PML: "provas fictícias ferem a democracia"


"Em novo artigo, o jornalista Paulo Moreira Leite comenta o fato de dois ativistas, Fábio Hideki Harano e Rafael Marques Lusvargh, tenham ficado 42 dias presos, acusados por um crime que não cometeram; "Para a polícia, em 2014, resta explicar uma acusação para a qual não exibe provas consistentes. Para os ativistas, cabe responder o motivo de protestos violentos". diz ele

Brasil 247

A revelação de que dois ativistas presos em São Paulo (leia aqui) não portavam explosivos motivou uma análise do jornalista Paulo Moreira Leite, diretor do 247 em Brasília, sobre o impacto de prisões ilegais, à margem da lei, no processo democrático.

Leia abaixo o artigo publicado em seu blog:

Provas fictícias prejudicam democracia. Violência também


O reporter Giba Bergamim Jr revela na Folha de hoje que dois militantes políticos passaram 43 dias na prisão, em São Paulo, sem que se tenha provas de que portavam explosivos para produzir atentados violentos. A descoberta confirma aquilo que se suspeitava: a polícia do governador Geraldo Alckmin investe pesado na criminalização dos movimentos sociais, em ações que foram do Pinheirinho aos protestos de junho de 2013, quando a brutalidade da PM paulista ajudou a transfomar uma luta legítima pela redução da passagem de ônibus numa semi-insurreição popular em escala nacional.

No final de 2011, 70 estudantes da USP foram presos após ocuparem a reitoria. Eu estava na 91a delegacia, para onde foram conduzidos. O espantoso não era ouvir o discurso dos estudantes, num grau de radicalismo que permitia chamar o PSTU de “organização conservadora,” como ironizou o deputado Adriano Diogo, que seguiu o caso. Mais curioso era o discurso de delegados e investigadores sobre os estudantes. Eram descritos como subversivos perigosos, que “agora iriam ter o que buscavam,” como disse um policial. Mas, naquele episódio, não foram encontradas armas de fogo, o que permitiu que, mesmo conduzidos a prisão, eles pudessem ser liberados sob fiança, lamentou um policial em 2011.

A presença de “material explosivo” em 2014 poderia sanar essa dificuldade – desde que fosse real. Mas os laudos do Instituto de Criminalistica desmentem essa hipótese. Afirmam que nada do que se encontrou com os dois manifestantes – tem poder explosivo. Nem uma garrafa plástica suspeita de abrigar um coquetel molotov poderia prestar-se a isso, diz a reportagem. 

Tampouco uma fita transparente poderia servir para prender alguma substancia perigosa, dizem os peritos. A polícia afirma que há outras provas mas, a menos que elas possam sustentar uma acusação dessa gravidade, deve-se temer que novas dificuldades possam surgir apenas para impedir o cumprimento de um direito líquido e certo dos presos, o que é sempre inaceitável.

A democracia existe para defender os direitos de todo cidadão, qualquer que seja seu credo político, e não há debate possível a este respeito.

Mas a constatação de que, de uns tempos para cá, o país tem assistido a uma sequencia de protestos violentos, que irão permitir a Geraldo Alckmin reforçar a musculatura eleitoral pela simples manutenção de alguns ativistas na cadeia, não pode evitar uma pergunta essencial da luta política: quem ganha com isso?

As ações violentas são rejeitadas pela quase totalidade dos brasileiros e ajudam a reforçar o coro de quem pede o aumento da vigilância sobre o cidadão comum e questiona as liberdades em vigor no país a partir da Carta de 1988. Os trabalhadores, obviamente, não se beneficiam com vidraças quebradas, carros virados, onibus incendiados.

No ano eleitoral de 2014, o esquerdismo torceu contra a Copa e contra a Seleção Brasileira. Vibrou com o 7 a 1 dos alemães e fingiu que não enxergava os aliados que marchavam à direita para inviabilizar o Mundial e colocar o governo Dilma na defensiva.

Grupos e ativistas esquerdistas fizeram sua parte para alimentar denúncias fictícias e anunciar o caos no horizonte – contribuindo, com o máximo de suas mínimas forças, para que um desastre inesquecível se materializasse.

