora.

O cenário do sistema Cantareira sofreu pioras desde setembro de 2014, quando a ação do MPF e do MPSP foi protocolada. Mas com vistas a não perder mais tempo, os órgãos não alteraram as solicitações do processo.

Pouco foi pedido pelos Ministérios Públicos de pena aos agentes responsáveis. O que mobiliza a ação é a preocupação com o dano irreversível do sistema hídrico. Diminuição das vazões dos rios dos reservatórios, proibição de retirada de água do volume morto, garantia de fiscalização e monitoramento com acesso ao público da situação real do sistema são algumas das solicitações.

A ação civil pública, que possui 145 páginas, compõe um dossiê de todos os erros cometidos na gestão do abastecimento de água na região metropolitana de São Paulo.

Em outubro do último ano, o Jornal GGN acompanhou o processo e conversou com um dos promotores de Justiça, Rodrigo Sanches Garcia, para entender o cenário. A conclusão do MPSP e do MPF foi que “a intenção da Sabesp era tirar água enquanto pudesse, inclusive para não ter que decretar racionamento”, contou o promotor, à época.

“Sempre com a lógica, não da preservação do sistema, mas do quanto se pode retirar de água. Porque água é dinheiro”, afirmou."

Comentários