Carlos Castilho, Observatório da Imprensa
"O site G1, a página da Rede Globo de TV na internet, lançou esta semana um blog diário com dicas para economizar água em
cidades afetadas pela estiagem de meio de ano. É uma iniciativa
importante e oportuna, mas insuficiente para enfrentar situações mais
agudas como a de São Paulo.
Os paulistanos vivem uma situação em que medidas administrativas e
paliativos só produzirão efeitos duradouros se forem acompanhados por
algo mais permanente como a mudança de valores e comportamentos.
Só que novos valores que permitem a automatização dos novos
comportamentos levam tempo para serem substituídos por outros mais
adaptados a novas realidades. É aí que entra a imprensa.
A mudança de valores quase sempre é vista como algo inviável ou utópico,
principalmente pelos jornalistas acostumados a buscar resultados
imediatos. É uma forma muito comum de jogar o problema para adiante sem
resolvê-lo.
Mas é bom lembrar que o hábito de fumar, um tabu na imprensa
nos anos 1960 e 70, quando sua defesa foi comparada à preservação da
liberdade de escolha, mudou 30 anos mais tarde. O mesmo aconteceu com
outros valores como a limitação da natalidade, direitos iguais entre
homens e mulheres e, mais recentemente, a questão da homossexualidade e
do meio ambiente.
Na maioria desses casos, a imprensa resistiu até onde pôde à mudança de
crenças, valores e comportamentos, mas depois alterou suas estratégias
editoriais. Nem todos os veículos de comunicação acataram este aggiornamento, mas é inegável que até mesmo os mais conservadores já não se mostram tão resistentes à mudança.
A falta de água que afeta São Paulo atualmente é um caso extremo de um
fenômeno que pode atingir os grandes conglomerados urbanos do país. As
cidades cresceram desordenadamente, a população inchou geometricamente e
a modernização da infraestrutura ficou amarrada a decisões burocráticas
dos poderes públicos. O resultado é uma defasagem entre demanda e oferta de serviços públicos, especialmente os de saneamento e transporte.
A questão é urgente e não pode esperar décadas, como aconteceu na questão do fumo. A pressa torna compulsória a participação da imprensa no
esforço para mudar o comportamento da população com respeito ao uso da
água e a proteção aos mananciais onde ela é captada para consumo urbano.
É claro que os governos têm muito a fazer em matéria de racionalizar a
distribuição e reorganizar a gestão do saneamento urbano. Mas as
autoridades não podem, e nem seria desejável, comandar o processo de
atualização dos valores que orientam os comportamentos da população em
matéria de uso da água.
A solução do problema do abastecimento de água torna inevitável a troca do individualismo pelo espírito comunitário na
conduta diária das pessoas, não importa o seu status social. Sem uma
nova mentalidade baseada na preocupação com o bem estar coletivo não
adiante baixar normas, punições, racionamentos e reajustes nas tarifas.
Como há urgência e o desafio é complexo, a imprensa tem uma
responsabilidade da qual ela não pode fugir, não só por uma questão de
coerência com sua retórica de defesa do interesse público, mas
principalmente porque a reconquista da fidelidade dos leitores, ouvintes
e telespectadores é fundamental para a sobrevivência com negócio nesta
traumática busca de um novo modelo de negócios na era digital.
É possível, sim, abandonar a prioridade histórica dada à agenda
noticiosa orientada por interesses político/eleitorais e financeiros, e
trocá-la por uma estratégia editorial que enfatize a desenvolvimento de
uma nova mentalidade urbana em relação a itens escassos como água,
saneamento básico, transporte e segurança pública.
Iniciativas como o blog do G1 poderiam associar a divulgação de dicas
para economia de água à necessidade de mudar comportamentos vigentes
entre os moradores de São Paulo, por exemplo. Na hora em que os jornais
colocassem esta preocupação nas manchetes da primeira página algo
poderia começar a mudar na cabeça e no quotidiano das pessoas. Um dos
maiores especialistas mundiais em mudança de valores sociais, o
norte-americano Daniel Yankelovich, garante que a mudança acontece quando o fluxo de notícias é sequencial e cumulativo. Não é uma notícia que muda comportamentos e valores, mas uma sequência de notícias.
Yankelovich, que se especializou no estudo das mudanças de
comportamentos, crenças e valores entre os norte-americanos, lamentou em
seu livro Coming to Public Judgment:Making Democracy Work in a Complex World que a inércia da imprensa tenha
colaborado para que mudanças importantes como a questão da igualdade de
sexos no mercado de trabalho tenham demorado tanto a consolidar-se.
Na era digital, a imprensa tem enormes possibilidades de acelerar o processo porque ela é uma das responsáveis pela deflagração de processos virais na disseminação de dados e
informações. O público da imprensa encolheu porque os jovens migraram
para o Facebook e Twitter, mas ela ainda tem o poder de alimentar a
agenda pública e provocar debates nas redes sociais onde o conhecimento é
gerado.
A imprensa não perde nada se mudar de foco na estratégia editorial. Pode até correr o risco de sair ganhando porque o público dá sinais de saturação em
relação a monotonia dos escândalos, violência, tragédias e maquinações
político-eleitorais. Leitores e especialistas podem contribuir com casos
concretos e experiências em curso em matéria de economia de água em
grandes cidades, como fez o leitor deste blog, Toninho Belo, que
comentou sobre a importância da população proteger os mananciais que
abastecem as cidades.
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