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Marina, o xale, o relho e o lombo
"Ao
contrário do economicismo adotado até aqui, é preciso explicitar a
essência do conflito político radicalizado pela elite brasileira no
processo eleitoral.
Marina, o xale e o relho da nova política
Imagine o seguinte roteiro espetado nas entranhas de uma agremiação política de esquerda:
Um jatinho carregando um candidato a Presidente da República e mais seis pessoas espatifa-se em Santos no dia 13 de agosto.
Todos os seus ocupantes morrem.
A caixa preta do avião está muda.
Uma outra caixa preta, porém, passa a emitir sinais intrigantes no curso das investigações.
A aeronave, descobre a Polícia Federal, não tem dono conhecido. Sua documentação é ilegal.
O partido do candidato morto não contabilizou o seu uso na prestação de contas ao TSE.
AF Andrade - empresa que aparece como última proprietária no registro da Anac, tirou o corpo fora.
Afirma
que já havia repassado o avião a outro empresário, que o emprestou para
um outro, ligado à campanha do presidenciável morto.
Um
labirinto típico das rotas do dinheiro frio desenha-se então nas provas
de um suposto leasing do avião, envolvendo pagamentos feitos por
laranjas que vão de uma peixaria de Recife a escritórios localizados em
lugar nenhum...
Entre as poucas pistas sabe-se que a autorização
de uso na campanha teria sido feita pelo empresário João Carlos Lyra
Pessoa de Mello Filho e o empreendedor Apolo Santana Vieira.
Vieira
responde a processo criminal por sonegação fiscal na importação
fraudulenta de pneus pelo Porto de Suape, que fica no estado de origem
do candidato morto no acidente.
A fraude gerou prejuízo de R$ 100 milhões aos cofres públicos de Pernambuco, de acordo com os autos da Justiça Federal.
Na
verdade, segundo PF, duas aeronaves usadas pela candidatura agora
liderada pela ex-senadora Marina Silva foram arrendadas pela mesma
Bandeirantes Pneus, de Pernambuco, de propriedade do mesmo Vieira,
incriminado no mesmo processo milionário de sonegação.
O valor do jatinho equivale a uma taxa de 20% sobre o total da fraude de que Vieira é acusado.
Em
sua defesa, o empresário alega que apenas manifestou interesse na
compra do avião, mas a operação de transferência não chegou a ser
efetivada. E devolve a bola ao ponto inicial do labirinto: a empresa AF
Andrade - que aparece como proprietária no registro da Anac...
Repita-se:
imagine esse roteiro espetado nas entranhas de uma agremiação política
de esquerda. Ademais dos registros incontornáveis, que tem sido feitos,
reconheça-se, que tipo de campanha ensejaria nas fileiras dos
savonarolas da mídia, do colunismo da indignação seletiva e das togas
justiceiras?
Estamos no campo da ‘nova política’, porém.
E isso altera de forma significativa as fronteiras da tolerância ética.
Se
ainda restava alguma dúvida sobre o que significa esse termo ela foi
dissipada no debate da Bandeirantes desta 3ª feira pela sua expressão
auto- nomeada, Marina Silva, que fez uma empolgada defesa da ‘elite
brasileira’.
Ademais dos elogios à progenitora programática, Neca
do Itaú, a candidata do PSB creditou ao dono da Natura, o milionário
Guilherme Leal, outro esteio da ‘nova política’, um epíteto sonoro: ‘uma
pessoa que dedicou a vida ao desenvolvimento sustentável’.
É
mais ou menos como dizer que o bilionário Warren Buffet –que agora
investe na interação entre Burguer Kings e a rede canadense de
rosquinhas Tim Hortons-- faz parte da elite humanitária, por dedicar a
vida à luta contra a fome.
Marina é o PSDB de xale.
E nisso reside o seu potencial; ao mesmo tempo, a sua vulnerabilidade.
O xale enlaça o desejo justo e difuso por ‘mudança’.
Há quem acredite, sinceramente, que uma candidatura que tem como
formuladores os hiperneoliberais Eduardo Gianetti e Andre Lara Resende,
personificará algo inédito na política brasileira.
Marina é o pleonasmo do PSDB.
Graças ao xale, porém, teria abriu uma vantagem de 10 pontos sobre o candidato tucano Aécio Neves, segundo o Ibope.
E
num segundo turno contra Dilma, aventa o instituto, Marina e o xale
venceriam, cavalgando um crescimento de 16 pontos, contra apenas dois da
atual Presidenta.
A aposta do Ibope é ousada: ‘contra Dilma, todos querem Marina’.
