O ovo da serpente chocou


Fernando Brito, Tijolaço  

"Alertado pelo site da revista Eleven Culture, fiquei sabendo, depois de escrever sobre os grupos de extrema direita,  que a cantora Céu e a banda Bixiga 70 foram agredidos por estes imbecis durante apresentações em São Paulo.

No caso de Céu, as agressões ficaram no verbal, porque ela manifesta, inclusive em seu Facebook, sua opção de voto por Dilma, se é possível chamar vaias e palavrões de “verbais”.

Com o Bixiga 70, a coisa foi a agressão física, quanto tocaram uma música nordestina – de Luiz Gonzaga – e uma fã foi agredida por um dos sujeitos destes que, do alto de sua estupidez, acha que são os pobres do Nordeste que se comportam como “bovinos”.

Reproduzo a manifestação da  banda em seu Facebook, para que ninguém ache que é pequeno ou irrelevante o fenômeno de fanatismo que mídia e setores da oposição que não aceitam os resultados eleitorais estão provocando, especialmente em São Paulo.

É como diz o nazista Hans Vergerus no famoso filme de Ingmar Bergman: “É como o ovo de uma serpente. Através das finas membranas, você pode claramente discernir o réptil já perfeito”.

Ou, talvez seja melhor lembrar da frase que dá origem à expressão, esta de Shakespeare: “Consideremo-lo ovo de serpente que, chocado, por sua natureza, se tornará nocivo. Assim, matemo-lo, enquanto está na casca.”
Do Facebook do Bixiga  70:

Recentemente passamos por uma situação lastimável, que colocou em risco nossa integridade física e moral. Situação que simboliza bem o momento que o país vive e achamos importante esclarecer os fatos publicamente para evitar ruídos e reafirmar nosso posicionamento que vai muito além da polarização partidária simplista, da forma como se coloca hoje.

Quem nos conhece, pessoalmente ou através de nossa música, sabe que nós somos da paz. Somos artistas e cidadãos. Prezamos pela liberdade de expressão, pela igualdade entre as pessoas, pelos Direitos Humanos e isso está presente tanto na nossa música como em nossa vida, em nossa atitude, enquanto grupo que funciona horizontalmente, na base da coletividade, da parceria e da liberdade criativa.

O Brasil vive um momento muito delicado. Os ânimos estão à flor da pele e o resultado disso tem sido a polarização, o crescimento do ódio e dos ataques entre as partes. Nós sempre fizemos questão de nos manifestar publicamente, em shows ou nas redes sociais, a respeito de opiniões que discutimos muito entre nós. Foi assim no caso do Pinheirinho, da ocupação do Estelita, nas Manifestações de Junho, contra a xenofobia, a homofobia, o machismo, o preconceito… Os exemplos são inúmeros, qualquer pessoa que já foi a um show nosso sabe disso.

No dia do ocorrido, não foi diferente. Manifestamos nossa opinião contrária a um ato que defendia a intervenção militar no Brasil que acontecia perto dali, no mesmo instante em que nos apresentávamos.

A reação imediata de parte do público foi “xingar o PT’’, dirigindo-se a nós com dedos em riste. Até aí, sem problemas. Respeitamos opiniões diferentes da nossa e enquanto artistas estamos preparados tanto para os aplausos, quanto para as vaias. Tentamos, em vão, explicar que a banda não tem qualquer ligação com partido, que falávamos como artistas e que iríamos tocar nossa última música – de um nordestino que nos inspira e nos orgulha, chamado Luiz Gonzaga. Entre vaias, xingamentos e alguns aplausos, tocamos nossa última música. Alto.

Logo após o fim do show, vimos um rapaz agredindo uma garota que foi para a frente do palco após nossa fala, nos apoiar com sua dança e sua alegria. O rapaz estava fora de si, inconformado com a situação, com o dedo médio na cara dela, empurrando e a ofendendo, aos berros. Para além de qualquer questão partidária, enquanto homens, parceiros, maridos, pais e filhos, não admitimos qualquer tipo de violência contra as mulheres ou qualquer indivíduo.

Ao vermos a cena, e na falta de quem a protegesse, descemos do palco para garantir a segurança da garota. Nesse momento, parte do público que nos xingava partiu pra cima. O tumulto estava formado e, diante da agressividade dos muitos que nos rodearam, nos defendemos como qualquer outro o faria em situação semelhante.

Não queremos nos vitimizar, nem nos tornar mártires de uma disputa política vazia e reducionista. Fomos tragados por uma violência que está cada vez mais presente em São Paulo e no Brasil. Nos sentimos na obrigação de alertar sobre os perigos desse movimento pois a desinformação e o discurso de ódio têm sido utilizados como ferramentas para que as pessoas se desentendam e não percebam sua situação real. Esperamos que o ocorrido, por pior que tenha sido, reflita positivamente e que isso ajude, não na polarização de um discurso politico simplista, pautado pelo ódio, mas na evolução do diálogo que é tão importante nesse momento.

Muito obrigado pelo apoio e pelo carinho que temos recebido dos amigos e fãs. Agradecemos aos que puderem compartilhar essa mensagem."

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