Luis Kawaguti, BBC Brasil
"Pesquisadores brasileiros estão estudando um mecanismo que usa características da bolsa de valores e de sites de apostas para tentar prever o resultado das eleições no país. O sistema já é usado nos Estados Unidos e na Europa e, segundo estudos, tem se revelado tão ou mais preciso que as tradicionais pesquisas de intenção de voto.
O método é conhecido como "mercado preditivo". Em linhas gerais, consiste em criar diferentes tipos de "ações" de cada candidato - como se eles fossem empresas - e disponibilizá-las para negociação em um mercado virtual por meio de um site na internet.
O preço atingido por cada tipo de papel possibilita aos pesquisadores fazer previsões sobre o vencedor do pleito e até sobre a porcentagem de votos que ele pode receber.
Mas para funcionar em larga escala no Brasil, dizem especialistas, o método terá que ser fiscalizado por autoridades – para evitar que seja manipulado por partes interessadas.
Em outros países, as negociações são feitas com dinheiro real – o que já atraiu críticas por tornar o sistema semelhante a bancas de apostas – mas no Brasil funcionará, ao menos durante a fase de pesquisa, com base em uma moeda fictícia.
A diferença básica em relação às tradicionais pesquisas de intenção de voto é que o participante "aposta" mais recursos no candidato que considera ter maiores chances de ganhar – ao invés de apontar o candidato em quem pretende votar.
Além disso, em vez de ter uma amostra proporcional da população, a técnica se propõe reunir um grupo de pessoas motivadas que, coletivamente, tenham boas informações sobre o assunto.
Essa "bolsa" atrairia "investidores" que tomam decisões após analisar pesquisas de intenção de voto, análises de mercado, e relatórios de setores do comércio e da indústria.
Previsões
O "mercado preditivo" tem como vantagens ser mais barato que as pesquisas de intenção de voto e fornecer previsões praticamente em tempo real, segundo o pesquisador Ivan Roberto Ferraz, da FEA (Faculdade de Economia e Administração) da USP (Universidade de São Paulo).
"Não é necessária uma amostra representativa da população, o que reduz o custo do método, e um mercado preditivo pode agregar informações de forma muita rápida, por isso, você sempre tem um termômetro atualizado", afirmou.
O método vem sendo utilizado desde o final da década de 1980 no exterior. Uma pesquisa da Universidade de Iowa, nos Estados Unidos, analisou a aplicação do método em 15 eleições, ocorridas entre 1988 e 2000, nos Estados Unidos, Alemanha, Áustria, Dinamarca, França e Turquia.
Ela mostrou que, em nove desses pleitos, os mercados preditivos foram mais precisos que as pesquisas de opinião. Enquanto as pesquisas tradicionais obtiveram margens de erro de 1,9%, as dos mercado preditivo alcançaram índices de 1,49 e 1,58% (que correspondem a dois diferentes critérios usados no mercado preditivo).
Iniciativas
Pesquisadores de pelo menos duas universidades estão estudando formas de implantar o método no Brasil. Uma das experiências é o site da BPrev (Bolsa de Previsões), da USP.
Segundo Ferraz, responsável pelo projeto, um grupo de participantes está sendo selecionado para atuar como "investidores" e "comercializar" ações dos candidatos, com moeda fictícia, durante o período eleitoral. Os interessados aceitam participar da pesquisa preenchendo uma formulário no site da BPrev (www.bolsadeprevisoes.com.br).
Mas por se tratar de pesquisa acadêmica, as previsões não serão tornadas públicas antes da divulgação oficial do resultado do pleito. Elas serão comparadas com as pesquisas de opinião e com o resultado das urnas para avaliar a eficácia do método.
Segundo o pesquisador, o site também fará previsões sobre como o mercado financeiro reagirá ao pleito. Passadas as eleições, a ferramenta terá sua eficácia testada ainda em previsões sobre economia e até campeonatos de futebol.
Na UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), o cientista político Deivison Souza Cruz desenvolveu modelos matemáticos baseados no método do mercado preditivo que pretendem prever não só o resultado de eleições majoritárias, mas também pleitos legislativos.
"Não há pesquisa de opinião sobre os candidatos ao legislativo que seja muito precisa, porque a quantidade de concorrentes é imensa. O percentual de votos de cada um muitas vezes é menor que a margem de erro da pesquisa", afirmou.
A fórmula criada por ele tenta antecipar o resultados de eleições para vereadores, deputados e senadores usando o modelo de bolsa, porém levando em conta outras variáveis, como a quantidade de cadeiras no legislativo que podem ser obtidas por cada coligação.
Na fase atual do estudo, Cruz e sua equipe buscam financiamento para criar uma estrutura para processar os dados. Eles também querem submeter um pedido à Comissão de Valores Mobiliários, autarquia da Ministério da Fazenda, para operar com apostas reais no futuro (com um teto máximo de cerca de R$ 1.000 por participante).
Segundo Cruz, embora o projeto tenha capacidade técnica para operar já neste pleito (sem o uso de dinheiro real), possivelmente será colocado em pratica na eleição de 2016.
Isenção
Segundo o sociólogo Valeriano da Costa, professor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp (Universidade de Campinas), embora já exista há anos no exterior, o modelo do mercado preditivo poder enfrentar dificuldades no Brasil.
"O grau de controle sobre essas bolsas deverá ser claramente explicitado. As 'apostas' nos candidatos têm que ser espontâneas e não dirigidas, para que o mercado não sofra com algum tipo de viés", disse.
"É preciso que seja um mercado aberto e competitivo", afirmou. Segundo ele, é preciso que os participantes não se comuniquem entre si e não façam seus investimentos seguindo uma estratégia conjunta.
O Tribunal Superior Eleitoral disse à BBC Brasil que não há legislação ou casos já julgados no país que tratem de mercados preditivos.
De acordo com o sociólogo americano David Fleisher, professor da UNB (Universidade de Brasília), os pesquisadores brasileiros devem encontrar dificuldades para fazer previsões sobre as eleições do país usando o método devido à grande quantidade de partidos e candidatos envolvidos no pleito – diferente dos Estados Unidos, onde há só dois partidos majoritários.
Segundo Ferraz, do projeto BPrev, apesar das particularidades da realidade brasileira, a "bolsa" terá condições de fazer as previsões e, se tiver sucesso, tornar-se um instrumento importante em eleições futuras. Porém, na atual fase da pesquisa, a prioridade não é acertar os resultados, mas aprender mais sobre o comportamento da ferramenta de mercados preditivos no Brasil."
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