A campanha curta, reconheça-se, favorece o engodo mudancista do qual ela se declara portadora.
O instinto omnívoro do conservadorismo faz o resto: ‘tudo menos o PT’, exalta a mídia.
Por
que não, entoam os endinheirados batendo na mesa, se debaixo do xale
existe alguém disposto a entregar o Estado a quem sabe das coisas?
Os
centuriões da república do dinheiro, gabaritados a desencadear a plena
restauração do neoliberalismo na economia e na sociedade brasileira.
Não é uma frase carimbo.
É a síntese do que defende aquela que se avoca a sentinela avançada do ‘novo’.
‘Contra tudo o que está aí’.
Reiterado de moto próprio ou através de porta-vozes desde a largada de sua candidatura no ano passado.
Por exemplo:
‘(...)
a ex-senadora Marina Silva (PSB) defendeu o retorno à austeridade
fiscal, empenho no combate à inflação e a adoção de uma agenda para
simplificar a economia em apresentação a clientes do banco CreditSuisse
na sexta-feira. (...) A ex-senadora defendeu a volta do tripé
macroeconômico baseado na adoção de metas de inflação, câmbio flutuante e
política fiscal geradora de superávits primários. Conforme relato de
investidores que estiveram no encontro, ela disse que o tripé "ficou
comprometido e é preciso restaurá-lo (...) Marina afirmou discordar do
expansionismo fiscal adotado pelo governo e defendeu que o país volte a
gerar superávits primários "expressivos, sem manobras contábeis" (...) o
câmbio deve voltar a flutuar livremente, sem tantas intervenções do
Banco Central (...) na avaliação dela, o combate à inflação foi relegado
pelo governo. Para recuperar a credibilidade, afirmou, é preciso dar ao
mercado sinais (NR: juros) claros, "quase teatrais", de que a inflação
será levada ao centro da meta’.
O evento assim relatado pelo
jornal Valor Econômico, em 14/10/2013, foi bisado na forma e no conteúdo
nesta 3ª feira (26/08/2010), segundo a Folha de SP, que descreve um
novo encontro a portas fechadas entre emissários de Marina --Walter
Feldman, Bazileu Margarido e Álvaro de Souza (Ex-presidente do Citibank)
, e investidores nacionais e estrangeiros.
Neca do Itaú garantiu a sede do seu banco para a realização do bate-papo.
Enquanto
a turma hard diz a que veio a ‘nova política’, a candidata light
distrai quem de fato pode lhe dar votos para implementa-la.
Aqui entra sua especialidade.
Na
mesma edição de 14/10/2013, o jornal Valor trazia uma ‘esclarecedora’
entrevista, na qual Marina Silva extravasa essa cosmologia
escalafobética.
Vale a pena ler de novo:
Valor: Há alguma contradição entre sustentabilidade e o ideário econômico que a senhora defende?
Marina: Não há contradição (...) Nosso desafio, nesse início de século, é integrar economia e ecologia em uma mesma equação.
Valor: Como se faz isso?
Marina: (...) vamos ter que "ressignificar" a experiência econômica,
social e cultural que temos, a partir delas mesmas. É uma espécie de
mutação.
Valor: Mutação?
Marina:
Sustentabilidade é uma visão de mundo, um ideal de vida. Esse ideal vai
se realizar na forma de novos projetos identificatórios (...)
Baixa o xale, rápido.
Uma
narrativa suficientemente etérea para ‘ ressignificar’ tudo e não mudar
nada. E nessa complacente sanfona incluir desde justas aspirações por
novas formas de viver e produzir , a alianças com Bornhausens e
assemelhados, em contraste gritante com a pureza esvoaçante do invólucro
entrelaçado com fibras da floresta amazônica.
O simulacro
envolve riscos tão evidentes ao país quanto aqueles inerentes à vitória
do caçador de marajás, em 1989. Que só foi possível graças a uma
determinação cega das elites e de seu braço midiático de correr qualquer
risco para dissociar o PT do poder.
A determinação é a mesma 25 anos depois.
Com um agravante: a candidatura Marina aguça apetites há muito reprimidos.
Vivemos dias extraordinários.
As ferramentas da rotina eleitoral não servem mais.
Ao
contrário do economicismo adotado até aqui, é preciso explicitar a
essência do conflito político radicalizado pela elite brasileira, contra
a construção de uma democracia social no país.
Nele, o xale de
Marina Silva cumpre o papel do velho pelego: afaga o lombo contra o qual
o dinheiro quer estalar o relho de um ajuste implacável.
Feito de muita fé. Mas sem piedade."
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