O esquerdismo faz parte da história da humanidade. Não é uma escola de pensamento mas um conjunto de atitudes. Envolve pessoas, grupos e mesmo indivíduos isolados que, agindo a margem do movimento de trabalhadores e do conjunto da população pobre, ou “à margem da luta de classes,” como se dizia quando eu frequentava as Ciências Sociais da USP, decide fazer História por conta própria. O traço mais característico desse comportamento é ignorar as reivindicações que mobilizam a população e podem ajudá-la a defender seus interesses. Há casos bem estudados dessa atuação mas poucos se comparam ao que se passou na Alemanha, em 1933, quando ocorreu o incêndio do Reichstag, o parlamento alemão.

O fogo foi obra de Marinus van der Lubbe, um ex-militante da juventude comunista, nascido numa família operária e que, é assim descrito pelo historiador Ian Kershaw: “inteligente e solitário, sem ligações com grupos políticos, mas possuído de um forte sentimento de injustiça diante da miséria da classe operária nas mãos do sistema capitalista.” Para Kershaw, van der Lubbe queria “fazer um ato solitário e espetacular de protesto”, para “galvanizar a classe trabalhadora contra a repressão.”

O efeito da ação de Marinus van der Lubbe foi imediato. Vinte e quatro horas depois do incêndio, cujas labaredas comoveram o país e a Europa, deixando o país em pânico, aprovou-se em Berlim um decreto de Emergência “Para a Proteção do Povo e do Estado”, que suspendeu as liberdades individuais, permitiu a censura a imprensa e o monitoramento das correspondencias e dos telefonemas. A liberdade de manifestação foi proibida, assim como o direito de associação. No mesmo decreto, o governo central ganhou o direito de intervir nas regiões administrativas do Estado alemão, o que facilitou a consolidação da ditadura em lugares onde a força de Hitler era menor. O incêndio do Reichstag foi o grande assunto de uma campanha eleitoral que se encontrava em seus dias finais. A máquina de propaganda nazista custou a acreditar que tivesse recebido tamanho presente em ocasião tão oportuna e logo tratou de culpar comunistas e socialistas pela tragédia.Sete dias depois, numa eleição parlamentar que Adolf Hitler usaria para confirmar seus poderes, os nazistas conseguiam 43% dos votos, seu maior desempenho eleitoral até então. Com apoio de partidos conservadores, construíram uma máquina de guerra, conquista e crimes que só seria vencida pela força militar de seus inimigos externos.

Quem reconstitui o golpe de 64, no Brasil, não pode deixar de reconhecer o papel do esquerdismo no enfraquecimento de João Goulart. Convencidos de que Jango não passava de um “populista” e de um “reformista” (sempre entre aspas), como se lê até hoje em tantos manuais, militantes esquerdistas atuaram como seus adversários, contribuindo para isolar um governo que era alvo prioritário da conspiração dos quartéis, do empresariado e da CIA – e que deveria ser defendido para garantir, pelo menos, a continuidade do processo democrático.

Agindo por conta própria, ou mesmo infiltrados por agentes provocadores, os adversários à esquerda de Jango passaram os dias anteriores ao golpe procurando cenas de confronto e desgaste. Num livro-panfleto em que saúda o golpe, o jornalista Araken Távora, inteiramente alinhado com a conspiração militar, descreve o esforço do governador Carlos Lacerda, líder civil do golpe, para impedidr qualquer acomodação entre Jango e as forças que pretendiam derrubá-lo. Távora chega a dizer “respiramos aliviados” quando se verificou que Jango havia fracassado numa tentativa de acomodação antes do comício do Automóvel Clube, a 30 de março, 24 horas antes dos tanques do general Mourão tomarem o rumo do Rio de Janeiro.

Realizou-se, assim, uma profecia trágica e verdadeira. Incapaz de se alinhar à vontade da maioria, o comportamento esquerdista ajudou a colocar a democracia em risco.

Para a polícia, em 2014, resta explicar uma acusação para a qual não exibe provas consistentes. Para os ativistas, cabe responder o motivo de protestos violentos."

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